Passado

O rio

A noite foi de vigília para Irma que não esquecia o que aconteceu naquele galpão. O casamento dela era bom e José era maravilhoso para Antero, mas mesmo assim ela não resistiu ao cheiro de Trindade no pescoço dela. Tudo parecia mais fácil quando ela ainda era obececada pelos Leôncios. Pelo menos parecia ser mais tranquilo recusar quando ela não sabia do gosto de café da boca dele e como era gostoso deitar no peito dele para falar sobre tudo na vida.

Seu desejo foi um pouco saciado naqueles minutos, mas ela tinha muitas perguntas. Certamente esconderam muitas coisas dela e principalmente, ela não sabe se conseguirá se manter longe dos braços de Trindade.

O café da manhã foi complicado de manter a serenidade porque algo seu marido escondeu por todos esses anos e ela realmente precisava saber. Antero ainda estava na casa de Jove e isso daria espaço para essa conversa complicada.

-Desde quando?

O marido já sabia exatamente o tópico da conversa.

-Por volta dos dois anos de Antero. Jove tentou esconder por um tempo, mas acabei descobrindo sem querer em uma comitiva que alcancei no meio. Eu ia logo lhe falar. Amor, eu juro, mas Trindade prometeu ficar longe e assim o fez até o acidente.

-E você acreditou assim? E mesmo com essa promessa, eu precisava saber.

-Precisava, Irma? Saber que ele não queria aproximação com você, o que lhe causaria?

"Raiva e decepção", ela pensa.

-Que ele era um covarde. Poderia ter uma participação na vida do filho. Não que ele precisasse porque tem um pai de verdade.

-Você falou como ele. Eu gostaria, mas não sou o pai...

-Pai é quem cria e ama,você muito bem disso.

-E por saber disso, eu falo que é pai. A única coisa que pediu, esses anos todos, foi ter notícias e algumas fotos do menino. Você sempre ficava estranha nos aniversários de Antero, você quer saber o motivo?

Irma sempre sentiu um vazio nessa data mesmo sendo um dia feliz e as vozes ficavam ou mudas ou agitadas nesses momentos.

-Quase todos ele tentava ver de longe o parabéns. O que foi em Campo Grande, ele ficou desolado. Eu tive pena e mandei um vídeo para ele. Trindade até aprendeu a usar o celular para saber como ver as fotos e vídeos de Tete.

-Eu não acredito que vocês fizeram isso comigo. Me sinto uma trouxa, uma boba.

-Não foi, tia.

O casal não percebeu a chegada de Jove na sala de jantar.

-Não foi. Eu e meu irmão sempre fomos contra esconder de você, mas a gente tinha medo que Trindade sumisse novamente e ficasse do mesmo jeito.

O rapaz toma um lugar na mesa e se serve de um pouco de café.

-A gente tinha nossas diferenças,  mas aquele capeta sempre foi um amigo da forma dele. Depois Tibério também pediu para a gente controlar a situação. Ninguém queria lhe enganar.

-Mas ele sim...

-Nunca, sempre foi difícil para ele. Toda nova foto de Antero, ele era só lágrimas e ficava mumurrando que era o melhor. Tia, esse homem até pedia cópia do boletim do filho. Gosta da falar que será doutor e não um ignorante como ele se define. Curiosamente, também não gostou muito quando Tete resolveu virar violeiro.

Irma não sabia o que pensar. Uma parte da vida dela e do filho foi tomada deles, mas com doçura. Agora as vozes faziam um pouco mais de sentido e a sensação de sempre guardar um pedaço de bolo pareceu mais lógica.