Noemi descansava sentada à sombra de uma árvore, e aproveitava para admirar as muralhas de Jebus. Imponentes e arrogantes, as muralhas da cidade misteriosa pareciam encará-la de volta. A jovem observava todos os detalhes que eram possíveis de ser notados à distância que estava, nos limites de Belém.
Aquela cidade deveria estar sendo ocupada pelos israelitas. Porém, após a morte de Josué e Otniel, rapidamente os jebuseus haviam voltado e expulsado os hebreus de lá. Noemi não sabia o motivo, mas se sentia atraída àquele lugar. Talvez fosse a curiosidade em saber como era a cidade além dos muros.
Seu pai dizia que Jerusalém (o outro nome de Jebus, e o velho Baruche se recusava a chamar a cidade de Jebus) era especial porque era a cidade do sacerdote Melquisedeque, e também o lar de um dos montes onde Abraão havia oferecido Isaque. A jovem se perguntava se um dia poderia ver a cidade por dentro.
Noemi suspirou e mudou o foco de sua atenção. A flor que havia colhido combinava com seu vestido. Torcia para que a trança que Shoshana havia feito não tivesse sido bagunçada pelo vento. Um farfalhar diferente na grama alta fez seu coração acelerar.
Elimeleque.
Ela não pode conter um sorriso. Tentou fingir que não tinha percebido a aproximação dele e, discretamente, alisou o vestido, expulsando uma ou duas folhas que tinham caído por cima dele. Sentiu a presença do rapaz antes de vê-lo.
- Noemi!
Só então ela se virou e ficou frente a frente com ele. Elimeleque estava especialmente bonito naquela tarde. Parecia até um sonho, com o sol iluminando o rosto dele e a campina convidativa por trás. Ele tinha porte de rei - não era à toa que a palavra "rei" fazia parte do seu nome. Ela disse a si mesma para se acalmar, porque não queria fazer nem dizer nenhuma bobagem.
- Shalom, Elimeleque. Pensei que não viesse mais...
Ele sorriu, e ela sentiu as famosas borboletas no estômago.
- Jamais desperdiçaria uma oportunidade pra te ver... Apesar de que não entendo o seu fascínio com este lugar. Acho até que é perigoso você vir sozinha.
O sorriso dela diminuiu um pouco. Ela deu uma olhada discreta na direção da maior rocha do local, onde sabia que Shoshana a esperava, escondida. A própria Shoshana a advertira de que, mesmo que Elimeleque fosse um homem honrado, se outros soubessem dos encontros dos dois, ela ficaria mal falada e não poderia mais se casar com ele - nem com ninguém, na verdade. Era melhor ter uma testemunha confiável que pudesse depor do seu caráter, caso fosse necessário.
- Não acho que os jebuseus viriam até aqui... - Ela tentou disfarçar.
- Talvez não, mas um outro cananeu qualquer, ou até um hebreu mal intencionado, vai saber.
- Aqui é tão bonito... Não gostaria de deixar de vir. Além disso, é o único lugar onde podemos conversar em paz.
- Não será assim por muito tempo. - Ele se aproximou devagar e apoiou as mãos na cintura dela. - Assim que passar o luto do Salmom, vou falar com meu pai para acertar tudo com seu pai para o casamento.
Finalmente! Finalmente a palavra mágica - casamento! Claro, ela sabia. Sempre soube que era questão de tempo. Sempre soube que ele tocaria no assunto, e que ela diria sim, e seu pai também, afinal, Elimeleque era da principal família de Judá, parente do príncipe da tribo mais numerosa de Israel. Quando voltasse para casa com Shoshana, esfregaria a verdade na cara da Lilian!
Ela sorria, radiante, e continuou sorrindo quando ele a beijou, mas um barulho a fez voltar a si e cortar o beijo.
- Que foi isso? - Ele quis saber.
- Ah... Acho melhor a gente ir embora...
Ela não conseguiu ver sua amiga, mas sabia que tinha sido ela. Podia até ver em sua mente a expressão da moça, que mais parecia uma irmã mais velha. Noemi se segurou para não fazer uma careta.
- Acabamos de chegar. - Ele tentou beijá-la outra vez.
- Eu sei, mas... É melhor. Minha mãe deve querer visitar a senhora Raabe. É melhor que eu esteja em casa para ir com ela.
- Ah, sei... - Ele se afastou, fechando a cara. - Você quer ir ver o Boaz...
- Claro que não, Eli! Claro que não! - Ela ficou muito brava.
Outra vez o mesmo barulho, como uma pedra sendo jogada longe. Ela reconheceu o sinal e tentou se recompor.
- Não se trata de eu querer ver o Boaz ou qualquer outra pessoa. Se trata da minha mãe. Ela não sabe que vim aqui. Por isso não posso me demorar, de qualquer jeito. E, já que vamos nos casar, é mais um motivo pra não passarmos muito tempo sozinhos.
Ela tentou soar madura e responsável, e conseguiu o efeito que queria. O rosto de Elimeleque suavizou, e ele estendeu o braço para ela.
- Está bem. Vamos voltar. Eu te acompanho.
- Não precisa. Eu consigo ir sozinha.
Antes que ele pudesse se chatear ou ter qualquer outra reação, ela ficou na ponta dos pés e lhe deu um beijo do lado da boca.
- Nos vemos amanhã?
Ele sorriu antes de fazer que sim com cabeça. Ela saiu em disparada, saltitante, sentindo como se pudesse voar. Diminuiu a velocidade quando se aproximou da pedra que ocultava sua melhor amiga, e, vendo que ele já estava indo embora, a cutucou pra que saíssem dali o mais rápido possível.
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A História de Noemi
SpiritualAcompanhe Noemi e Boaz, da juventude até aos acontecimentos registrados no livro de Rute, na bíblia. OBS: Esteja preparado para vê-los de outro jeito!