Um tamborilar irritante

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16 de março - Baltimore - Irlanda

– Identidade, por favor – A voz robotizada da atendente soou através da saída de som da cabine.

Peguei a minha carteira de motorista e rapidamente entreguei através da abertura do vidro.

A atendente Lucy - de acordo com o crachá em cima do logo da Bus Éireann - deu uma rápida olhada entre a foto do documento e o meu rosto e estreitou um pouco os olhos por trás das longas extensões de cílios.

– Garota, o tempo te fez bem, hein? – Ela comentou com um sorrisinho satisfeito me dando uma última olhada e voltando a atenção para o computador, onde começava a digitar informações encontradas na minha identidade.

Eu estava tão indecisa entre me sentir lisonjeada ou ofendida - em nome da Penelope de 17 anos que estampava a foto que ela havia comparado - que acabei não respondendo. Eu odiava aquela foto e me odiava ainda mais por estar há pelo menos cinco anos postergando uma ida à Agência de Licenciamento para trocá-la.

Então, sempre havia uma comoção quando alguém pegava a minha carteira de motorista e se deparava com aquela menina da foto, sustentando o rosto mais redondo e inchado do mundo - obrigada, TPM! - somado com olheiras profundas do período de vestibular e com os olhos arregalados pelo susto com o flash. Aquele colar de miçangas em cores cítricas e com o meu nome escrito, que eu mesma tinha feito e parecia mais como uma coleira personalizada... O universo não teve piedade de mim naquele dia.

E, parando para pensar - enquanto tentava me distrair do incômodo causado pelas bolinhas de chiclete que a atendente tentava fazer enquanto fazia o meu cadastro - talvez o universo não seja muito meu fã desde sempre.

Talvez, não. Agora, depois de tudo, eu tenho certeza de que o universo tem algum tipo de rancor comigo.

Naquele dia da foto, eu ainda era uma menina com sonhos sentindo o entusiasmo de ir para a faculdade. Eu e Eloise tiramos nossa licença para dirigir juntas e, especificamente naquele dia, almoçamos na Casa Bridgerton antes de irmos conhecer o nosso dormitório na Universidade.

Sorri um pouco com a lembrança. Foram os melhores anos da minha vida esses em que eu morei com a minha melhor amiga - talvez o último momento da minha vida em que eu realmente me senti viva.

– Prontinho! – Me tirando dos meus devaneios, Lucy falou esticando a carteira de motorista e eu tive que me segurar para não revirar os olhos quando ela estourou mais uma bolinha de chiclete – Qual o destino?

De repente, a raiva pelo chiclete se esvaiu. Notei que, desde que eu fugi (fugi?) da briga com a minha família, todos os acontecimentos posteriores foram feitos basicamente com o meu cérebro em modo avião.

As roupas socadas dentro da mochila, a briga com Prudence, a ameaça de demissão que recebi de Charlotte, a foto de Alfred, o pedido pelo Uber até a rodoviária, a entrega do meu documento para a atendente-Lucy-do-chiclete e, agora, eu simplesmente não sabia para onde eu iria.

Quando eu chamei o Uber, quis ir para a rodoviária porque decidi que queria sumir um pouquinho do mundo. Mas, agora, com uma atendente me olhando impacientemente enquanto aguarda a minha resposta, eu me pergunto... Se eu quero sumir do mundo, para onde eu vou? Ainda mais partindo desse fim de mundo no cu da Irlanda?

Minhas mãos começaram a suar pela pressão de tomar aquela decisão e eu comecei a varrer o letreiro acima da minha cabeça, esperando que o meu destino talvez estivesse brilhando para mim como aconteceria num filme.

Não brilhou e, quando a atendente estourou mais uma maldita bola de chiclete, eu me ouvi dizendo:

– Dublin – Eu tentei sorrir e fingir que não tinha dito tomado aquela decisão com base no itinerário, que apontava que aquele seria o próximo ônibus a partir – De preferência na janela, por favor.

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