O palácio

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Era bem cedo pela manhã quando parti de casa rumo ao palácio. Como eu não sabia exatamente até quando ficaria por lá, decidi passar pela cidade do vilarejo, já que era caminho para o palácio e visitar Gregori que pelo que descobri, era meu amigo de infância, ou melhor amigo de infância de Carmelia que agora sou eu.

— Bom dia Gregori, como vão as coisas? Tudo bem por aqui?

— Bom dia Mel, estou ótimo, e você? O que faz por aqui na cidade? Achei que só te veria na próxima semana quando viesse vender seus legumes. — Gregori trabalhava como ferreiro no vilarejo, e como de costume estava com o rosto sujo de algo que parecia graxa, mas sempre abria um sorriso quando me via chegar. Gregori era um homem muito bonito a pesar disso, tinha cabelos lisos sedosos e negros, os olhos verdes e a pele escura, parecia até um personagem de filmes antigos. Quando eu acordei como Carmelia pela primeira vez e sai em busca de ajuda, foi ele quem me amparou impedindo que as pessoas me mandassem pro manicômio ou a forca por estar falando bobagens. Depois descobri que ele era amigo de infância da Carmelia, que no caso agora sou eu. — O que você andou aprontando dessa vez? — Perguntou ele sorrindo.

— Eu vou bem. Pra falar a verdade dessa vez eu não aprontei nada. Hahaha. — Mostrei para ele a carta de convocação do palácio e expliquei que precisava chegar lá antes do fim da tarde — Como não sei por quanto tempo ficarei trabalhando no castelo, decidi passar aqui antes pra ver como você estava. Fico feliz em ver que está bem. — Disse sorrindo.

Gregori olhou-me fixamente nos olhos e por alguns instantes não disse uma palavra. Não sei explicar o motivo mas quando nossos olhos se cruzaram senti meu rosto esquentar e percebi então que estava ficando ruborizada. Ao que parece Gregori percebeu meu constrangimento e desviou o olhar para o pedaço de papel que estava em suas mãos.

— Uau, uma convocação assim do nada? Eles estão cada vez mais malucos naquele castelo. — Depois de passar os olhos pelo papel, ele me devolveu a carta, e com uma flanela velha limpou as mãos e o rosto. — Tudo bem. Infelizmente eu não vou poder acompanha-la, mas prometo que assim que puder irei visita-la. Até lá tenta não se meter em confusão, ok?

— Obrigada Gregori. Pode deixar, o que eu menos quero agora é me meter em algum tipo de confusão. Agora preciso ir, até breve. — Disse me afastando e acenando enquanto Gregori sorria e acenava de volta.

Já era quase fim de tarde quando finalmente eu cheguei ao palácio para me apresentar para a criada responsável. Apresentei a carta de convocação que o guarda havia me entregado no dia anterior, a uma mulher de cabelos grisalhos, com aparência de mais ou menos uns 40 anos , que me orientou sobre qual seria o meu serviço, e de como eles gostavam que as coisas fossem feitas ali. Depois ela me guiou por uma corredor estreito com paredes úmidas feitas de pedras, até um pequeno quarto que ficava na área de serviço do palácio, onde seria o meu quarto enquanto eu trabalhasse no castelo. Uma pequena cama com lençóis velhos, um penico em baixo da cama, uma cadeira, uma mesa de cabeceira com um candelabro e uma mesa com uma bacia com agua no canto da parede, preenchiam o ambiente. Não era muito diferente do meu antigo quarto, mas certamente era menor, bem menor, se é que isso é possível.

— Eu achei que todas as criadas ficavam no mesmo quarto. Não estou reclamando, me desculpe se é isso que parece, mas só gostaria de saber o por quê?

— Você não achou mesmo que colocaríamos alguém que nunca vimos e mal conhecemos para dormir no mesmo quarto que nós, não é mesmo minha jovem? — Questionou a mulher arqueando as sobrancelhas.

— Bom, não. E que ...

— Essa foi uma pergunta retorica meu bem, você sabe o que isso significa, não?!

Antes que eu pudesse responder alguma coisa a mulher foi saindo quarto a fora, e antes de fechar a porta virou-se e disse.

— Seus serviços começam amanhã, espero que mantenha seu animal dentro do quarto e longe de problemas. — Disse apontando com o queixo para Fox que estava parado ao meu lado.

