Capítulo 03 - Ryan

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O verde musgo e o ripado de madeira realmente deram o "tchan" que a esposa do cliente queria.
Eles adotaram o projeto no momento que o viram. Pedi se queriam alguma alteração e disseram que estava perfeito, então foi um prazer entregar em mãos.

Percebo que sempre que volto para essa rua, cada ano está mais escassa de árvores. E o sol que bate no asfalto é como se te cozinhasse vivo.

Tranco o carro e foco o olhar na gritaria das maritacas, tudo bem, a casa de Helena parece ter preservado todas as árvores pelo resto da rua. Mas não me lembro de sempre ter essas árvores ali, e infelizmente ainda que alguém quisesse morar nessa casa, teria de tirar boa parte dessas árvores. Alguma estão apenas meia altura.

Apoio os braços no muro e faço uma análise do quintal, eu diria que está do mesmo jeito da última vez que pisei o pé ali, mas está pior.
Me questiono se Clara nunca mais voltou para esta casa, porque sequer respondeu sobre o meu projeto.

Custava dar uma devolutiva? Nem que jogasse na minha cara que não gostou.

Você me odeia tanto assim? Clara.

Flashback

Separo as partituras de acordo com o número de alunos que estarão na apresentação.
Deus que me livre se eu esquecesse alguma e fizesse um grupo de crianças chorar.

Laura escolheu a paleta vermelha para as madrinhas, eu adorei.

Ergo os olhos para minha mãe e consigo rir.
Minha relação com ela não é das melhores. Na maior parte do tempo eu a evito, Laura odeia isso, e nem sei se é pelas minhas ações ou por ser tão próxima de minha mãe.
E ouvindo isso tive a certeza do que sempre pensei, o sonho da minha mãe sempre foi uma filha e eu vim para desgraçar isso.

E só confirmo isso porque minha mãe odeia vermelho, mas como Laura escolheu, ela ama.
As vezes acho que são mais mãe e filha do que eu.

Que bom que gostou.

Ela é a nora que eu sempre sonhei — coloca a mão sobre o peito, maravilhada — e ela pensa como eu, sobre os filhos.

Bebo um gole de café, quente até demais, cheguei hoje de tarde e já imagino estar ficando louco.
Entendo que Laura não queira filhos, algo que estou "sacrificando" para estar ao lado dela, já que eu sou da opinião contrária.
Mas não é como se uma comemoração a respeito disso me deixasse confortável.

Filhos só desgraçam sua vida — diz naturalmente, enquanto crocheta um cachecol de lã em pleno verão — você perde sua juventude, sua paz...

Ah, obrigado, mãe.

Desvio o olhar para a estante. Olho as fotos de formatura do colégio e também as da faculdade.
Gosto dessa cidade, e confesso que cinco anos fora não me fizeram acostumar.

Suspiro, esperei que sentisse a mínima nostalgia estando aqui, mas a cada minuto que passa me arrependo.

Deixo a xícara de café sobre o mármore da pia, e pela janela da cozinha as luzes da casa ao lado me tiram a atenção.
O muro que divide os dois terrenos sempre foi muito baixo, minha mãe e a falecida vizinha eram amigas, um dia brigaram e houve ameaças de erguer o muro, mas nem os pensamentos, tão menos os tijolos se concretizaram.

Clara...

Desfaço o sorriso por ser patético, minha mãe disse que ela se mudou já tem alguns anos e sua mãe faleceu ano passado, desde então ninguém morou na casa.

A Última Chance De Ser EuOnde histórias criam vida. Descubra agora