capítulo 3

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Honey on

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Honey on

Desde quando era pequena, eu não tinha nenhuma expectativa de vida, sempre fui uma incerteza, uma incerteza de existir, uma incerteza se algum dia, em algum lugar, alguém já quis que eu existisse

não conheço meu pai, mamãe dizia que ele tinha ido embora por minha causa, me chamava de "resto de aborto", e que não era nunca, nunca, pra eu ter nascido.

Até os meus 10 anos ainda não trabalhava fora, só dentro de casa, eu lavava, passava e cozinhava pra minha mãe, ela dizia que pelo menos pra isso eu prestava...eu ficava tão feliz quando ouvia isso

Me sentia, por pelo menos alguns segundos, querida.

Com 10 anos comecei trabalhar fora, eu pescava de manhã e à tarde vendia os peixes numa barraquinha na feira, as vezes na época da neve, eu me queimava com o frio

Á noite por volta das 20:00 eu chegava em casa e cozinhava um peixe pro jantar, mas só a mamãe comia, e dizia pra eu comer os restos dela, dizia que eu não merecia

depois ela pegava todo o dinheiro que eu conseguia no dia, me amarrava no pé da poltrona da sala, e saía de madrugada pra beber e comprar cocaína, mais cocaína que na madrugada anterior

era assim, todos os dias, e foi assim por 4 anos

quando fiz 14 anos mamãe me pôs pra trabalhar numa tabacaria que ficava perto da feira, ela me obrigava a roubar cigarro e bebida pra ela, mas um dia o dono descobriu, e me chutou pra fora do lugar, como se eu fosse um saco de lixo

quando cheguei em casa mamãe ficou furiosa, disse que eu não servia pra nada, e que eu era uma prostituoitu¹, logo em seguida ela acendeu o isqueiro amarelo dela e ateou fogo em mim...

Eu corri e corri, e nunca mais voltei, o fogo de alguma forma não deixou marcas muito grandes em mim, só umas poucas queimaduras nas costas e nas pernas, acho que Deus quis que eu fosse poupada de mais um sofrimento e fez um milagre, hoje em dia tenho algumas cicatrizes pelo corpo, mas nada se compara ao quão danificada está a minha alma.

Fiquei na rua um tempo, me escondendo de todos que eu conhecia, com medo de ter que voltar pra casa da minha mãe

duas semanas depois eu peguei uma condução escondida e fui pra cidade vizinha, consegui algumas esmolas na rua e fui de ônibus pra uma cidade mais distante ainda, estava disposta a deixar pra trás aquela mulher que tanto me fez mal

quando cheguei no meu destino, trabalhei como condenada em todos os bicos possíveis, e consegui alugar um quarto com banheiro comunitário numa pensão, depois trabalhei de babá, e depois me fixei no restaurante que conheci Vlad, com meu primeiro salário aluguei meu, agora, ex apartamento e o resto da história vcs já sabem.

Queria poder dizer que não tenho medos, traumas, queria poder dizer que sou amada por alguém, mas até hoje não fui digna do amor de ninguém, nem tive a fase adolescência apaixonada, não sei nem como é esse sentimento, vista pelas pessoas como uma pobretona subalterna

quem iria querem alguém assim? É, ninguém.

Eu sou quebrada, extremamente quebrada.

¹prostituta

Até a próxima ❤️

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