Palácio de Sonhos - II

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O Senhor dos Sonhos

– É hora de acordar.

A voz surgiu tão repentinamente no quarto que Max pensou ainda ser um sonho. Quando abriu os olhos, a figura mostrava-se de pé alguns metros à sua frente, uma estátua envolta pelas sombras do escuro.

– Por mais que odeie fazer isso, já que você parece estar muito bem com seu sorvete de mil sabores, eu tenho de fazer.

– Acordar?

Ele se sentou na cama, o cobertor com desenhos múltiplos de patos escorregando por entre suas pernas. Do outro lado da janela, ainda era noite, um azul-escuro com minúsculos pontos prateados no céu. No interior do quarto, um brilho estranho e incomum assomava-se sobre tudo. Ele não percebeu muito bem de onde vinha o brilho – talvez o pai tivesse ligado a luz do abajur.

– Por que tão cedo? Ou tão tarde? ... Ainda está escuro, pai.

– Eu não sou seu pai, Max – disse a figura e sentou-se aos pés de Max, a cama balançando um pouco com o peso. Ele parecia alto, um tanto dourado.

Dourado?

Mesmo na escuridão do quarto, algo parecia flutuar no ar em volta da figura – seria poeira? Mas poeira não brilhava. E também havia o tom estranho de dourado... O quarto deveria estar escuro, mas incendiava em tons amarelados e Max conseguia ver perfeitamente a figura. Não era o seu pai. Definitivamente, não se parecia nem um pouco com o seu pai. Max estava paralisado, mas conseguiu falar:

– Quem é você? – perguntou, se empertigando na cama, a voz falhando um pouco.

– Eu sou o Senhor dos Sonhos. – A voz era doce e calma. – O meu outro nome é um pouco mais conhecido nas histórias, porém quero deixá-lo escondido. É um tanto quanto estranho. E quero apostar nesse nome: Senhor dos Sonhos, bem legal, não é? – A poeira dourada – que não era poeira porque poeira não brilhava – flutuava e dançava com cada movimento.

– Acho que sim – respondeu Max um pouco nervoso. Não sabia se o Senhor dos Sonhos havia notado, mas o garoto estava dando olhadelas para a porta do quarto, numa tentativa de calcular se conseguiria correr e atravessá-la sem que o homem dourado o pegasse. Parecia um pouco impossível, já que a figura brilhante estava tão próxima dele.

Não custaria tentar, pensou ele. Parece o certo.

Mas o Senhor dos Sonhos interveio:

– Ah, não pense nisso.

Sua voz tampouco se alterou. Calma e doce, como ecos suaves em um sonho, parecia levá-lo pelo ar com a sonoridade. Contudo, Max continuava um pouco assustado. E ficou mais assustado ainda quando percebeu não estar com tanto medo quanto deveria. Talvez fosse a sensação de ainda estar sonhando. Nada de ruim acontece nos sonhos.

– Não sou perigoso – a figura continuou. – Sou o Senhor dos Sonhos, ora.

Talvez pudesse simplesmente gritar, mas o que isso impediria o homem dourado de lhe fazer algo? Muitas coisas poderiam acontecer com ele até que os pais acordassem, notassem os gritos do garoto e corressem até o quarto.

Em vez de fazer qualquer coisa, ele disse:

– Isso não explica muita coisa.

Max era inteligente para um garoto de doze anos. Era o mais inteligente da turma, na escola, e houve um tempo em que se orgulhava muito disso, assim como os seus pais, embora agora poucas coisas o fizessem se orgulhar do garoto. A situação não estava boa ultimamente. E mesmo o garoto mais inteligente da escola começara a ter deslizes. E ele ficou feliz pelos pais não estarem prestando muita atenção na sua vida agora, ou a coisa estaria feia.

Porém, Max sabia muito bem o que fazer quando estranhos conversavam com ele. Não converse. É o que se aprende assistindo filmes na TV. Ou ouvindo os sermões dos pais, todos os dias, antes de ir para a escola. Entretanto, o tal Senhor dos Sonhos tinha algo em si – uma espécie de confiança dourada que marcava seu rosto e flutuava através dele para Max. E o garoto começou a pensar sobre o motivo de ter medo do homem dourado. Agora, não parecia haver nenhum. O Senhor dos Sonhos, ou qualquer que fosse o seu nome, não parecia ser alguém ruim, não transparecia isso.

Mas, quando Max percebeu que o Senhor dos Sonhos havia lido seus pensamentos, ele ficou um tanto quanto assustado. Mesmo que fugir de uma figura estranha e dourada no meio do seu quarto fosse algo um tanto quanto automático, não havia outro motivo que não pensar que o homem dourado havia ouvido os pensamentos de Max.

A confiança abalou-se. O garoto piscou.

– Você ouviu meus pensamentos? – perguntou Max.

– Ahn... – O homem dourado hesitou por uns instantes. – Sim – disse, enfim. – Você ainda tem a névoa dos sonhos em seus olhos, então posso ouvir seus pensamentos.

– Névoa dos sonhos? – repetiu Max, confuso.

– É! – exclamou o Senhor, claramente feliz por ter que explicar o que a névoa era. – É algo que você carrega consigo por um tempo quando você deixa o mundo dos sonhos.

Ele pareceu afetado por um momento. Então sorriu.

– Sinto muito por ter te acordado, o sorvete galáctico do planeta Zinx parecia muito bom, embora eu tenha gostado mais quando ele se tornou sorvete de coco com chocolate... Ah, e Zinx na verdade não existe. O nome é Pollax! É um lugar bem legal, mas você não gostaria de visitá-lo no Inverno.

Senhor dos Sonhos não era apenas um nome artístico, como os super-heróis na televisão, então... Talvez ele fosse mesmo o que o seu nome lhe dizia ser. Talvez ele fosse apenas um louco com o corpo banhado em purpurina. Contudo, isso não explicava aquele brilho emitido ao seu redor, ou nas paredes, em todo lugar.

– Vamos, vamos – disse o homem dourado, de repente. – Está na hora, ou vamos nos atrasar. Logo amanhecerá, e você tem que voltar para casa antes disso.

Voltar para casa?

– Para onde vamos? – Max pegou-se perguntando em voz alta.

Aquilo dourado (que não era poeira!) flutuando ao redor do Senhor dos Sonhos pareceu brilhar com mais força, dançar em sua volta com mais velocidade e excitação, e todo o quarto se iluminou com mais vivacidade em dourado, como se alguém tivesse passado ouro líquido nas paredes. O homem dourado brilhava tanto, como um sol no quarto de Max, que mal se podia ver seu largo e feliz sorriso.

– Para o Palácio de Sonhos, ora!

Max pensaria naquele momento mais tarde, quando decidiu visitar o Palácio de Sonhos e todas as coisas que aconteceram. Pensaria em como poderia ter dito tanta coisa para o homem dourado. Mas tudo o que pode pensar em dizer naquele momento foi:

– Quê?


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