capítulo I.

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Há de se esperar que no auge de sua juventude, Amaury fosse muito adepto às boates. Não era o caso. Ele era do samba de rua, do barzinho da esquina, das bebedeiras e conversas em casa de amigos. Então, seria surpresa para qualquer um que o conhecesse que estivesse cruzando a porta do estabelecimento, que de cara já jorrava o cheiro de gelo seco, perfume barato e maconha.

As luzes piscantes ofuscavam sua visão, porém não pareciam ser o suficiente para acabar com o breu do ambiente. Anotou mentalmente de reclamar com Samuel a furada que o havia colocado. Não era para ele estar ali, naquela cidade, naquele lugar, mas decidiu ser um bom amigo, como bem sabia que era, mas que, com certeza, cobraria o favor no futuro.

O lugar estava repleto de corpos dançantes, bocas engolindo bocas e sombras que se moviam ao fundo de uma maneira bem sugestiva. Amaury caminhou ao balcão do bar e se sentou em um dos bancos, pedindo um chopp a um atendente mal encarado, mas que logo lhe serviu.

Pelo menos isso era familiar, a boa e velha cerveja gelada.

Ouviu aplausos surgirem junto de uma luz branca, ainda mais forte e ainda mais piscante, que vinha do fundo do amplo bar, e, só então, notou que ali havia um palco.

Uma música muito alta se fez presente, junto de duas garotas que subiram para coreografarem juntas algo que ele nunca escutou, estava longe do seu estilo e isso o fez decidir, mesmo que internamente, que não prestaria tanta atenção assim no show. 

Queria apenas terminar sua cerveja e ir encontrar o dono da boate, como era a ideia desde o início.

Porém, algo que não esperava aconteceu.

Uma terceira pessoa subiu no palco, e, de cara, soltou uma nota alta, longa, sem desafinar em momento algum. Amaury subiu os olhos, chocado com aquela potência toda, e seu queixo foi ao chão, pois não era apenas a voz que era bonita, a pessoa a quem pertencia foi algo que ele nunca esqueceu depois disso.

Do palco, Diego entregava tudo de si, como em todos os shows. A sorte é de que essa setlist era um dos seus pontos seguros, porque não teve tempo de ensaiar com Larissa e Biancca, já que seu produtor, Lennon, recebeu o convite e passagens de avião apenas um dia antes da data do evento.

 Diego não era para ser a atração da noite, mas quando outra Drag Queen desistiu, não pôde deixar de pegar a oportunidade. Shows pagos não estavam sendo tão fáceis assim.

Jogava a lace ruiva, com detalhes loiros na franja, para trás, acenando para as pessoas e pedindo que cantassem as músicas conhecidas. Pulava no palco e entregava na dança. Era tão pequena, mas sabia tomar conta de tudo, mostrando que aquele era seu lugar. 

Lugar este que podia sentir o olhar das pessoas sobre si e a forma como chamava atenção para sua arte.

E mesmo que pouco se pudesse enxergar do alto do palco, por conta das luzes, sua atenção parou em um homem que estava no meio do bar, encostado no balcão e a olhava atentamente. Ela não saberia dizer se ele estava gostando, até que pôde jurar ver um mini sorriso sem dentes brotar em seus lábios carnudos, o que a fez sorrir grande para ele.

Ali de longe, com luzes ofuscantes, e um mar de pessoas os separando, Diego e Amaury se encararam pela primeira vez.

— Sim, o cara é um babaca... — Amaury falava ao telefone, saindo de dentro da boate e apertava o outro ouvido para tentar ouvir melhor a resposta do outro lado da linha. — Tô falando, é sério. Disse que não está interessado na nossa peça e que não acha que alguém aqui na cidade se interessaria por isso. Dá pra acreditar?

Uma voz desconhecida e, aparentemente, estressada, chamou a atenção de Diego, que se encontrava ao lado da porta de entrada, com um cigarro entre os dedos tatuados. Sentiu a surpresa em seu peito ao notar que era o homem que trocou olhares durante o show.

fica | dimauryWhere stories live. Discover now