Cap 19: Mordida de Amor

85 23 5
                                    

   Gulf cantarolava ao caminhar com Sana pela trilha em direção ao Vilarejo, pois seu coração transbordava de alegria, e ele se sentia o mais feliz dos homens. Afinal, além de possuir um lindo e carinhoso marido, que o deixava louco de paixão e desejo, os sangue puros não criavam um problema havia mais de um mês. E o sol brilhava, tornando o céu azul e resplandecente. O vilarejo que também pertencia ao feudo dos Suppasits se situava no vale espremido entre pequenos montes atrás do castelo, e os campos estavam cobertos de flores que perfumavam o ar, anunciando que a primavera chegará. Um regato fornecia água para as plantações de verduras e grãos, e ao longe se avistavam um pastor guardando um bando de ovelhas. Mas feliz do que nunca, Gulf vibrava, sentindo-se abençoado.

  Entretanto tinha consciência de que ainda havia questões não resolvidas. Os sangue puros se mantinham quietos e afastados, mas era improvável que tivessem aceito totalmente o casamento. Mesmo a enorme paixão sensual que desfrutava com o Mew não afastava a sensação de que ele precisava de algo a mais. A fera em si, Gulf também tinha fatos a revelar ao marido, o que o incomodava bastante.

  — Seus humores mudam a cada instante — comentou Sana ao adentrarem o vilarejo e se aproximarem da banca de uma simpática senhora que vendia tecidos na rua. — Sorri feliz em um momento, e momentos depois fica preocupado, como se estivesse problemas graves a resolver.

— Ainda estou feliz — Gulf deslizou a mão sobre uma das peças de fino ninho sobre a banca.

  — Além dos artigos para se comprar aqui. Os Suppasits são famosos pelo bom gosto que cultivam em suas propriedades, e seus vassalos produzem artigos finos. Muita gente vem de outros feudos para comprar mercadorias aqui, e o nome dos Suppasits se torna conhecido cada vez mais longe.

— Isso é bom para o povo do Vilarejo, mas — Gulf se calou, por não querer afirmar que seria melhor os Suppasits não se tornarem conhecidos demais.

— Nosso lorde deseja promover mudanças no clã para afastar os rumores— observou  Sana, demonstrando compreender o receio de Gulf.

  — Mas nem todos aprovam as mudanças. Gostaria de acreditar que meu casamento foi aceito, mas creio que Sam não mudou de opinião.

  — Sam inveja lorde Mew. Ele carrega dentro de si muita vaidade e orgulho.

  — Assim como a Art.

  Gulf não ignorava que o sinistro homem desejará desposar Mew para se tornar o senhor do feudo.

— Nosso Lorde jamais o desejou como marido — afirmou Sana, lendo seus pensamentos. — Art já se envolveu com muitos cavalheiros em Cambrun, mas nunca por muito tempo. Ele não é capaz de ser fiel, e Mew jamais aceitaria um homem assim a seu lado, no trono e no leito. Mas o Lorde já se uniu eternamente ao senhor, e agora o casamento é indestrutível.

  — Gostaria de ter tal certeza, mas Art é um homem lindo e sedutor e isso às vezes me faz sentir inseguro.

  — O Lorde ainda não consumou a união de sangue?

— União de sangue?

  Gulf soltou o tecido que avaliava e franziu a sobrancelha.
 
  — Creio que é hora de termos uma conversa — Sana acenou para uma senhora que os observava da janela de sua casinha. — Jean, receberá uma moeda se permitir que eu e meu senhor tenhamos uma conversa privada em sua casa.

— Sejam bem-vindos! O noivo recém-casado necessito de conselhos. Esperarei do lado de fora e não permitirei que sejam incomodados.

  Pouco depois, Gulf e Sana estavam sentados na adorável casinha de Jean, e a simpática senhora serviu uma limonada antes de deixá-los. O ambiente era simples, mas muito limpo e agradável, com flores e pequeninos adornos de bordados coloridos nas paredes.

   —  Mew ainda não consumou o casamento? — Sana perguntou sem rodeios.

— Nosso casamento foi consumado. —Gulf cora ao pensar nos inúmeros momentos de íntimo prazer sexual que haviam desfrutado.

— Ele ainda não lhe mordeu o pescoço?

— Morder meu pescoço?

  — Era o que eu temia. Pelo visto, nosso Lorde deseja ter absoluta certeza de que o senhor o aceita sem reservas antes de morde-lo e consumar a união.

  — Morder-me e consumar a união? Não compreendo o que diz!

Sana hesitou por alguns instantes antes de continuar
 
  — Trata-se de um dos segredos mais bem guardados dos Suppasits. Eu mesma só vim a sabe-lo porque me apaixonei por um sangue puro há 20 anos. O Senhor conhece meu filho David, não? Ele é o fruto desse amor.

— David é filho de um sangue puro? Mas ele tem cabelo ruivo, e já o vi caminhando sobre o sol várias vezes.

  — Meu filho suporta o sol, ainda que tenha que evitar as horas mais brilhantes do dia. O pai do seu pai também foi gerado por uma mãe de fora do clã dos Suppasits, e eu, claro não sou sangue puro. Meu filho se assemelha mais aos London do que aos Suppasits, e o senhor Mew o considera especial e importante para o futuro híbrido do clã. Por isso nosso Lorde faz questão de escutar sua opinião, e sempre lhe reserva um lugar especial nas reuniões onde se decidem as questões do feudo.
 
  — Pode me contar quem é o pai de David, ou é segredo?

  — Thonr — Sana sorriu ante a expressão de surpresa e choque de Gulf. — Thonr parece ter a idade de meu filho, não é? Contudo, ele é mais velho que eu, e essa foi uma das razões que nos impediram de ficar juntos embora eu o amasse profundamente. — Sana desviou o olhar por um momento, enquanto antigas lembranças lhe voltavam a mente. — Amar Thonr era o paraíso e o inferno ao mesmo tempo. Era maravilhoso tê-lo ao meu lado, e um tormento pensar que eu envelheceria, tornando-me idosa e fraca, enquanto ele seguiria jovem e vigoroso. Hoje em dia ele ainda parece ter 20 anos, enquanto eu já trago as marcas da vida no corpo e no rosto. Thonr queria se casar comigo, mas antes me contou a respeito da mordida; isso me fez recusar.

  Incomodada, Sana desviou o olhar, indicando que não apreciava tocar naquele  assunto.

  Sem perceber, Gulf levou a mão ao pescoço para conferir se  seguia ileso, então tocou o braço da mulher, como para encorajá-la a continuar falando.

  — A mordida de amor — prosseguiu Sana, fitando-o nos olhos.  — Um cavalheiro Suppasit necessita se alimentar do sangue do amado para consumar o casamento, e para isso ele morde o pescoço. É o que chama-se de união de sangue. Depois de fazê-lo a união se torna eterna, é como se compartilhassem uma só alma. Thonr me explicou que ao casar comigo, ele provavelmente não resistiria ao impulso de provar meu sangue eu não consegui suportar tal ideia, foi demais para mim. Além disso, não sou como os sangue puros Suppasits, que se curam de machucados em segundos, eu tive receio de me expor a tal ferimento. Enfim para o bem ou para o mal, a verdade é que não consegui superar o medo e não aceitei desposar Thonr mesmo ao saber o que esperava um filho dele.

Cavalheiro da Noite Onde histórias criam vida. Descubra agora