Capítulo 19:Vale Do Nevoeiro.

0 0 0
                                    

Me afasto dele, me lembrando que ele levou uma fechada nas costas.
-Por que parece tão emocionada, querida?- ele pergunta.
-Você podia ter morrido, sabe disso.
-Ah, eu só morreria se você fosse atingida, meu amor- ele diz sorrindo, o que me faz sorrir também.
-Como é possível você ser tão sombrio e misterioso em certos momentos, e em outros ser tão alegre e simples?
-O que posso dizer, é apenas um dom natural, agora, peça desculpas ao seu pai.
-O que?- digo confusa.
-Você me ouviu, peça desculpas.
    Olho para meu pai, que me olha tão confuso quanto eu, reviro os olhos e digo:
-Desculpa.
-Agora sua vez, se desculpe com sua filha.
-Não me diga o que fazer seu...
-Não foi uma sugestão, Joel, peça desculpas á sua filha!
    Meu pai revira os olhos e diz:
-Desculpa.
-Ótimo, agora que resolvemos isso, por que não me explicam porque diabos estamos aqui nesse lugar maldito?
-Bem, acho que posso explicar isso para vocês dois.
    Meu pai se senta novamente na cadeira e eu me sento ao lado de Jack.
-Bem, quando você caiu e desmaiou, eu te peguei e te levei para o meu quarto, usei as plantas para sair pela janela, enquanto isso, creio que Logan lutava contra os daímonizados, pois depois que te coloquei no carro, quando voltei para dentro de casa, estavam todos caídos, menos ele.
-Você lutou com uma flecha nas costas?- pergunto para Jack.
-Minha magia ainda estava funcionando normalmente... Só me lembro de vencer aqueles idiotas e logo em seguida desmaiar.
-Sim, você desmaiou e eu te arrastei até o carro, fui até a casa dos Lartcepses pedir ajuda para Alex e Syerra, foi então que eles sugeriram esse lugar. Apesar de a Madre Cuervo ter ficado meio confusa ao ver Jack, ela nos ajudou com os curativos e nos garantiu que estaríamos seguros aqui.
-Isso é realmente perturbador- Jack diz se sentando com dificuldade na cama- voltar aqui, depois de tantos séculos, saber que minha assassina cuidou de meus ferimentos, aposto que não vou durar nem mais uma semana nesse Plano.
-Não diga isso! A Madre Cuervo é a protetora dos NCs deste Plano, junto das Walkirias!
-Ah, sim, ela me protegeu muito naquele dia.
-Ok, ela pode ter feito isso, mas ela não faria isso duas vezes, não é?
-Não sei, aquela mulher é imprevisível.
-De qualquer forma, ela quer conversar com vocês dois.
     Apesar de Jack não gostar nem um pouco da ideia, convenço-o de nos encontrarmos com ela, vamos para o Vale Do Nevoeiro, onde ela havia combinado de nos encontrar.
    O Vale Do Nevoeiro, um lugar onde dizem que os vivos e os mortos são capazes de se encontrar, uma névoa densa, qual dá nome ao lugar, cobre completamente todo o vale, dizem que a névoa é o Véu entre os dois mundos, a névoa é tão densa que não é possível se enxergar a mais de 3 metro de distância, o que dificulta bastante se localizar aqui, apesar disso, o vale não tem rochas ou qualquer coisa que dificulte a locomoção, nada além da névoa.
-Não acredito que você me convenceu a vir aqui- Jack diz ainda zangado.
-Ah, você sabe que nunca conseguirá ser mais persistente do que eu, convincente talvez, mas persiste jamais.
-Bem, pelo menos há a vantagem de ficarmos sozinhos de mãos dadas aqui...
-Você sabe que eu não faria isso se não fosse tão fácil se perder aqui.
-Admita, você queria isso mesmo- ele diz, e nem preciso vê-lo para saber que está sorrindo maliciosamente.
-Nunca vou admitir algo que não é verdade...
    Me calo e paro de andar ao ver um vulto correndo pela névoa.
-Você também viu aquilo?- pergunto.
-Deve ser uma alma perdida, viva ou morta, vamos continuar andando.
-Tem certeza de que seu feitiço irá funcionar para sairmos daqui?- perguntou enquanto volto a andar.
-Claro que tenho, um feitiço Olho Que Tudo Vê mostra tudo o que quisermos, podendo servir também como um portal para qualquer lugar, sendo assim, sei que temos uma saída garantida. Ela por acaso falou aonde do Vale ela iria nos encontrar?
