Pisquei, sem saber se tinha imaginado aquilo.
— Desculpa. O quê?
Eu estava ficando louca, sem dúvida. Como tinha dormido pouco e estava pirando com a ideia de ir ao depósito, não era tão inusitado chegar a essa conclusão.
— Eu te amo — repetiu ela.
— Tem certeza?
— Absoluta.
Clarke segurava meu rosto, seu toque macio e reconfortante. Se havia alguém que podia dizer alguma coisa capaz de me ajudar a suportar aquela manhã terrível, era Clarke, e aquelas eram as palavras.
— Sério?
Ela desceu os dedos da minha têmpora até o queixo. Em seguida, refez o caminho com a boca, até alcançar a minha.
— Eu te amo.
Todo o sentimento acumulado e reprimido explodiu dentro de mim.
— Eu te amo pra caralho. — Beijei-a com intensidade. — Sabe aquela noite em que você foi embora? Foi quando eu soube. Só depois que me vi sem você foi que percebi como precisava da sua presença, e, depois que você voltou, eu não sabia se ia conseguir dizer isso, mas não dizer estava acabando comigo. Merda. Estou estragando tudo. Por que não consigo calar a boca?Clarke desceu as mãos pelos meus ombros e braços e as subiu de volta, me distraindo do meu discurso inflamado, que era vergonhoso pra caramba depois de uma declaração daquelas.
— Eu te amo — sussurrou ela, mordendo meu lábio inferior.
Então ela se mexeu de forma que fez tudo se alinhar, meu pau deslizando sobre a pele dela.
— A gente devia fazer isso na cama — falei.
— Aqui está perfeito.
Ela enganchou os tornozelos na minha cintura, nos mantendo na posição.
Daquele jeito, era difícil argumentar, mas tentei mesmo assim:— A cama é mais apropriada, não acha?
— Foda-se o que é apropriado.
Clarke me apertou com as pernas e senti o piercing.
— Eu te amo de verdade, sabia? — falei. Saiu mais como um grunhido que como palavras.
— Eu sei. — Clarke jogou o cabelo por cima do ombro, expondo no espelho
aquela maravilhosa tatuagem nova. — Agora me mostre.A ânsia desesperada me abandonou, substituída por um desejo diferente. Eu tinha fantasiado entrar nela naquela posição, com a visão perfeita tanto da minha arte quanto do seu rosto. Eu teria apreciado o conforto macio da cama, mas aquela imagem era incrível.
O que tinha começado quente e frenético se tornou algo muito melhor. Era um ritmo controlado, nossos lábios se encontrando a cada movimento suave. Ela passou o polegar pelo piercing da minha sobrancelha, depois pelas argolas do lábio, acompanhando o caminho com a boca.
— Sempre vou poder colocá-los de volta se você quiser.
— Vou te amar da mesma forma, com ou sem os piercings.
Era exatamente o que eu precisava ouvir.
Clarke gozou me olhando nos olhos, e vi a verdade das palavras dela refletida ali. Nunca tínhamos estado tão próximas como naquele momento. Não queria perder aquela sensação.
Depois do segundo banho, Clarke enfim me convenceu a me vestir. Eu tinha medo de estragar aquele começo de dia fantástico indo ao depósito; ficar pelada era preferível. Mas eu já tinha adiado demais. Vesti uma calça social enquanto Clarke escolhia uma camisa e um blazer. Depois, foi a hora de tirar os piercings.
— Você não vai tirar o da língua, vai? — perguntou Clarke ao se sentar na pia do banheiro para assistir.
— E perder os sons que você faz quando chupo você? De jeito nenhum.
Ela ficou vermelha e sorriu.
— Ótimo.
Tirei a argola da sobrancelha, porém precisei de uma pinça e da ajuda de Clarke para tirar os do lábio. Fiquei sentada na beirada da banheira enquanto ela afrouxava com cuidado as bolinhas de aço de cada argola. Então puxou os piercings e os colocou na minha mão. Cutuquei o local onde costumavam ficar; a ausência do metal era estranha.
Ela beijou o local.
— Você é linda de qualquer jeito, Lexa.
Ri para esconder o desconforto. Aquela era, sem dúvida, uma das coisas que me preocupavam. Parte do que levara Clarke a se sentir atraída por mim era minha esquisitice. Se tirasse alguns piercings, eu pareceria uma pessoa qualquer, exceto pelas tatuagens. Clarke me entregou a camisa e esperou até que eu tivesse passado os braços pelas mangas para começar a abotoar. Quando terminou, deu um passo atrás.
— Dê só uma olhada.
Fui até o espelho do banheiro, nervosa por achar que estava parecendo uma idiota. O corte de cabelo e a ausência dos piercings no rosto tornaram a transformação extrema. Fora o transversal e os piercings na anti-hélice, ninguém saberia das minhas predileções. Estavam escondidas sob as roupas e uma capa de normalidade.
— Você ainda é a mesma pessoa — disse Clarke, abraçando minha cintura e repousando o rosto no meu bíceps. — Sua aparência não tem nenhum impacto sobre quem você é.
Foi Clarke quem dirigiu até o depósito, pois eu estava pilhada demais. Já fazia dois anos que eu não ia até lá e mais tempo ainda que eu não entrava. As coisas estavam exatamente como eu me lembrava: assustadoras pra cacete. O local me lembrava uma cena sangrenta de um filme de terror: corredores e mais corredores de galpões tipo garagens, com números identificando cada porta.
Clarke seguiu minhas coordenadas até chegarmos ao depósito que Kane tinha alugado quando ele e Indra limparam a casa. Clarke deixou o motor ligado enquanto eu reunia a energia necessária para sair do carro.
Depois de alguns minutos, ela apertou minha mão.
— Não precisamos fazer isso.
— Estou bem, só preciso de mais um minuto.
Mais um minuto acabou se transformando em dez, mas Clarke não forçou a barra. Segurou minha mão e esperou que eu criasse coragem. Quando finalmente abri a porta do carro, ela desligou o motor e me seguiu. Usei a chave que Kane tinha me dado, depois digitei a senha. O som da tranca remetia a tiros, e tive que lembrar a mim mesma que não havia perigo ali. Ninguém estava esperando lá dentro para nos emboscar. Ergui a porta do depósito e a luz automática se acendeu.
Embora eu estivesse de estômago vazio, achei que fosse vomitar.Comecei a morder o canto da boca na mesma hora, porém os piercings não estavam mais lá. Para compensar, coloquei o piercing da língua para fora e fiz o circuito de um lado para o outro entre os lábios. Aquilo me acalmou um pouco. Assim como a carícia de Clarke nas minhas costas.
Nada tinha mudado desde a última vez em que eu estivera ali. O depósito estava cheio de caixas e móveis antigos embrulhados com cuidado em plástico ou cobertos com pano. Eu lembrava, apenas pelo formato, como era cada uma daquelas peças. Os primeiros dezessete anos da minha vida estavam guardados naquele lugar. Eu tinha passado quase uma década tentando esquecer tudo. Não deu certo.
— Indra conseguiu organizar este lugar melhor do que o porão do Serendipity. Foi um trabalho do cacete — falei, mais para quebrar o silêncio.
— Alguém deve ter ajudado.