O primeiro beijo

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Vestes de gala enfeitavam o salão principal da ópera de Paris. Damas exibiam seus vestidos luxuosos, que moviam-se em espiral pelas danças sincronizadas reproduzidas por graciosos passos executados de par a par. Outros embebedavam-se de champanhe e vinho enquanto conversavam vigorosamente com bailarinas que haviam apresentado-se no espetáculo de mais cedo, exalando a sedução que o dinheiro poderia trazer na vida de um nobre, possibilitando-os de comprar momentos passageiros de prazer. Artistas que faziam parte do coro andavam vaidosos entre o público e Carlotta Gildicelli amava receber qualquer tipo de atenção, desfilando com seu vestido chamativo.

Enquanto a comemoração após o término das apresentações ocorria, uma figura completamente negra e encapuzada encontrava-se recostada ao guarda corpo do terraço da Ópera de modo sorrateiro. Ele sabia que dificilmente alguém dirigiria-se àquele local em um momento como aquele, em que as pessoas entregavam-se completamente à luxúria e as escadarias mal iluminadas ficavam repletas de delicados suspiros infindáveis.

Enquanto a brisa suave da noite pairava sobre seu rosto e ele mantinha sua concentração no movimento da cidade pintada na paisagem extensiva à sua frente, pensava em como seria se seu rosto não fosse daquela forma. Poderia ele sair por aí soltando galanteios ou arrancando suspiros de corações de belas moças como Christine Daae? Ela o escolheria ao invés de ter aceitado o pedido de dança do visconde de Chagny? Ou iria jantar em restaurantes caros de Paris com o ar de sua companhia? E assim, depois, ele poderia levá-la a sua casa e beijar docemente o dorso de sua mão tão macia em uma despedida romântica após uma noite inteira na companhia de sua amada Christine.

No entanto, seus devaneios pareciam tão horrivelmente distantes da realidade, seu coração rancoroso doía, seu instinto possessivo ardia apenas de imaginá-la nos braços do visconde, dançando tão alegremente enquanto ele permanecia ali, invisível e deformado, o completo oposto do homem tão desejado e agraciado pelas bailarinas daquela casa de artes. Quando ele espreitava casais e seus risos fáceis, os sussurros sensuais e os toques tão gentis, perguntava-se se um dia aquilo seria possível de ocorrer com o mesmo, mas logo enterrava esse desejo em sua amargura habitual, abandonando suas expectativas perdidas e pisoteadas pela realidade daquela face que o atormentava. E lá longe, em uma residência de classe média localizada próxima à rua da ópera, avistou um jovem casal. O homem estendeu a mão para que sua dama descesse da carruagem, e ela sorriu tão abertamente com o gesto, aceitando-o de prontidão, levantando a barra de sua saia enquanto era guiada para a casa que estava a frente dos dois. Mas antes de entrar, ele a puxou lentamente pela cintura e os dois entregaram-se a um beijo terno, que exalava amor profundo. O observador não pôde deixar de sorrir para a cena, permitindo que seus lábios o traíssem ao ponto de esticá-los sutilmente ao fantasiar Christine no lugar da moça e ele como o nobre rapaz que a guiava para sua casa em uma noite fresca de verão. Quando percebeu que seus devaneios o estavam torturando a ponto de mexer com seus anseios ocultos, recompôs-se em seu orgulho ferido de nunca ter sido beijado, mesmo já tendo passado da idade ideal em que a maioria das pessoas já experienciou esse ato tão trivial mas, ao mesmo tempo, tão íntimo. Ele reassumiu sua posição austera e suspirou, lembrando das composições que deveria finalizar e de terminar o planejamento da próxima aula que teria com Christine. Ela logo desabrocharia em uma linda primadona e assim todos os olhares masculinos concentrariam-se ainda mais em si, e então todas as suas mínimas chances de um dia tê-la para si provavelmente cairiam por terra, pois não via motivos de Christine rejeitar belos nobres que poderiam dar uma vida confortável que ela merecia e que qualquer mulher na idade do casamento almejaria. Não que ele, Erik, não pudesse oferecer o mesmo, ele poderia e iria se ela o quisesse, pois o homem havia acumulado uma fortuna considerável através de sua contribuição na ópera de Paris.

Porém, seu rosto era o maior obstáculo entre qualquer vida normal desejada por ele, era o que mais o constrangia. Christine, na bondade de seu coração, o havia suportado com o tempo, e isso só fez com que ele se rendesse mais a sentimentos de amor pela mesma. Em seus momentos de ensaio ela era gentil o suficiente de não incomodar-se com o mesmo na ausência da máscara, que ele próprio insistia em utilizar. Quando pensava em seus cabelos longos alinhados com sua silhueta ao piano, a moça tocando delicadamente nas teclas, seu coração palpitava de deleite. A proximidade entre ambos apenas crescia com o tempo, mas havia aparecido um obstáculo.

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⏰ Última atualização: Nov 23, 2023 ⏰

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