-Não.
    Ele para de andar.
-Mesmo? Bem, neste caso vamos esperar que ela nos encontre.
-Está falando sério?- pergunto quando ele começa a se sentar no chão.
-Claro, tem outra ideia?- ele me puxa para que eu sente também- enquanto esperamos posso te ensinar alguns feitiços simples.
    Me ajoelho no chão de frente para ele, ele senta como índio e diz:
-Agora, vamos com sua primeira lição- ele gira o dedo indicador, e a névoa gira sobre seu comando, em poucos segundos, estamos em uma redoma livre de névoa- jamais tente treinar feitiços enquanto não se pode ver o que está ao seu redor. Segunda liça, todo feitiço tem uma ação, uma reação e uma consequência, a ação deste pequeno truque que fiz é simplesmente girar o dedo indicador, a reação é a afastar a névoa até certo raio de alcance, o que é variável, e a consequência é que a névoa irá se acumular em volta de nossa redoma.
-Lição 3: mantenha seu objetivo em mente quando for fazer um feitiço, tanto o porque de querer fazê-lo quanto qual feitiço quer fazer, caso contrário pode não funcionar como esperado. 4º lição: até o mais simples dos feitiços precisa de magia, logicamente, se você não tiver magia, como os Comuns, então não poderá fazer qualquer feitiço. 5º lição: literalmente qualquer feitiço pode se tornar uma arma, inclusive contra você mesma. Agora, vamos tentar um feitiço simples de entretenimento.
    Ele abre a mão e pequenos fogos de artifício saem de sua palma, de todas as cores e formas, estourando a não mais que 30 centímetros dela, não consigo segurar o sorriso infantil que se abre em meu rosto.
-Que lindo...
   Ele ri.
-Querida, você parece uma criança dessa forma, com esse sorriso e esse brilho nos olhos- ele ri novamente- o nome deste feitiço é simplesmente Mini Fogos De Artifício. Agora sua vez.
    Ele fecha a mão e os fogos param de aparecer.
-Vamos lá, primeiramente, visualize o que quer, qual feitiço quer?
-Mini Fogos De Artifício.
-E por que?
-Porque... quero aprender?
-Não, querida, não é por isso, mas porque quer se entreter com algo pequeno.
-Ok, porque quero me entreter com algo pequeno- repito suas palavras.
-Ok, então o que quer?
-Quero o feitiço Mini Fogos De Artifício pois quero me entreter com algo pequeno.
-Exatamente, mantenha isso em mente, agora, abra a mão direita.
     Faço o que ele diz.
-Agora, canalise sua magia, sinta ela fluir por seu corpo até a palma da sua mão, visualize o que quer e faça acontecer.
    Faço o que ele diz, mas nada acontece, talvez porque começo a sentir um cheiro familiar que me faz pensar em comida e me lembra que não como tem um tempo, o que faz minha barriga gemer.
-Canela, maçã e vinho, cheiro de magia do Limbo- ele diz- uma das poucas formas de se rastriar feitiços, até pequenos como esses. Agora concentre-se.
-Esse cheiro... Quando fomos para a casa de Alex pedir ajuda para ele, esse cheiro fez Syerra sair correndo até o quarto dele...
-Sim, posso ter usado um feitiço para fazer Alex ir para o quarto para podermos conversar com privacidade.
-Você o enfeitiçou?!
-Só o teletransportei, nada muito sério. Agora, esses fogos vão sair ou não?
    Me concentro novamente, mas minha fome é mais forte, me apoio para frente com as duas mãos no chão.
-Não vai dar, agora fiquei com fome.
    Ele suspira.
-Admito que também estou com fome agora que parei para reparar, bem que poderia existir um feitiço que criasse comida....
-Não existe?
-Ao contrário do que muitos pensam, não existe feitiço para literalmente tudo. E agora eu vou ficar pensando em comida...- ele olha para o céu oculto pela névoa.
-Sabe, quando eu te conheci pensei que você não passava de um tarado interesseiro. As vezes você ainda parece. Mas, agora que sei sobre Penélope e tudo o mais, eu até te entendo um pouco. Não que eu tenha te perdoado pela primeira impressão terrível que você causou em mim, não se engane...
-Olha só, eu nem sabia que você tinha tido uma má impressão de mim- ele diz, voltando a me olhar.
-Em menos de uma hora de conversa você já estava beijando meu pescoço e dando mordidinhas na minha orelha, eu não diria que isso causa uma boa primeira impressão em uma garota.
