Capítulo 8 - Aula Magna

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Kamal despertou de seu pesadelo recorrente, sem encontrar Titã na cama. Levantou, fez seu prato favorito, limpou a bagunça. Vestiu a túnica roxa, fez sua caminhada. Não encontrou conhecidos durante o exercício, tampouco no vestiário. Deixou a roupa na lavanderia, e tomou um desvio para as galerias de treino. Lutadores na ativa e damas das adagas, embora seguissem métodos diferentes, tinham os mesmos horários de treino, no mesmo corredor, com a distância saudável de duas salas; o cronograma, no caso, envolvia uma sessão diurna e outra noturna, deixando as tardes livres. Eram cinco os subsolos das masmorras dedicados aos salões de exercícios, cada um com quatro câmaras. Um corredor era escolhido semanalmente para uso, tendo duas salas separadas para o treino de dia, outro par sendo usado de noite, enquanto os subsolos restantes ficavam em manutenção. A "sessão extra" ministrada pelo finado Saro Bolaris acontecia no último treino da semana, período da noite, em um subsolo vago.

Aqui, entrou o gênio maligno da chefia. Quando o Dragão recebeu sua intimação, já haviam se passado três semanas desde o incidente, de modo que sua "aula magna" aconteceria após uma rotação completa, no mesmo subsolo em que ocorrera o assassinato, utilizando exatamente a mesma sala de treino.

Até então, a questão das "aulas extras" fora deixada em aberto. As mulheres voltaram ao cronograma anterior imediatamente após o homicídio, sem retaliações aparentes. E num lugar em que a palavra corre com o vento, silêncio é uma bomba. Era notório saber como o Chefe não deixava pontas soltas, logo, deixar a situação no escuro por tanto tempo elevou ansiedade a níveis insalubres. No dia da "rapidinha", a revelação, através de Titã, de que as "lições" voltariam com um nome certo para professor trouxe uma versão masoquista de alívio para as damas. Melhor um golpe brutal anunciado do que um ataque surpresa. O Dragão, com o peso de seu nome, era algo a se temer; porém, em um abismo lotado de monstros, o que seria enfrentar mais um?

Estavam preparadas para uma noite atroz. O que era uma pena, pois sua "devida lição" aconteceria durante o dia. Ron de Vews, excepcional na arte da dominância, colocaria as infelizes nos merecidos lugares. Tamanha seria a disciplina, que nunca mais precisaria levantar um dedo para situações parecidas, pois a mera lembrança de seu castigo transformaria qualquer revolta numa brisa.

"Passarinhas devem ser bonitas na gaiola, e só".

Kamal desceu os últimos degraus, até o nível mais profundo da área de treinos, onde ninguém poderia ouvir os gritos de uma vítima. Onde a sala mais próxima da saída se apinhava de guerreiros, numa cacofonia de gritos e golpes, um fluxo de testosterona quase palatável, e lá no canto, a uma corrida desesperada de distância, as moças. Ele respirou fundo, vestiu seu melhor rosto de mau, e deu passos duros até a ala das damas. Passou o batente sem porta, quieto, sendo imediatamente notado por todas, exceto a treinadora. Ela ditava a cadência para uma sequência de chutes altos, e parou ao notar expressões de surpresa, espanto, revolta. Ao seguir o olhar das discípulas e constatar o invasor, ela explodiu:

—Está perdido? Posso ajudar com alguma coisa? — Inquiriu a professora numa falsa polidez, sob o peso de todos os olhares.

—Não, dona Gianini. Vim assistir o final de sua aula. — Enquanto a mestra processava a audácia, Kamal dirigiu as atenções para as alunas, elevando seu tom de voz que já era alto por normalidade. — As aulas extras voltaram, garotas. Carrego vocês comigo assim que ela aqui acabar.

—"Ela aqui"? — A pele de Gianini foi de vermelha a quase roxa. A senhora de cabelos pretos e curtos num corte delta se aproximou do Dragão num passo rápido demais para olhos destreinados. — Sai da minha bendita sala. Agora!

—Não.

A mestra arreganhava os dentes, e seus caninos encavalados tornavam-na ainda mais brutal. Ela era alta, a ponto de seu nariz tocar o Dragão na altura dos bigodes. Os olhos castanhos e expressivos mergulharam no abismo dos globos pretos do monstro, e quando as profundezas encararam de volta, Gianini as mandou para o inferno num crispar de mãos. O ar pesou impossível de se inspirar.

Dragão e TitãOnde histórias criam vida. Descubra agora