Burgh, Vale Trade – Seurh. Mês 10, ano 1204.
Eles conversavam.
Muito.
E sobre todas as coisas.
Em seus sonhos, Faller não a ouvia falar, ou gesticular. No entanto, tudo parecia perfeitamente familiar para ele. Exatamente como deveria ser.
Todas as manhãs e tardes que tinham livres, ele sentava-se no chão com as pernas cruzadas e fazia perguntas para ouvi-la falando.
Emylle se sentia vista, de novo. Não vista com os olhos cobiçosos da corte ou dos rebeldes, apenas vista como um ser vivente e cheio de segredos que pertenciam somente a ela. Vista como uma parte do mundo que merecia ser conquistada e não uma ferramenta usada para conquistar outra coisa.
Trazia, inclusive, a sensação familiar de que os dois eram os únicos ocupantes do mundo, presos nos limites de uma fortaleza gelada ou das cortinas daquela tenda.
E era estranho recordar como o exílio, com todas as suas privações, parecia ser suficientemente carregado de grandeza e plenitude.
Nas manhãs, tardes e noites que passavam conversando, havia uma única diferença apenas: agora Faller encarava Emylle o tempo inteiro. Analisando, aprendendo, gravando-a em sua memória. Diferente do que acontecia em Rosanim, nos tempos em que ele era distraído de seus pensamentos por suas conversas e, só então, Faller era capaz de desafixar os olhos do mundo e perder-se na distração de seus assuntos.
Nas duas versões de Faller que Emylle conhecia, ambas eram essencialmente quietas. Quando a agitação de seus pensamentos cediam, as inquietações dele eram dispersas como as linhas de impacto na superfície da água, e logo Faller era o retrato de um lago em repouso. Vasto e sereno.
Havia também as coisas que eram diferentes.
Faller costumava ser intenso. Seus sentimentos e ações demoravam a florescer, mas, quando o faziam, despontavam para as alturas. A breve existência da Arena era sempre um bom exemplo do quão ruim isso podia ser, mas os dias que Emylle viveu ao seu lado em Rosanim eram a prova do quão maravilhoso também podia.
Ali, contudo, Faller parecia mais cuidadoso. Tudo o que florescia em seu coração ou mente era cuidadosamente observado, e seu crescimento era igualmente assistido.
Ele não tinha mais medo do quão grande as coisas poderiam ficar e nem seria surpreendido por elas. Ele estava de olho em si mesmo e no mundo ao seu redor, não mais distraído com dez inimigos e mil mentes diferentes.
Olhar para o presente foi algo que aqueles dois nunca fizeram em conjunto. Em Rosanim, Faller fugia de seus feitos, enquanto Emylle fugia das guerras que chamavam seu nome. E ali estavam eles, tão cheios de raízes no hoje que só poderiam alcançar o futuro no tempo adequado de seus florescimentos.
Ou seja, não havia pressa.
Naquele dia, ele estava sentado no tapete, encostado na cama que agora pertencia única e exclusivamente a sua esposa, enquanto Emylle andava de um lado para o outro respondendo todas as dúvidas do marido.
— Então, Leir tinha dois irmãos, certo?
Emylle verificou se Faller estava acompanhando. Ele tinha lhe perguntado sobre sua família, seus parentes, e sobre sua infância.
— Marduk era o mais velho — ela prosseguiu —, era o Imperador do Taarc. Teve uma única filha, Marian, que foi quem criou você.
— A prima mais velha dos Falk — Faller pontuou atentamente.
— Isso! — ela validou. — Leir é o segundo irmão, pai seu e de Lola. Que é a irmã insuportável de quem falei.
— Cuja personalidade é semelhante à minha, mas o exterior pertence à nossa mãe, a Rainha Elena — ele reproduziu o comentário feito algumas vezes ao longo dos últimos dias.
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O Usurpador - As Crônicas de Seurh, Parte III
FantasyMoyenne foi invadida! Emylle foi sequestrada da batalha pelo Rei e agora estava viajando com o comboio real como sua prisioneira. Porém, de todas as cadeias existentes, essa era a única que Emylle não desejava se ver livre, pois, o novo mandante da...