Todas as noites, o brilho prateado atravessa as cortinas, iluminando os cantos empoeirados desta casa. Eu observo em silêncio, preso a um espaço que já não me pertence. O vento passa, balança as folhas lá fora, mas aqui dentro o tempo parou.
Eu o vejo. Meu corpo, já não sente o calor do mundo, mas ainda carrego a memória dele. A cada dia que passa, ele parece mais distante, o tempo todo, eu estou aqui, observando, tentando ser notado. Mas ele não me vê. Nunca vê.
Às vezes, ele olha para a porta, como se esperasse que eu entrasse por ela. Outras vezes, suspira profundamente, como se o peso do mundo estivesse sobre seus ombros. Eu tento me aproximar, fazer com que ele sinta minha presença. A cortina balança, um livro cai da prateleira. Ele franze a testa, olha ao redor, e por um breve momento, eu acho que ele sabe. Mas o momento passa, e ele volta a ser engolido pela dor.
Em uma dessas noites, ele se sentou no sofá e olhou para a janela, onde a lua derramava sua luz fria. "Eu sinto sua falta", ele murmurou, a voz baixa, quase como um sussurro. Meu coração, se apertou. Eu queria gritar que eu também sentia, que eu estava aqui, sempre estive. Mas as palavras não saíam. Ele pegou uma das nossas fotos e ficou encarando-a por minutos. "Não sei o que fazer sem você".
Eu queria libertá-lo. Queria dizer que estava tudo bem, que ele podia me deixar para trás, que ele podia ser feliz de novo. Mas como? Como posso fazer isso quando tudo o que sinto é essa dor, essa angústia de não ser visto?
Ele se levantou, colocou a foto de volta no lugar e olhou para o relógio. Estava na hora de seguir. Eu o segui até a porta, como sempre fazia, esperando que ele se virasse, que ele me visse. Mas ele não se virou. Ele saiu, e a casa ficou fria novamente.
Eu me sento no chão, a luz da lua agora parece mais pálida, mais distante. Talvez eu esteja desaparecendo. Talvez ele esteja começando a me esquecer. Eu deveria sentir alívio por isso, não deveria? Mas tudo o que sinto é vazio.
E então, em uma noite qualquer, ele não voltou para casa. Eu esperei, como sempre. As horas passaram, o céu clareou, e a casa permaneceu em silêncio. Ele não voltou, e pela primeira vez, o pânico me atingiu. Eu não podia procurá-lo, não podia segui-lo. Estava preso aqui, esperando. Sempre esperando.
No dia seguinte, ele entrou. Mas algo estava diferente. Ele trazia consigo uma caixa. Ele começou a guardar as coisas, nossas coisas. Roupas, fotos, memórias. Eu tentei parar, tentei fazer os objetos se moverem, tentei me fazer presente de alguma forma. Mas ele continuava. Seu rosto estava molhado de lágrimas, mas suas mãos não paravam.
Era o fim. Eu estava desaparecendo, e ele estava deixando para trás o que um dia fomos.
Eu observei, impotente, enquanto ele dobrava cuidadosamente a camisa que um dia usei, a mesma que ele nunca havia conseguido desfazer-se antes. Agora, tudo estava sendo colocado de lado, trancado numa caixa, como se pudesse me trancar lá também.
O silêncio na casa era sufocante. O único som era o raspar do papelão e o ocasional fungar abafado dele. Mas havia algo errado, algo que eu sentia no fundo do que ainda restava de mim. Ele estava se despedindo, mas não era apenas das coisas. Era mais profundo. Eu o conhecia bem demais para não perceber.
Naquela noite, ele fez o que fazia há semanas: saiu. Mas desta vez, algo nele estava diferente. Seus passos eram mais pesados, mais decididos. Eu o segui até a porta e o toquei, desesperado para que ele sentisse algo, qualquer coisa que o fizesse parar. Ele hesitou e ergueu os olhos, como se um arrepio tivesse atravessado o seu corpo, mas ele continuou. Saiu sem olhar para trás.
As horas passaram, e o vazio que ficou dentro da casa parecia mais profundo do que nunca. Eu me senti.... pela primeira vez, verdadeiramente sozinho. O tempo arrastava-se, e ele não voltava. E algo dentro de mim me dizia que ele não voltaria.
E então, no meio da noite, a porta se abriu lentamente.
Ele entrou, mas não da forma que esperava. Seus passos eram lentos, como se estivesse flutuando. O rosto pálido de uma forma quase brutal, bem mais do que o habitual. E em seus olhos... um vazio. Ele caminhou até mim, e dessa vez, eu sabia que ele não estava apenas distraído, não estava perdido em seus pensamentos. Eu estava ali, e ele, finalmente, podia me enxergar.
Meus dedos hesitaram quando estendi a mão, esperando pelo habitual vazio, pelo frio que nunca conseguia ultrapassar. Mas, dessa vez, nossos dedos se tocaram.
O mundo parou naquele momento. O toque dele ainda era quente, mas havia uma tristeza, sufocante. Nossos olhos se encontraram, e foi ali que eu entendi. Toda a angústia que ele carregava, toda a dor, havia sido demais. Ele nunca realmente seguiu em frente. Nunca poderia. A saudade, a solidão, tinham se tornado algo impossível de suportar.
"Você me encontrou", murmurei, mas minha voz era quebrada, um sussurro que quase se perdeu no ar.
Ele apenas me olhou, e segurou minha mão. Eu senti o peso da escolha que ele havia feito, e o aperto se intensificou no meu peito.
Ele havia desistido.
Eu o abracei, sentindo seu corpo familiar, o conforto que ansiava por tanto tempo. Mas não pude ignorar a tristeza insuportável no ar, porque esse encontro só existia no fim de tudo, quando não havia mais volta.
O abraço que finalmente consegui não me trouxe alívio. Apenas luto. Luto pela vida que ele abandonou, pela chance de seguir em frente que ele nunca encontrou. Eu queria dizer que tudo ficaria bem agora, que estaríamos juntos, mas a verdade era amarga: nós dois estávamos presos. Ele havia me encontrado, mas a que custo?
Naquela noite, a lua brilhava, fria e distante, como sempre. Mas agora, nós dois éramos sombras sob sua luz, presos para sempre em uma existência que nunca seria como antes.
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Needle in a haystack (find me) | Especial de halloween
Short StoryTodas as noites, o fantasma de Jisung observa em silêncio o amado que deixou para trás, preso a uma casa onde o tempo parou. Enquanto tenta desesperadamente ser notado, vê Minho se afundar em uma solidão insuportável. Até que uma noite, Minho conseg...