mais do que os olhos veem ෆ

7. espaço seguro

[Música de referência: young and beautiful, lana del rey; me and my husband, mitski]

Era sexta-feira à noite, marcando mais uma semana que estava se encerrando. A menina havia chegado em casa depois de um dia exaustivo e muito ocupado. O colégio tomava grande parte de seu tempo e, como se não fosse o bastante, ela ainda dedicava o restante do seu dia a explorar mais e mais suas capacidades. Como se nada o que fizesse fosse o suficiente. Como se apenas a exaustão completa fosse o bastante. Como se sempre estivesse buscando por mais, até que não houvesse nada mais para extorquir dentro de si mesma.

A sala de estar estava tomada por um sentimento de preguiça e lerdeza. Talvez fossem as almofadas marrons, talvez fosse a luz amarelada que deixava o ambiente mais acolhedor. Independentemente do que fosse, tudo parecia colaborar para deixar aquele espaço o mais calmo e tranquilo possível. E, mesmo que isso não fosse o suficiente para aquietar totalmente a mente dela, nunca falhava em trazer uma certa leveza quase celeste ao seu dia.

Com passos pesados, a garota deixou seu corpo cair sobre o sofá, se permitindo parar por alguns míseros minutos. Não conseguia sequer chorar, pois seu corpo estava cansado demais. Chorar requer muita energia, e isso era o que mais faltava naquele momento. Além do mais, ela sabia que não teria tempo o suficiente para fazer isso antes que Christopher chegasse em casa. Então preferiu não arriscar. Não podia deixar com que ele visse seu rosto inchado e inundado de uma angústia tão inexplicavelmente amarga. Fechando seus olhos, ela repetiu inúmeras vezes em sua mente que não se deixaria levar pelo sono. Não deixaria. Não deixaria...

Mas aparentemente nem tudo estava sob seu controle.

"Eu roubo alguns suspiros do mundo por um minuto,
E então eu serei nada para sempre.
E todas as minhas lembranças,
E todas as coisas que vi, desaparecerão
Com meus olhos, com meu corpo, comigo."

Despertou com Chris ao seu lado, balançando seu ombro com delicadeza. Piscou algumas vezes para se lembrar onde estava e por que raios estava dormindo fora de seu quarto. Logo, entendeu que havia se entregado ao cansaço e adormecido ali mesmo. Com um suspiro profundo, ela se levantou e piscou lentamente, olhando para o seu namorado, tomada por uma espécie estranha de culpa.

"Eu dormi, não foi?" sussurrou de modo arrependido, mesmo que já soubesse a resposta.
"Pelo visto, sim." Christopher respondeu, sorrindo suavemente. A mão dele acariciou o braço dela, tentando acalmá-la antes que ela pudesse se despedaçar em culpa por ter descansado... em vão.
"Que horas são?" indagou a mais nova, olhando ao seu redor.
"Dez da noite."
"Já? Ah, não. Não acredito... Foi mal, eu deveria ter preparado o jantar. Sabia que não deveria ter deitado. Espera só um pouquinho, vou arrumar algo para comer." disse ela, começando a sair do sofá com movimentos descoordenados e lentos. Chris segurou sua mão.
"Ei, ei, está tudo bem. Eu já pedi comida. Não se preocupa."
"Chris..." Ele balançou a cabeça antes que ela pudesse prosseguir falando.
"Você está cansada, amor. Não precisa se preocupar com isso."
Ela suspirou levemente, enfrentando o dilema interno entre agradecer por tal ato de cuidado e se estressar por não ter cumprido sua tarefa.

"Aconteceu alguma coisa, hm?" ele indagou, percebendo sua expressão um tanto tensa.
"Não, não, eu só... acho que tenho me sobrecarregado um pouco. A minha agenda está uma bagunça. Mas não tem problema, eu vou dar um jeito."
"Você não precisa dar um jeito sozinha, sabe? Pode pedir ajuda às vezes." Ela suspirou.
"Eu sei. Mas não preciso de ajuda, eu só tenho que organizar minhas coisas. Eu nem estou fazendo tudo o que preciso e-"
"Vida, olha para mim." o mais velho pediu, inclinando sua cabeça para encontrar os olhos dela. "Você precisa descansar também."
"Posso descansar depois que acabar o que tenho que fazer, Chris."
"Eu te conheço, amor. Você nunca vai acabar, sempre vai ter alguma coisa a mais para fazer."
Ela olhou para longe. Em parte, porque sabia que seu namorado estava certo, mas também porque a conversa estava tomando um rumo muito mais desconfortável do que gostaria de ter que lidar.

"Você ainda não tirou a sua maquiagem, princesa." Chris riu, tentando tornar o clima um pouco mais leve. A menina grunhiu, colocando as mãos sobre a cara ao ser tomada pela vergonha, o que fez ele rir ainda mais. "Ei, tudo bem. Não precisa esconder sua cara. Eu te ajudo a tirar, que tal?"
"Sério?" ela questionou, ainda cobrindo o rosto. Mesmo que não pudesse vê-lo, sabia que ele estava sorrindo feito um bobo.
"Sério. Deixa eu te ajudar, só dessa vez?" pediu ele, fazendo sua melhor expressão de súplica (mesmo sabendo que essa não seria a única vez que tentaria facilitar a vida de sua amada).
A garota suspirou, deixando uma estranha calma tomar conta de seu rosto. "Só dessa vez." repetiu, sem conseguir encontrar razões para fugir daquilo. O sorriso de Christopher aumentou ainda mais, se é que isso é possível, antes do mesmo se levantar e caminhar até o banheiro em busca dos produtos faciais.

