Capítulo Único

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Existe no oceano a história de uma baleia, a história da criatura mais solitária do mundo. Tendo o seu canto em uma frequência diferente das outras baleias, ela não conseguia se comunicar, assim ficando sozinha.

Baleias são criaturas sociáveis, conhecidas por nadarem em grupos e elas usam do canto para se acharem e se comunicarem, para ficarem juntas. Se uma delas não consegue chegar a mesma frequência, fazendo com que as outras baleias não a escutem, ela fica sozinha pelo vasto oceano.

Mesmo que estivesse só, Boon não desistia de cantar, fazia suas rotas ensinadas por sua mãe, antes de se perder dela, e continuava cantando, esperando que alguém o ouvisse. Ninguém nunca ouviu. Boon pode ver a todos, escutar todas as baleias nas frequências, mas quando se trata do contrário, não acontece. Ninguém o vê, nem o escuta. Ele permanece tentando, sem sair da rota, acreditando que vão ouvir. Afinal, não poderia ser o único, deveria ter alguém como ele.

Finalmente, Boon decide mudar sua rota. Nadar pelos sete mares em busca de companhia, em busca de alguém que cante suavemente em sua frequência, ou que ao menos escute-a.

Não poderia mesurar o tempo que isso leva. Incapaz de dizer quantos anos ou meses, ou se foram apenas dias que a baleia nadou sem encontrar ninguém. Permanecendo solitária, permanecendo invisível. Mesmo que subisse a superfície, mesmo que descesse até a escuridão do mar, em nenhum lugar do vasto oceano poderia achar alguém que escutasse Boon.

Mesmo que a baleia grite, sua voz nunca alcançará ninguém. Ainda que ela viaje o mundo todo, cantando o mais alto que puder, suas cordas vocais modificadas sempre cantaram na frequência errada, na frequência que ninguém mais ouve, deixando-a ficar solitária, porque essa música, saindo de si, não há uma resposta se quer.

Com a dor da solidão em evidência, Boon decide parar de cantar. Cansado, sozinho e ressentido, ele se cala. Fecha sua boca. Completamente sozinho, sabendo que permanecerá assim para sempre. Acompanhado de sua solidão, a única que sempre esteve ao seu lado, Boon continua sua jornada, mas sem mais cantar.

A baleia solitária havia perdido seu brilho, havia perdido sua voz, sua esperança. A tristeza consumia sua alma, tão fundo quanto o mar. Uma criança solitária, que já não reconhecia seu valor, não se importava em se mostrar, porque ela sabia que ninguém a ouviria. Na sua própria escuridão, ela permanecia, em silêncio e solitária.

A correnteza muda, o vento altera seu curso, as estações avançam e a vida de Boon deixa de ser a mesma quando, acreditando que jamais teria companhia, seus ouvidos captam um canto como o seu, na mesma frequência da sua. Animado, acreditando ser o sinal infinito que sempre pediu, ele canta de volta. Canta novamente, pela primeira vez em muito tempo. Recebendo uma resposta, uma que nunca chegou antes.

Boon está radiante, brilhando. A felicidade alcança todo seu corpo e se transmite na música que finalmente é ouvida por alguém. No mar profundo, vasto e azul, a baleia tem a sorte de encontrar alguém que a entenda, que a veja, que a encontre e escute-a. Já foi tempo suficiente para essa solidão que agora termina. A criatura solitária já não é mais solitária. Boon tem companhia, tem alguém para passar a vida.

Agora juntas, as baleias, antes sozinhas, vão em direção ao futuro, juntas, confiando em sua frequência e no oceano como casa, porque agora elas estão sendo vistas e seu cantos ouvidos uma pela outra. 

Criatura SolitáriaWhere stories live. Discover now