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20 anos atrás

Eu acabara de sair das aulas e como todos os dias segui até ao parque das nogueiras.

Nada me dava mais prazer do que ficar ali cerca de uma hora, examinando quem chegava.  Avós e netos, mães e filhos.

Minha mãe já tinha falecido um ano atrás, meu pai nunca conheci e já não tinha minha avó.  Vivia com uma tia materna que não era muito carinhosa comigo.  Eu sentia-me deslocado da família e por isso gostava de ir ali.

Naquele dia não foi diferente, mas aconteceu algo que marcou a minha vida até hoje.

Estava eu sentado num dos bancos, na minha frente uma criança dos seus 5 anos brincava na areia com uma camioneta, e foi então que reparei nela.

Atrás de um arbusto meio escondida, uma menina parecia não querer ser vista.  Vi ela limpar os olhos várias vezes e então soube que chorava.

Resolvi ir ter com ela e quando me viu baixou o rosto e encolheu-se.  Sentei-me ao lado dela no chão.

- Olá. Posso ficar aqui?

Ela encolheu os ombros e não respondeu.  Apenas soluçava de tanto chorar.

- Como te chamas?  És daqui?  Eu nunca te vi no parque.

- Continuou muda.  Parecia ter a mesma idade que eu.  Era magra e os cabelos negros e longos.

Ficámos em silêncio durante um tempo e então eu voltei a perguntar.

- Parece que estás mais calma.  Queres contar-me o que aconteceu?

- Eu fugi de casa e agora não sei para onde vou.

- Porque fugiste?

- Lá ninguém gosta de mim.  O meu padrasto só liga para a filha dele e a minha mãe não se importa comigo.

- Como te chamas?  Quantos anos tens?

- Chamo-me Juliette e tenho 12 anos.

- Olha, eu também tenho 12 anos e também tenho esses problemas.

- A tua mãe não gosta de ti?

- Já não tenho mãe e nunca vi o meu pai.

- E moras com quem?

- Com uma tia que também não me dá carinho.

- E tu aguentas?

- Aguento porque sou criança e preciso de um lugar para viver, mas quando crescer vou arranjar trabalho e depois saio de casa.  Acho que devias pensar o mesmo e voltar para casa antes que dêem pela tua falta.  Onde moras?

- Aqui perto.

- Alguém sabe que fugiste?

- Não.   Eu saí de manhã para a escola e não vou voltar.

Tirei um pacote de bolachas da mochila e estendi para ela.
Limpei-lhe as lágrimas com a ponta dos dedos e ficámos a conversar.   Quando demos conta já escurecia e eu sabia que em casa ia levar um raspanete.

- Anda, vou acompanhar-te a casa.  Eu sempre venho a este parque depois da aulas.  Quando quiseres conversar vem ter comigo.

Ela olhou para mim ainda indecisa e eu fiquei preso naquele olhar.  Não sei explicar, mas ali tinha alguma coisa.

Deixou que eu a acompanhasse e quando chegámos, na despedida deu-me um beijo na face e um abraço.  Ficámos ali abraçados por um tempo até que ela entrou e eu saí dali a correr já prevendo a bronca da minha tia.  Só depois percebi que não lhe tinha dito o meu nome.

Tal e qual.  Minha tia estava furiosa e ainda recebi um tapa.

Nos dias seguintes esperei por ela e ela não mais apareceu.  Passou uma semana e um dia passei no parque, mas não fiquei.  Fui até casa dela.  Pareceu-me vazia.  Perguntei na casa vizinha e soube que tinham partido há uns dias, mas não soube para onde.

Aquele olhar passou a fazer parte das minhas horas solitárias e há medida que crescia mais vontade tinha de encontrá-la de novo.

Hoje quando a vi, o meu coração bateu acelerado, mas por um momento julguei que era imaginação minha.  Poderia estar enganado ou o desejo de encontrá-la me fizesse pensar errado.

- Andreia! Como se chama a designer nova? - perguntei pelo telefone.

- Juliette,  porquê?

- Curiosidade.  Só para saber como a abordar.

Andreia fez cara feia após desligar o telefone.  Nunca vira tal pergunta da parte do chefe.

ELAOnde histórias criam vida. Descubra agora