Saindo da escola, foco-me em descobrir quem é esse tal Henrique. Se ele de verdade é novo na cidade, ou só quer me atrapalhar mesmo. Ele está com um casaco verde desabotoado, blusa branca, com gola aberta e calça jeans; . Tem olhos azuis, cerca de um metro e oitenta, um pouco mais alto do que eu, e uma pele branca e limpa, físico normal e uma postura reta; tem gestos amplos e, juntamente com uma cabeça elevada, uma postura confiante que beira a arrogância.
— Vou chamar um táxi para nós — digo.
Henrique aponta, com uma chave, um Corsa preto, e o destrava:
— Não é necessário.
— Bonito carro — diz Marcela.
— Era um dos carros de meu pai, mas, como não o utilizava muito, então meio que acabei me apossando dele — diz ele, sorrindo, e olha para mim. — Sabe dirigir? Valter, não é? Controlo minha respiração, para me acalmar, e respondo secamente:
— Sei, sim.
Não por minha própria vontade. Fui obrigado a aprender, já que meu pai, para atrair mais clientes, resolveu que o antiquário fizesse entregas.
— Legal — diz ele, jogando-me as chaves em minhas mãos.
Entramos no carro. É limpo, em sua quase totalidade; há apenas restos de comida no assoalho.
— Aonde vamos? — pergunta Marcela, entusiasmada, sentando-se no banco de atrás, ao lado de Henrique.
Levá-la ao zoológico não seria muito inteligente. Ela vem de uma cidade do interior; já deve estar cansada de ver animais, e, de quebra, pode pensar que estou tentando impressioná-la.
— Para o centro da cidade, tem muitas coisas divertidas lá.
— Certo — responde ela.
— Vocês dois já se conheciam? — pergunta Henrique, depois de colocar o cinto.
— Nós éramos colegas no primário; no entanto, ela acabou se mudando.
— Ah, entendo.
"O quê?! Não vai perguntar por que ela se mudou? Bem... Pelo menos essa pergunta indica que talvez ele não tenha nos espionado. Pode ser também que ele tenha feito essa pergunta justamente para eliminar suspeitas. É uma pena que não pude checar sua reação, já que eu estava concentrado em colocar o cinto."
— Que sorte que vocês se reencontraram — diz, complementando com um sorriso, que vi pelo retrovisor. Notei que seus olhos se fecharam por um tempo anormal, como se não quisesse dizer o que está falando, já que, quando não podemos fechar a boca, muitas vezes fechamos os olhos. Isso deixa minha hipótese – de que ele está tentando eliminar as suspeitas – mais verossímil, porém ainda é muito cedo para tirar conclusões.
— É uma pena eu não conseguir lembrar-me dele — diz Marcela.
— Sério? — diz Henrique, com cara de paisagem.
Marcela emite uma microexpressão de tristeza.
— Sim, para falar a verdade, não tenho muitas memórias daqui.
Ainda olhando para o retrovisor, observo Henrique se inclinando levemente para frente, em interesse.
— Pelo menos, agora temos a oportunidade de criar experiências — digo.
Ela assente com a cabeça, com um pequeno sorriso.
Ótimo, ela não notou, pois acho que minha frase, sem querer, soou com conotação sexual. No entanto, pode ser essa minha mania de tentar ver duplo sentido em tudo. Meio que fui treinado para isso, tanto pela minha mãe, quanto, posteriormente, por César.
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A natureza perturbadora dos manipuladores: a linguagem corporal dos psicopatas
Mystery / ThrillerValter teve uma infância atípica. Ao invés de jogar bola com seus amigos e brincar de pique-esconde, foi ensinado por sua mãe a dissimular, ler a linguagem corporal, como microexpressões faciais, e a utilizar técnicas de persuasão. Isso, obviamente...