"Recentemente, recebemos algumas denúncias de atividades suspeitas e pessoas não reconhecidas pelos moradores circulando pela área. Estamos pedindo a todos para confirmarem suas identidades e a de qualquer outra pessoa que esteja residindo temporariamente em suas casas."
Naquela noite, parei para analisar essa fala do detetive. E se for mesmo verdade? A tentativa de invasão só ocorreu no dia em que saí de casa para ir ao supermercado, será que me viram saindo do prédio e me seguiram a partir daquele momento? Talvez realmente não saibam onde Linda está se escondendo e por isso essa perturbação na vizinhança.
Falei para Linda que ia descobrir o que estava acontecendo, pedi para que ela se escondesse e tranquei-a na casa. Desci até os apartamentos do primeiro andar, determinado a reunir mais informações sobre as atividades suspeitas e os indivíduos desconhecidos que têm sido vistos na área.
Caminhei apressadamente até o apartamento de um dos vizinhos daquele andar. O vizinho, Sr. Marcos, era um homem idoso e solitário que passava a maioria do tempo em sua varanda, observando a movimentação no prédio.
Quando cheguei, bati na porta do Sr. Marcos, que atendeu prontamente, parecendo contente com a visita inesperada.
— Olha só quem está aqui. Se não é meu vizinho de ouro! — disse o Sr. Marcos, colocando um enorme sorriso no rosto, fazendo suas bochechas saltitarem.
— Boa noite, Sr. Marcos. Tudo bem? Perdão pela visita repentina, preciso de algumas informações e o senhor é os olhos desse prédio — disse, após cumprimentá-lo.
Expliquei que eu estava preocupado com as recentes denúncias de atividades suspeitas e queria saber se o Sr. Marcos havia notado algo estranho nos últimos dias. Enquanto coçava a nuca pensativo, saiu da frente da porta, me dando espaço para entrar.
— Ah, sim, é verdade! Vi algumas pessoas que nunca vi antes por aqui. Sabe, eu passo bastante tempo na varanda, então acabo reparando nessas coisas. Na terça-feira à tarde, por exemplo, havia um homem de chapéu cinza parado na frente do prédio por um bom tempo. Parecia estar esperando por alguém. E ontem, quando você saiu para algum canto, notei um carro preto estacionado na esquina. O motorista ficou no carro o tempo todo, como se estivesse de olho em algo.
Naquele momento, senti um leve arrepio. Saber que alguém realmente me seguira na penumbra foi perturbador. Engoli seco e disse:
— Isso é muito útil, Sr. Marcos. E quanto a hoje? Você viu alguém diferente ou algo fora do comum?
— Hoje de manhã vi uma mulher desconhecida entrando no prédio. Ela estava com uma pequena bolsa de couro. Parecia estar procurando algo ou alguém. Não a vi saindo ainda.
— Você ligou para a polícia? — perguntei, um pouco preocupado.
— Não. Às vezes pode ser apenas uma visita, encanador, pedreiro... Se eu ligasse toda vez que alguém novo aparecesse, já teriam cancelado minha linha há muito tempo — ele ri e continua — Já fizemos a denúncia e agora é aguardar e rezar para não ocorrer nenhum problema conosco...
A conversa com o Sr. Marcos foi esclarecedora, levantando novas suspeitas sobre as atividades ao redor do prédio. Onde eu morava era um edifício antigo, construído nas décadas de 1970 ou 1990, localizado em uma área residencial que já viu dias melhores. Não era um lugar luxuoso, mas também não era precário. A segurança, no entanto, não era das melhores.
— Obrigado pelas informações, Sr. Marcos — disse eu, me dirigindo para a saída.
— Eu que agradeço, fiquei um pouco triste por você ficar alguns dias sem aparecer aqui — disse ele, com uma certa melancolia na voz.
Aquela frase me paralisou por alguns segundos, mas logo segui caminho enquanto entrava em um momento de reflexão.
Embora a vizinhança fosse boa, muitos só se conheciam pelo rosto. O Sr. Marcos não tinha parentes e vivia com a porta de sua casa trancada, isolado em seu pequeno mundo. Ele era um homem de poucas palavras, mas de grande coração. Eu gostava do Sr. Marcos, ele era como um pai para mim.
Eu me lembrava das tardes que passávamos juntos na varanda do seu apartamento, observando o movimento da rua e conversando sobre a vida, enquanto apreciava o céu ensolarado. Ele tinha um jeito tranquilo e sábio de ver o mundo, sempre com uma história interessante ou um conselho valioso. Apesar de sua reclusão, o Sr. Marcos era uma presença constante e confortante em minha vida, alguém com quem eu podia contar em momentos de necessidade.
Enquanto subia as escadas, cuidadosamente e em silêncio para não ser notado, refletia sobre como portas trancadas podem simbolizar muito mais do que apenas uma barreira física. Elas são uma proteção contra o mundo exterior, uma tentativa de manter seguros nossos segredos, nossos medos e, às vezes, até nossas esperanças.
No entanto, no mundo em que eu estava agora, com Linda escondida em meu apartamento e pessoas rondando os corredores, as portas trancadas adquiriam um novo significado. Elas eram uma linha tênue entre a segurança e o perigo, entre a confiança e a desconfiança. Cada clique de fechadura era um lembrete de que a verdade estava ali, escondida, esperando para ser descoberta.
Uma situação cortou minha linha de pensamentos, escutei passos à distância ecoando pelos corredores. Senti um frio na espinha e o coração acelerado ao pensar que a mulher desconhecida estava no prédio. Terminando de subir as escadas e chegando no terceiro andar, espreitei pela parede, observando a movimentação no corredor. Vi ninguém de imediato, mas decidi agir com cautela. Saí lentamente, tentando não atrair atenção.
O corredor parecia mais longo do que o normal, e a iluminação fraca contribuía para a sensação de claustrofobia e tensão que eu sentia. Ainda ouvia um som de passos, dessa vez mais próximo. Cheguei até a porta do meu apartamento, inseri a chave na fechadura, tentando não fazer barulho. Ouvi um clique suave, abri a porta apenas o suficiente para entrar, fechando-a com cuidado atrás de mim.
Não tinha certeza se alguém tinha me visto, não olhei para trás naquele momento. Podia ser apenas uma visita para algum morador do prédio, mas naquela situação todo cuidado era pouco. Repeti novamente em minha cabeça: as portas trancadas eram uma linha tênue entre a segurança e o perigo...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Porta Trancada
Mystery / ThrillerQuando Linda Oliveira aparece desesperada na porta de seu velho amigo, ele a acolhe sem saber dos segredos sombrios que ela carrega. Presos na casa, eles enfrentam sons estranhos, documentos enigmáticos e ameaças externas. Conforme o suspense aument...