Depois de vestir um top preto sob uma camisa xadrez de mangas compridas, nas cores preta e branca, amarrei um nó na altura do umbigo. Minha velha calça jeans, já desbotada e soltando alguns fiapos na barra, precisou ser ajustada com uma tesoura. Era uma das peças de roupas do brechó da dona Hemengarda. Passei meus dedos úmidos nas sobrancelhas e calcei meu tenis All Star branco e desgastado. Prendi meus cabelos em um coque alto para que não ficasse esvoaçante com o vento da praia.
Sentada na cama, com as costas apoiadas na cabeceira, Norma anotava algumas coisas em seu diário. Ela escrevia e, ao mesmo tempo, desenhava corações com caneta vermelha, dando beijos e deixando marcas de batom nas folhas rosadas. Da janela, olhei para a casa do outro lado, onde tudo estava como antes, sem levantar muita suspeita. Fiquei alguns minutos pensando em tudo que tínhamos vivido lá. Virei o rosto e olhei para Norma, sem que ela percebesse. Lembrei de quando a vi pela primeira vez, com o vaporizador no nariz, dentro de um dos inúmeros quartos daquela casa.
Fechei a janela e as cortinas para que nenhum barulho incomodasse o sono dos meus irmãos. Naquele momento, Norma parou de escrever e sem tirar o lápis do lugar, levantou a cabeça para me olhar.
- Judy, onde você vai?
Não respondi.
Norma continuou me olhando.
- Sei que não vai à praia. Vai encontrar com alguém, não é?
- Claro que não, Norma! Enlouqueceu?
- Você está diferente. Sempre vai pescar de chinelo e com roupas velhas.
- De onde tirou essa ideia? Nem temos roupas novas.
- É uma roupa menos velha, e, não pense em me enganar. Disse Norma.
Deixei-a falando sozinha. Peguei o papel, com os nomes dos remédios e saí correndo para não atrasar ainda mais.
A lua estava enorme e clareava a noite ao se deslocar lentamente de trás de uma grande nuvem. Fui caminhando pela beira da praia para encontrar com o Enrico perto da pedreira. Se ele fosse pontual, certamente já estaria me esperando. Naquele momento, vi um enorme cão correndo, com alguma coisa atravessada na boca, em direção a uma figura masculina e ouvi uma voz, que dizia:
- Parabéns! Isso meeeesmo, garoto!
Ele jogou o pedaço de pau a distância grande, e o cão novamente saiu correndo para pegá-lo. O Enrico havia levado seu cachorro esquisito.
Minhas pernas ficaram trêmulas, minhas mãos começaram a suar. Não era aquele cão, o erro de laboratório, que estava fazendo aquilo comigo e sim o dono dele.
Parei ali mesmo, respirei fundo. Comecei a contar até dez, mas só fui até o quatro. Fui caminhando, até chegar onde ele estava, perto da pedreira.
Ele usava um conjunto de moletom preto e o zíper da blusa estava fechado até o seu pescoço. Naquela hora, ele puxou a manga da blusa que deixou seu relógio a mostra, apontou para ele, e disse:
- Está atrasada, já alguns minutos, e só veio porque ficou com medo de que eu fosse até ao prédio onde você mora, não é?
- Só saio depois que meus irmãos menores adormecem. Respondi.
- Ah, sim. Aquelas crianças que estavam lá no hospital.
E continuou:
- Naquele dia, eram cinco, incluindo você. É isso mesmo?
- Sim, somos cinco irmãos ao todo.
Enrico se virou para arremessar o pedaço de madeira, fazendo um esforço para lançá-lo mais longe, na esperança de que seu cão desse uma trégua. A todo momento ele retornava, trazendo o objeto na boca.
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A CASA DO LADO DE LA
Mystery / Thriller"Certamente você vai se emocionar com a história de, Judith Muller". A adolescente reside com seus irmãos menores e o pai que passa a maior parte do tempo ausente, no minúsculo apartamento de 38m². Ela vive na luta para manter o terrível segredo...