A tanto tempo, eu deixei você

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Rafaela nunca soube explicar com palavras o que tinha acontecido naquele ano.

Tudo aconteceu tão depressa como o passar das estações. Ela ainda lembrava cada palavra que trocou com o homem pela primeira vez,  uma fala ensaiada em sua cabeça, onde decorou todas as falas como se fosse um mantra.

Era janeiro de 1989, com o passar do ano lento e maçante, nunca pensou que o final da sua vida acadêmica fosse chegar no fundo do poço. Antes morava na saudosa Bahia, onde o sol parecia o melhor amigo do povo, as pessoas cativantes e calorosas, desciam a ladeira cumprimentando uns aos outros como velhos conhecidos.

Aquela cidade era tudo o que tinha, os amigos de infância que cresceram junto, os avós maternos que a mimavam todos os fins de semana e é claro, ela tinha o seu primeiro amor, aquele que a fez sentir o coração palpitar tão forte que chegava a doer, não lembrava quando tinha desabrochado tal sentimento, muito menos como conseguiria viver sem ele, era um relacionamento quase de dependência.

Os pés na areia quente da barra, as ondas batendo nos corais e aquele cheirinho bom de maresia que adentrava em suas narinas. O seu primeiro e verdadeiro amor: O mar.

Uma imensidão perfeita, o balançar das águas parece uma dança e a espuma tão branquinha quanto as nuvens. E quase um céu na terra, que podemos tocar, entrar e contemplar. Olhar para o mar até a linha do horizonte, beijava o céu, se encontrava com a lua. O seu primeiro amor, tinha cheiro, gosto salgado e trazia consigo uma paz, uma paz jamais usufruída pela humanidade.

Era grata a Deus, pai oxalá, e a sua mãe Iemanjá. Aquele era o seu lar, seu berço, aconchego.

E naquela virada de ano, após pular as sete ondas, vestida de branco. Desejando que o ano acontecesse do mesmo jeitinho que anterior com a paz que habituava em seu coração. E do nada, uma notícia no dia seguinte a fez perceber que depois daquele dia, nada seria como antes.

Rafaela chorou, sentiu o aperto no peito, uma angústia. Quem já se viu? Deixar o paraíso pra viver em um inferno. Porque com ela? Logo com ela, que jamais pretendia sair daquele lugar, que desejava viver eternamente na sua adorada Bahia.

A despedida foi inevitável, com lágrimas nos olhos por se separar da mulher mais importante da sua vida, a avó que tanto amava; amava pra caralho, amava como se aquela mulher fosse a sua própria mãe. E de fato, era! A senhora a amava incondicionalmente como uma filha, custava a dizer que era mais mãe que a outra, afinal de contas, aquela relação com sua progenitora não parecia tão intensa. E que culpa tinha Rafaela? Como sempre falava em seus conflitos: — Eu não pedi pra nascer.

E agora deixaria sua mãe de coração para trás, assim como a adorada Bahia e o mar. Para morar com sua mãe, conviver 24 horas por dia com ela, sem ter como correr no meio da noite pra dormir nos braços de sua avó.

A partir desse ponto, dessa despedida. Quase um presságio, a avó presenteou a neta com uma guia, um pouco mais reservada pois ela sabia que sua religião poderia ser "mal vista" para aquelas pessoas, e mesmo que ela não tivesse uma religião concreta aceitaria o presente de bom grado.

— Que os orixás te guiem, iluminem seus caminhos e te proteja de todo o mal.

Rezou por ela, a benzeu e com um sorriso no rosto. A despedida foi triste, melancólica.

Mas, existia aquela ponta de esperança. Algo dentro dela gritava, uma intuição. Aquele ano seria repleto de paz, mesmo que fosse longe do seu cantinho.

Ao chegar na cidade de pedra, as mudanças foram mais que eminentes. O mês de suas férias foi pacato, no processo de mudança e aquela fase em que não conhecia ninguém na própria rua que morava. Então, dedicou suas férias ao seu hobby favorito, desenhar.

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