Dia 5.
Meu lábio está ferido no momento, o mordi com tanta força horas atrás que o sangue escorreu pelo meu queixo, criando um contraste macabro com minha pele pálida. Sera se apressou a limpar toda a bagunça e a escovar meus dentes, como se tentasse restaurar algum tipo de ordem nesse caos que se instalou. É revoltante pensar que tudo isso poderia ter sido evitado se não tivesse sido submetido a uma sequência interminável de choques, apenas para satisfazer a diversão alheia.
Obviamente, não abri a boca para qualquer palavra que não fosse um xingamento furioso, chamando-a de puta, vadia, vagabunda, entre outras variações coloridas que dançavam na ponta da minha língua. Se você não consegue derrotar um Ars Goetia, não tem noção do quão difícil pode ser encarar um anjo de seis asas.
Nos últimos dias, essa tem sido a tônica. Primeiro, Sera desce as escadas com seu sorriso presunçoso, como se estivesse prestes a revelar um segredo sombrio, enquanto segura meu almoço nas mãos. Em seguida, são sempre inevitáveis as perguntas, ou talvez suas provocações não sejam mais do que um jogo psicológico elaborado para me desestabilizar. E, por minha relutância em me abrir, recebo, pelo menos, três tentativas de afogamento em um balde d'água imunda antes que ela decida me preparar como um presente caso Alastor apareça.
O problema realmente é quando Alastor é citado em nossas conversas, a vadia sabe que nossa relação não é apenas carnal, usa disso para ver o ódio transbordar pelos meus olhos.
A porta do bunker se abre rangendo, mas não me dou ao trabalho de olhar; meus olhos vagueiam até se perderem no teto encardido pelo tempo, como se a sujeira e a poeira fossem capazes de me proteger da realidade. Os pés de Sera arrastam-se pelo chão, e logo vejo seu cabelo platinado obscurecendo minha visão. Ela se inclina e deixa uma tigela fumegante de sopa quente em meu colo, um gesto que mistura cuidado e desprezo. Minhas orbes descem lentamente, até que finalmente enxergo a sopa de carne com legumes, um prato que poderia ser confortável se não fosse tão carregado de malícia.
Desconfio que a detetive tenha começado a adicionar algum tipo de sedativo na comida, uma artimanha para garantir que eu permaneça calmo e impotente para reagir às suas ameaças ou torturas.
─ Seria realmente bom se você comesse tudo dessa vez. ─ suas mãos, delicadas mas firmes, seguram as algemas acima da minha cabeça, e, em um gesto calculado, ela retira as chaves do bolso, preparando-se para me libertar. ─ Você sabe quanta comida precisei jogar fora hoje cedo? Você não vai pagar por isso, vai?
Meus braços caem rentes ao corpo, percebendo que Sera não trouxe apenas meu jantar; traiçoeiramente, ela carrega uma pistola de pregos. É provável que este seja seu método escolhido para hoje, me esperando como um destino cruel demais.
─ Seu namorado não apareceu hoje. ─ ela se agacha, seu olhar fixo em mim com uma intensidade quase palpável. ─ Algum dos rapazes deve ter capturado ele na floresta; a cada dia que passa, ele se torna mais descuidado, sabia? ─ a paciência com que ela arruma o pente de pregos na mão é nauseante. ─ Vão trazê-lo cedo ou tarde até aqui, e você sabe bem o que isso significa.
Massageio lentamente meus pulsos machucados, o ferro sempre deixa marcas e cortes. Preciso engolir o amargor em minha boca, decidindo não respondê-la, pois sei que meu coração vai falar mais alto do que minha mente. A sopa ainda permanece em meu colo, mas não é mais apenas um simples prato de comida; é uma oportunidade. Se Sera notar a minha movimentação, o futuro ficará ainda mais ameaçador.
─ Está calado, ou está finalmente pensando em dizer algo? ─ apontando, ela dispara contra a mesa embutida no chão, fazendo-me estremecer brevemente. ─ Esses pregos devem doer bastante.
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BAD THINGS · radioapple
FanficCansado do caos infernal e das obrigações como monarca, Lucifer Morningstar sobe à terra em busca de uma vida pacata. Longe da ex-esposa, ele conhece Alastor Hartfelt, um homem pelo qual o rei se apaixona a primeira vista. O problema? Lucifer não sa...