— Sim, senho... — Ia respondendo. Mas antes que pudesse terminar a frase a porta foi fechada bem a minha frente.

— Puxa vida Fox, pelo jeito essa mulher é osso duro de roer. Acho melhor a gente ficar longe da vista dela, e mais ainda longe de problemas.

Coloquei a pequena bolsa com meus pertences em cima da cama, e arrumei tudo da maneira que dava, pois como disse o quarto era muito pequeno. Como já era noite quando terminei, percebi pelo ronco na minha barriga que estava com fome, e que provavelmente Fox também deveria estar. Depois de orientar Fox a ficar no quarto me esperando, decidi ir até a cozinha para ver se poderia pegar algo para que pudéssemos comer. Como meu quarto ficava na área de serviço do castelo, não foi difícil encontrar a cozinha, bastou que eu fizesse o caminho de volta por onde cheguei ao quarto. Quando entrei no amplo cômodo, encontrei duas jovens com roupas surradas que aparentavam ser apenas um ou dois anos mais velhas que eu, descascando batatas sentadas em pequenos bancos no canto de uma parede. Ao que parecia o jantar dos senhores ou da família real, não sei dizer ao certo, já havia sido preparado e já havia sido levado pelas outras servas que trabalhavam na cozinha quando eu cheguei no fim da tarde.

— Com licença, desculpem a intromissão, mas é que eu sou nova por aqui e ainda não comi nada desde que cheguei. Gostaria de saber se poderia pegar algo para que eu e meu amigo Fox pudéssemos comer?

Uma das garotas parou de descascar as batatas e olhou- me curiosa, enquanto a outra simplesmente continuou concentrada no que estava fazendo.

— Boa noite. Você pode se servir daquele pão e do que mais tiver sobre aquela mesa no canto. Enquanto ao seu amigo.. A senhora Fedra sabe que você trouxe mais alguém consigo?

— Bom, pra falar a verdade meu amigo não é bem alguém. Quer dizer é claro que ele é alguém, mas não alguém tipo uma pessoa, ele é uma raposa. E sim a senhora Fedra sabe que eu o trouxe, só me alertou para que ele ficasse no quarto para não causar problemas.

— Uma raposa? — Questionou a outra garota aparentemente curiosa, mas sem levantar o olhar e sem desviar sua atenção do seu serviço.

— Sim uma raposa. — Disse tentando forçar um sorriso amarelo.

— Bom. Essa é a primeira vez que vejo alguém com uma raposa como amigo. Mas já que é assim, pode levar um pedaço daquela carne seca que esta pendurada sobre o saco de grãos ali no canto. Já que a senhora Fedra sabe sobre a existência de tal animal no palácio, acredito não haver problema.

Fui até o canto esquerdo da cozinha onde estavam os sacos de grãos que provavelmente eram usados na culinária do castelo, peguei um pedaço da carne que estava pendurada em um gancho, e enrolei em um pedaço de papel que havia pegado ao lado da cesta de pães quando fui pegar alguns para que eu pudesse comer. Agradeci as duas jovens pela ajuda e voltei em direção ao meu quarto. 

Depois de entrar e me acomodar na velha cadeira ao lado da cama, desenrolei o pedaço de carne que havia trazido para Fox e o coloquei-o a sua frente para que ele pudesse comer, aproveitei e também comi os pães que havia levado para mim. Como a viagem até o palácio foi um tanto longa, estava me sentindo exausta. Depois de comer me deitei na cama e Fox deitou-se ao meu lado. Estava tão exausta que adormeci tão rapidamente que mal percebi. No meio da noite despertei repentinamente, acredito que por estar em um ambiente estranho para mim, quando acordei como Carmelia na floresta também demorei cerca de dois dias para poder me acostumar,  e quando abri os olhos vi um homem de cabelos ruivos muito bonito deitado ao meu lado. Instintivamente levantei-me de sobre salto e não pude conter um grito.

— AAAAAAAAAAAAA. QUEM É VOCÊ? COMO ENTROU NO MEU QUARTO? — O empurrei da cama e lancei o travesseiro em seu rosto, fazendo com que o homem abrisse os olhos assustado. 

Ergui o candelabro ao lado da mesa de cabeceira ameaçando lança-lo no homem, quando ele ergueu as mãos em minha direção e disse.

— Calma Carmelia, eu posso explicar... Sou eu, o Fox.

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