Capítulo Único

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O céu estava tingido de um azul profundo, quase púrpura, enquanto o Sol se despedia no horizonte. As últimas luzes do dia pareciam uma promessa do que estava por vir, mas, para Dean Winchester, havia uma sensação pesada no ar. Ele estava parado ao lado do Impala, olhando fixamente para o vazio, as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta de couro desgastada. O vento frio soprava contra o rosto dele, mas era um alívio bem-vindo em meio ao turbilhão que se desenrolava dentro de sua mente.

Castiel estava lá, em pé a poucos metros de distância, silencioso. Ele sempre tinha essa aura estranha, como se não pertencesse a lugar algum, e talvez fosse verdade. Anjos não pertenciam à Terra, e, mesmo depois de todos esses anos, Dean ainda achava difícil aceitar que aquele ser celestial escolheu ficar, escolhendo eles, escolhendo... ele.

Dean finalmente quebrou o silêncio.

— Cas... — Ele parou, suas palavras falhando quando tentou começar a falar, como tantas vezes antes.

Castiel virou a cabeça lentamente para Dean, seus olhos azuis profundos refletindo uma tristeza silenciosa, quase insondável. Ele entendia. Sempre entendia, mesmo quando Dean não conseguia dizer o que estava em seu coração. Mas essa era a maldição deles, não era? O tempo todo, girando em círculos, emoções não ditas e promessas não feitas. E, no meio de tudo isso, a presença inevitável do destino, sempre os afastando e os puxando de volta.

— Dean — Cas respondeu, sua voz baixa, grave, tão carregada de significado que parecia quase física. Era um som que Dean sempre sentia na pele, como eletricidade correndo pelas suas veias.

Dean apertou os olhos, tentando lutar contra as emoções que estavam prestes a transbordar. Ele se virou para Cas, forçando-se a confrontá-lo, mas era difícil olhar diretamente para aqueles olhos que viam tanto. Anos de batalhas, sacrifícios e perdas tinham esculpido ambos, mas havia algo ainda mais profundo entre eles, algo que Dean nunca conseguira nomear ou aceitar totalmente.

— Eu não sei por que você faz isso — murmurou Dean, quase inaudível. — Por que continua voltando? Por que arrisca tudo... por mim?

Castiel deu um passo à frente, cada movimento meticuloso, como se cada escolha sua estivesse sendo feita com cuidado. Ele inclinou a cabeça ligeiramente, aquela pequena expressão que Dean sempre reconhecia como curiosidade.

— Porque você vale a pena, Dean — Castiel respondeu com simplicidade, como se essa fosse a verdade mais óbvia do universo.

Dean riu sem humor, um som áspero que ressoou pela estrada deserta.

— Vale a pena? Eu? — Ele balançou a cabeça, frustrado, uma mão se levantando para esfregar o rosto. — Você sempre diz isso, Cas, mas eu não consigo entender. Eu... sou só um cara. Um caçador. Eu faço o que precisa ser feito, mas eu não sou nenhum santo. Eu sou um desastre ambulante, e você continua me tratando como... como se eu fosse algo mais.

Castiel deu mais alguns passos, agora próximo o suficiente para que Dean pudesse sentir a presença dele. Era quase sufocante, como se Cas carregasse consigo toda a vastidão do céu e da eternidade.

— Você é mais do que isso, Dean. Você sempre foi mais. — Castiel abaixou a voz, e havia uma profundidade nova ali, algo que Dean não tinha ouvido antes. — Você é o homem que me ensinou o que significa ser humano. O que significa ter livre-arbítrio. Eu fiz minha escolha há muito tempo. E eu escolhi você.

O coração de Dean apertou no peito. Aquelas palavras eram um golpe direto em suas barreiras, aquelas que ele mantinha erguidas para se proteger, para manter Cas à distância. Mas, com o tempo, as barreiras tinham começado a desmoronar. E agora, ele não sabia se conseguiria segurá-las por muito mais tempo.

— Escolheu? — Dean repetiu, sua voz baixa e rouca. — Cas, eu sou o cara que te arrastou pro inferno, que fez você se rebelar, que te ferrou de tantas maneiras. Como você pode continuar...?

Castiel ergueu uma mão, interrompendo Dean, seus dedos pairando no ar entre eles. Ele hesitou por um momento, como se considerasse se deveria ou não seguir em frente. Mas então, ele pousou a mão levemente no ombro de Dean, e o toque era suave, mas poderoso, como sempre.

— Você nunca me arrastou para lugar algum, Dean — disse Cas, a voz dele agora um sussurro. — Eu segui você porque eu quis. E continuo a seguir porque eu quero. Eu vi o que você não vê em si mesmo. E é por isso que eu estou aqui. Porque você é importante. Não para o mundo, não para o Céu. Para mim.

Dean sentiu como se todo o ar tivesse sido tirado de seus pulmões. Ele piscou algumas vezes, lutando para manter a compostura. Mas estava tudo desmoronando. Como ele poderia continuar negando isso? Negando o que estava bem na frente dele, o que ele sentia cada vez que olhava para Cas, cada vez que o via lutar por ele, sangrar por ele, e sim, morrer por ele?

A música que tocava no rádio do Impala de repente atingiu um acorde suave, e as palavras de "Angel" ecoaram pela estrada deserta. "I'm in love with an angel, heaven forbid.." O som encheu o ar ao redor deles, e Dean não pôde deixar de pensar em como aquilo parecia cruelmente apropriado. Castiel era seu anjo, mas Dean sempre fora incapaz de salvá-lo das consequências de seguir seu coração.

Dean deu um passo à frente, tão perto agora que o calor entre eles era palpável. Ele olhou para Cas, para os olhos cheios de compaixão e entendimento, e algo dentro dele finalmente cedeu.

— Cas... — Sua voz falhou de novo, mas desta vez ele não tentou esconder. — Eu... eu nunca pedi por isso. Eu nunca quis que você se machucasse por mim.

Castiel sorriu, um sorriso pequeno, triste, mas também cheio de aceitação.

— Eu sei, Dean. Mas o que sentimos, o que somos... não precisa de permissão. Nunca precisou.

Dean sentiu as lágrimas queimarem em seus olhos, mas ele não as deixou cair. Não agora, não assim. Ele respirou fundo e finalmente, com uma força que ele não sabia que tinha, levantou a mão e tocou o rosto de Cas, sentindo a suavidade da pele sob seus dedos.

— Eu não sei o que isso é... — Dean murmurou. — Mas eu sei que você... você é a única coisa que sempre me fez querer ser melhor. Mais do que um caçador. Mais do que um Winchester.

Os olhos de Cas brilharam com uma emoção intensa que Dean nunca havia visto antes, e por um momento, tudo ficou em silêncio. Não havia mais anjos, demônios ou o peso do destino. Apenas eles dois.

A música continuava tocando ao fundo, as palavras ecoando ao redor deles. "I'm not asking for a miracle, I just want to be with you..." Dean fechou os olhos por um segundo, deixando essas palavras penetrarem fundo.

— Então seja melhor — disse Cas suavemente. — Por nós.

Dean não precisava de mais nada. Ele puxou Castiel para perto, e naquele momento, com o céu escurecendo e a estrada vazia ao redor, eles deixaram o mundo se desfazer. Não importava mais o que vinha depois. Dean sabia que enquanto Cas estivesse ali, ao lado dele, isso seria o suficiente.

O que eles eram, o que sentiam — isso era tudo. Dean não precisava de milagres. Ele já tinha um.

AnjoWhere stories live. Discover now