"Eu vi o mundo, o iluminei como meu palco agora,
Canalizando anjos em uma nova era agora.
Dias quentes de verão, rock and roll.
A maneira como você tocava para mim no seu show,
E todas as maneiras que eu pude conhecer
Seu lindo rosto e sua alma elétrica."

"Você sequer sabe como fazer isso?" ela gargalhou, vendo seu parceiro franzir a testa ao tentar ler as diversas embalagens para pele que tinha trazido até o sofá.
"Claro que sei! Eu só... não conheço todas essas... coisas."
"Quer ajuda?" ofereceu ela, percebendo que o beiço dele apenas aumentava quanto mais passava seus olhos por todas aquelas descrições.
"Pode ser." Ela começou a pegar os produtos, um por um, e separar alguns deles. Chris protestou, segurando as mãos dela. "Não, eu não quero que você faça nada. Só me fala o que fazer."
"Tudo bem, tudo bem." ela sorriu. "Aquele ali, o azul, é o primeiro que eu passo."
"Azul... Ah, okay!" Christopher pegou o óleo e colocou um pouco na palma da mão. "Assim?"
A menina sorriu, vendo a honestidade por trás da incerteza do seu amado. "Isso. Daí você passa no meu rosto."
As mãos dele espalhavam o produto com certa lentidão, tentando entender o que deveria ser feito aos poucos. A mais nova não conseguiu evitar um sorriso sincero que invadiu seu rosto.

"Você ainda vai me amar quando eu não for mais jovem e bonita?
Você ainda vai me amar quando eu não tiver nada além da minha alma dolorida?
Eu sei que você vai, eu sei que você vai, eu sei que você vai."

"Então... como foi seu dia?" ele perguntou, ainda passando o óleo. Sua amada riu.
"Foi cansativo, mas foi bom." respondeu com simplicidade, não querendo entrar em detalhes.
"Cansativo?"
"Muitos trabalhos, muitas coisas para pensar." murmurou ela.
"Entendi. Mas não aconteceu nada sério, certo?"
"Não aconteceu nada sério, eu prometo."
"Que bom, fico feliz em saber."
"E o seu dia, amor?"
"O meu? Ah, o mesmo de sempre. Trabalhei em alguns projetos com os meninos, nada demais."
"Hum. Você tem se cuidado, como disse que faria?"
O moreno sorriu, passando os dedos delicadamente sobre os olhos fechados dela. "Sim. Porque nós dois não podemos ser uma dupla de sobrecarregados."
"Ei!" a mais nova protestou, fazendo com que ele risse.

O mais velho mordia o lábio ao se concentrar em momentos específicos, o que fez com que a garota risse.
"Você está tirando minha maquiagem ou fazendo uma obra de arte?" ela perguntou sarcasticamente, ainda que seu tom fosse gentil. Ele sorriu.
"Obras de arte não deveriam falar no meio do processo."
A menina revirou os olhos. "Você só diz isso porque não consegue ver sua cara de concentração."
"É tão ruim assim?"
"É fofa." O moreno riu novamente.
"Uau. Reconfortante." Ela riu também.
"O que quer que eu diga? Você realmente está muito focado. É engraçado."
"Tá bom, tá bom. Feche os olhos, então. Senão eu não vou acabar minha obra de arte hoje."
"Você é insuportável."
Ao invés de responder, ele depositou um beijo nos lábios dela e sorriu. "Não, não sou. Você só está cansada demais para pensar em um argumento melhor."
A menina apenas sorriu em retorno. Pois ele estava certo, e ambos sabiam disso.

"E eu sou a idiota com o rosto pintado,
No canto, ocupando espaço.
Mas quando ele chega e entra,
eu sou amada, eu sou amada."

"Voilá!" ele exclamou após minutos e mais minutos tentando tirar todos os resquícios de maquiagem existentes no rosto de sua namorada. Sua expressão era inevitavelmente orgulhosa, fazendo com que a mais nova sorrisse.
"Você parece feliz com a sua conquista." provocou ela. O mais velho gargalhou.
"Você também estaria se tivesse que ler milhões de embalagens em grego e ainda fizesse um bom trabalho." Ela não conseguiu conter sua risada.
"Okay, okay, você tem um bom ponto."
A mais nova, então, recolheu alguns dos produtos para ajudá-lo a colocar tudo de volta em seu devido lugar.

Logo, ambos desabaram no sofá mais uma vez.
"Maratona de Gravity Falls antes da comida chegar?" sugeriu ela, olhando com expectativa para o amado, que sorriu em resposta.
"Você sabe que eu nunca digo não para maratonas de desenhos animados."

"Mas eu e meu marido
Estamos melhor.
Sempre fomos só ele e eu,
Juntos."