Emergir

19 5 0
                                    

-Charlotte?- ouço Maya me chamar,assim que saio do transe de mexer meus dedos sem parar e olhar para o nada como se estivesse pensando em tudo.-Você nem tá ouvindo o que estou dizendo...- observo seu leve surto e solto uma risada nasal.
-Quando você vai entender que não preciso olhar pros seus lindos olhos pra ouvir cada palavrinha sua?- digo negando observando minhas unhas.
-O que eu disse então?- Ela me desafiou. O olhar estreito como se estivéssemos prestes a entrar em um cenário de velho oeste, onde iríamos sacar duas armas em um duelo,e quem atirasse primeiro,era quem tinha a merda da razão.

-Você disse que tinha uma prova onde iria ressuscitar um boneco, que estava nervosa porém bastante animada com tudo.- Paro de olhar minhas mãos e com dificuldade estreito meus olhos a encarando,querendo ouvir um "é, você ouviu mesmo...chata!".
3...2....1....

-É,você ouviu mesmo... Chata!- não me contenho e acabo soltando uma gargalhada sincera,mostrando todos os meus dentes. Maya me fazia feliz em todos os sentidos. Minha melhor amiga. Estar com ela me fazia ficar segura, onde eu podia ser eu mesma com todas as minhas esteriótipias e pensamentos estranhos.

Meu nome é Charlotte Backham. Sim eu odeio meu sobrenome. Tenho dezenove anos e estou fazendo faculdade... Espera, você realmente acreditou? Hahaha.... Não,eu não faço faculdade, não penso em uma. Sou do tipo de garota que te vira do avesso com meus pensamentos. Nada,nada comum... Ou,se você está esperando alguém magra,fofa, sem defeitos, é melhor você parar por aqui.
Moro em uma vila bem pobre de Londres que se chama East End. Nasci e cresci lá e não vejo por que sair... Acho que nem teria para onde ir. Gosto dos sons pela manhã de lá,dos pássaros emergindo pelas árvores,os cachorros latindo apesar de ser irritante qualquer tipo de som,eles me deixam confortável,aquela sensação de lar. Mal entram carros lá, nem motos... Mais bicicletas. Crianças por todo o lado,gosto de saber que ainda sabem brincar e mesmo se quisessem não teriam acesso aos telefones pois era fora da nossa realidade.

Desde pequena, sempre tive gostos duvidosos e pensamentos fora da minha idade. Minha mãe sempre me informou sobre como era feito o lance do sexo,o que era menstruar e também sobre tudo o que tinha no mundo dos adultos. Meu pai? Vamos esquecer ele.
Eu sempre tive todos os tipos de resposta na ponta da minha língua,apesar de não conseguir pronunciar uma única palavra a ninguém. Falar... Nossa,como eu odeio falar. Acho que ainda não achei a pessoa certa o suficiente pra minha cabeça dizer tudo o que pensa, acho que o mundo não está preparado pro meu jeito de pensar.
Sempre gostei de coisas místicas,assombrosas,que dão medo do coração parar,ou tortura psicológica. A coisa mais horrível no mundo é que fui quebrada tantas vezes que eu não sei como viver sem estar em cacos. É horrível estar totalmente feliz, é como se minha cabeça me empurrasse para a beirada do precipício toda a vez que minha mente vagueia para a felicidade.
Como se meu cérebro dissesse "Não querida, você não pode ter dopamina no seu corpo. Se jogue." Então lá estou eu,me jogando novamente,me fechando pro mundo inteiro sem nenhum pingo de razão na visão dos outros mas, fazendo total sentido para a minha mente perturbada.

Observo Maya mexendo  no seu Kindle,depois de me xingar muitas vezes, e logo a saudade vem. Maldita Ressaca literária. Eu tenho toda a vez que termino de ler o meu livro favorito. A vontade de adentrar naquela história,de sentir cada coisa. De sentir algo... Pois parecia que o tempo todo nunca nada era emocionante o suficiente na porra da minha vida.

Maya tinha cabelos cacheados,um pouco mais fechado do que o meu cacho. O preto revestia todo ele. Eu acho lindo... Minha cor favorita. Sua pele é como se fosse café com leite,seus olhos escuros davam todo o charme. Olhar marcante. Ela era linda. Era com ela que dividia todas as maiores maluquices,desde em como acreditávamos em vida pós morte, e que vivíamos em uma merda de "The Sims " na vida real. Questionando quem era Deus ou o Diabo. Quem era na verdade o bom, e quem era o ruim. Ficávamos horas falando disso, ela era literalmente a outra metade do meu cérebro.

Inside the desireOnde histórias criam vida. Descubra agora