Capítulo Quatorze.

391 50 21
                                    

"Mas esse sofrimento tem dia, hora e minuto contado
Eu vou sofrer o resto desse dia
Porque tudo serve de aprendizado
Amanhã eu levanto do chão
E encho essa casa de móveis" Metade da Estrada

Após descobrir que Kelvin não estava sumido porque lhe odiava, a questão para Ramiro agora era outra bem mais importante e delicada de se resolver.

Faziam pelo menos 10 minutos que Kelvin não parava de chorar desolado, seu pai junto de Ramiro levou-o para o quarto e lá o ruivo caiu no choro, apenas deixou tudo que acumulou na última semana se ir com as lágrimas.

— Meu filho, o coração do pai quebra te vendo assim... o que aconteceu? — Stênio afagava os fios ruivos que não estavam perfeitamente arrumados como sempre, Ramiro tinha as pernas de Kelvin sob as suas e sentia que seu peito podia explodir por vê-lo daquele jeito.

Pra qualquer pessoa que conhece Kelvin ele é uma pessoa esplêndida, sempre muito simpático e entusiasmado pela vida. É impossível você conhecer ele e simplesmente não ficar encantado com alguém tão carismático que sempre quer o bem de todos a sua volta.

E ver Kelvin num choro tão dolorido era a certeza que alguma coisa lhe machucou profundamente.

Alguém, na verdade.

— Kel. — A voz doce e suave de Buba invade o ambiente. — Eu te fiz um chá de camomila que você gosta, tenta tomar um pouco.

Kelvin ainda soluçava mas seu choro estava cessando, ele se senta e pega uma caneca que foi entregue pela mulher.

— Agora eu vou voltar pra lá porque o Augusto inventou de limpar sua casa. — Antes de sair do quarto Buba beija a testa de Kelvin carinhosamente. — Seja lá o que aconteceu, você é forte e nós estamos aqui sempre.

— Obrigada. — Kelvin ainda fungava muito, mas decidiu tomar o chá que havia sido lhe dado enquanto repousa sua cabeça no ombro do pai e procura pela mão de Ramiro para segurar. — Foi a mãe. Ela me deixou assim.

— O que aquela sirigaita fez com você, meu filho? — Num outro momento, Ramiro poderia até rir daquela fala tão espontânea vinda de Stênio.

— Quando eu voltei da casa do Ramiro no domingo ela tava aqui na frente do prédio cheia de sacolas de presentes pra Dul, pediu pra subir porque queria conversar comigo sinceramente. — Os olhos de Kelvin voltam a ficar marejados e ele sente que vai chorar novamente. — Eu fui idiota demais, eu acreditei que ela ia se desculpar comigo por todos esses anos, pai. Sou um burro, um idiota.

— Você não é um idiota por acreditar nela, sua mãe sempre foi muito manipuladora. — Stênio continua dando palavras de afirmação para que Kelvin não se sinta culpado seja lá o que tenha acontecido. — O que ela te fez?

— Eu deixei ela subir, ela entregou os presentes pra Dulce, pediu pra conversar a sós comigo, então a gente foi até a varanda e lá ela puxou a foto que nós tiramos no aniversário da Malu pra começar a me xingar, falar que eu sou um pai ruim, tô influenciando minha filha com esse meu "estilo de vida" e que ela ia crescer achando que ser gay é o certo... nunca fui tão humilhado na vida. — Novamente as lágrimas voltam a correr pelo rosto do ruivo que é rapidamente abraçado por Ramiro.

— Aquela vagab... enfim. E a Dulce? Cadê ela? — Para Ramiro, aquele não era o momento de fazer tantas perguntas para Kelvin que está claramente fragilizado, mas conhecendo Stênio ele sabe que lhe chamar atenção não iria adiantar para nada.

— A Eva é uma mãe péssima, mas sempre foi uma avó boa pra Dulce, então ela levou minha filha pra passar uns dias na casa dela, e disse que quando voltar queria o Ramiro longe da neta dela. — Stênio e Ramiro abrem a boca no mesmo instante ao ouvir aquilo, agora fazia muito sentido o fato de Kelvin estar sumido a dias pois qualquer pai no lugar dele se sentiria mal ao ouvir todos aqueles absurdos.