-Ah, mas mesmo assim você se apaixonou por mim, mesmo que à primeira vista você tenha me julgado um idiota.
-Eu não disse idiota, eu disse tarado interesseiro, e outra, eu não estou apaixonada por você.
-Vai mesmo voltar a negar?
-Não, vou voltar a não admitir o que não é verdade. Como isso.
-E outra, eu não te conheço muito bem ainda, o que me garante que você não é um assassino, sequestrador, torturador, ladrão, tarado, traiçoeiro, sem vergonha, interesseiro, psicopata, sociopata, narcisista e/ou pedofilo?
-Ei! Eu não sou pedofilo!
-... VOCÊ SÓ VAI NEGAR ISSO?
-Todos temos nossos momentos- ele diz dando de ombros- e mesmo porque, meu lar é numa guerra, um lugar que vive em uma constante batalha há milênios, e as vezes fazemos coisas das quais não nos orgulhamos em uma guerra- ele abaixa a cabeça, ressentido.
-Coisas tipo...?- pergunto curiosa.
-Tipo beber num bar até apagar e esquecer da noite anterior- ele diz mudando totalmente de humor.
-Ah, fala sério!- digo indignada- você estava todo depressivo-nebuloso e agora tá sorridente e brincalhão? Posso adicionar bipolar na minha lista também!- ele ri.
-Mas você não pode reclamar disso, é uma das minhas melhores qualidades- ele se apoia para trás com as mão no chão, e volta  a olhar para cima- uma pessoa uma vez me disse que se você não conseguir sorrir é porque você perdeu o que restava da sua humanidade, e que aquele que lembra de sorrir, que até no mais sombrio dos momentos consegue rir, então essa é a pessoa mais forte do mundo.
-As vezes sinto falta daquele velho tagarela- ele sorri- um dos poucos vivos que não revi no Limbo...
-Eu tenho que perguntar, por que agora você está falando Limbo e não Entre Meio?
-Porque aqui eu posso, lá, se você falar Limbo, muitos não gostam e você pode levar uma flechada ou coisa pior por causa disso, mas aqui ninguém se ofende com algo tão banal quanto isso.
-Entendi, é bom saber disso, será útil quando eu for pra lá...
-Quando você o que?- ele pergunta me olhando imediatamente.
-Ah, estava no nosso acordo, lembra? Você me ajuda a derrotar Mitéra e eu vou temporariamente para o Limbo...- me recordo de nosso acordo inicial- quer dizer, você me ajuda a resgatar Victor, e eu vou pra lá...
-O que foi, querida? Por que ficou triste assim de repente?
-É que... Admito que havia me esquecido de Victor... Eu não tinha parado para pensar em como vou explicar isso tudo para ele...
-Você não vai precisar, nós do Limbo temos nosso jeito de resolver este tipo de problema, um simples feitiço de memória fará com que todos eles se esqueçam desses últimos dias, será como passar uma borracha em suas memórias e reescrever estes últimos dias de suas vidas. É bem prático e rápido, evita perguntas e não causa danos.
    Quando vou questionar Jack sobre essa coisa de reescrever as memórias das pessoas, algo se move na névoa, chamando nossa atenção.
-O que é aquilo?- pergunto enquanto nos levantamos.
-Não sei, mas tenho quase certeza de que está vindo em nossa direção...
    Uma silhueta grande e deformada vai ficando cada vez maior, o som de grasnados e o farfalhar de asas torna certa a ideia de que é um bando de corvos, isso momentos antes de dezenas, se não centenas, de corvos passarem por nós, eu me abaixo e Jack nos protege com suas asas, desfazendo o feitiço de domo contra a névoa. Quando todos os corvos terminam de passar e nos levantamos, olho para onde eles estavam indo e vejo que eles estão voando em círculo, como um redemoinho de corvos, quando o último corvo entra no redemoinho, todos se dispersam, voando para todas as direções, é então que revelam o que estavam cercando.
-Maldita seja- diz Jack entre os dentes.
-Madre Cuervo- sussurro. Apesar de todos saberem de sua existência, ela é quase uma lenda, ninguém a vê há séculos, o que torna este momento muito especial para mim.
-Você... Como... Querido...- ela sorri e lágrimas escorrem por seu rosto, ela começa a vir em nossa direção, ou melhor, na direção de Jack, mas este pega novamente minha mão e recua.

La BrujaOnde histórias criam vida. Descubra agora