Mas não foi apenas o lado pai de Kelvin que fora ferido com aquelas palavras, o lado filho de Eva que sempre fora muito abalado pela relação ruim que eles tinham acabou sendo totalmente dilacerado. Quando Kelvin teve uma barriga solidária para se tornar pai, teve todo o apoio de sua mãe para isso e acabou tendo uma falsa sensação de que ela poderia ter mudado. Porém, assim que Eva descobriu que Kelvin iria ser um pai solo e continuava sendo gay, ela voltou a ser maldosa e preconceituosa como sempre fora.

Felizmente, Kelvin sempre teve uma excelente relação com seu pai, Stênio, que pediu divórcio de Eva assim que ela se mostrou homofóbica quando o filho se assumiu.

Mesmo que sempre sendo muito amado e apoiado pelo pai a vida toda, uma voz sempre ecoava em sua cabeça.

"Será que um dia eu vou merecer o amor dela? Será que ela vai reconhecer todo o mal que me fez? Porque ela não pode ser uma mãe tão boa quanto é avó?"

Dizem que o amor de mãe é indescritível, mas Kelvin consegue descrever o de sua mãe facilmente: é um amor que se acaba no momento que o filho foge das crenças de seus pais.

— Ah mas isso não vai ficar assim. — Stênio se levanta abruptamente, Kelvin que estava agora sentado no colo de Ramiro estranha a saída abrupta do pai para a sala.

— O que foi isso? — Ramiro pergunta e os dois se entreolham confusos.

— Não sei, mas vindo do meu pai é melhor ir lá ver. — Kelvin limpa suas lágrimas, se levanta indo para a sala sendo acompanhado por Ramiro.

— Vocês três. — Stênio aponta para Buba, Augusto e Bento que estavam sentados no sofá e olham para o mais velho assim que ele os chama. — A mãe do Kelvin, minha ex esposa, falou atrocidades pro meu filho e levou minha neta então estou indo bater na casa dela pra resolver essa história, vocês vem comigo?

— Claro. — Os que estavam no sofá respondem em uníssono e levantam ao mesmo tempo.

— O quê? — Kelvin pergunta com os olhos arregalados, porém não totalmente surpreso com a atitude do pai. — Não, vocês não vão pra lá, gente.

— É, você acha que isso é uma boa ideia, Stênio? Fazer um tumulto pode não funcionar. — Ramiro não conseguia deixar de abraçar Kelvin, depois de dias sem nenhuma notícia ele sente que a qualquer instante ficaria longe do ruivo novamente se acaso se afastasse.

— Ramiro, você é pai? — Prontamente o Neves responde a pergunta com um aceno positivo de cabeça. — Então eu duvido que você deixaria alguém humilhar um filho seu e ficar ileso, a Eva passou a vida toda desprezando o nosso filho e agora foi a gota d'água, ela não pode passar a vida achando que o que ela diz é certo. Eu vou botar aquela mulher no lugar dela ou eu não me chamo Stênio Alencar!

E assim, em passos largos e firmes, o pai de Kelvin sai do apartamento, deixando os outros ali se olhando em silêncio, segundos depois saem para acompanhar o mais velho. Todos chegam juntos a rua onde os carros de José Bento e Stênio estavam estacionados.

— Doutor Stênio, eu acho que nós dois deveríamos ir no mesmo carro. — Bento se aproxima do pai de Kelvin para dar sua sugestão. — Eu deixo meu carro pros quatro, não tô afim de ficar segurando vela e acho que dois advogados maravilhosos devem ir no mesmo carro.

— Desculpa querido, mas quem é você? — Já dentro do carro, Stênio pergunta sem muita paciência.

— José Bento Inocêncio, advogado investigativo ao seu dispor. — O rapaz se apresenta esticando a mão pela janela do carro.

— Tá, vamos logo. — Antes de entrar no carro de Stênio, Bento entrega a chave de seu carro para Ramiro lhe dando permissão para dirigir e rapidamente dizendo que Augusto não estava permitido pois é um péssimo motorista.

Com todos devidamente nos seus lugares estavam prontos para uma viagem de última hora com destino a cidade natal de Kelvin e Ramiro.

Nova Primavera. 

Projeto Cupido - KelmiroOnde histórias criam vida. Descubra agora