Capítulo 4

4 1 0
                                    

   Observo o relógio em cima da escrivaninha. Os pequenos números em vermelho marcavam 4:21. Não me contenho. Não depois disso. Não depois de ontem. Saio de casa às pressas, sem me dar ao trabalho de calçar sapato algum. 

   Abro a porta da frente, fechando-a assim que eu saí. Faço o mesmo com o portão. Ando o mais depressa que consigo, evitando correr até chegar na cerca da casa ao lado. Torço para que ele não tenha trancado. Agradeço quando vejo o cadeado aberto, apenas prendendo o portão no seu devido lugar. Ando até a casa, só hesitando quando paro em frente à porta. Bato algumas vezes, sem resposta.

  Quase me arrependo ao ver o rosto sonolento e assustado de Miguel me recebendo ao abrir a porta. Quase.

   - O que houve, Anne? - ele pergunta, coçando os olhos e tentando mantê-los abertos. 

   - Aquilo foi uma vontade minha. É uma vontade minha.

   - Do que exatamente você está falando?

   - Estou falando sobre ontem. Eu sinto muito por ter hesitado e não ter te dito ontem mesmo. Mas eu estava tão - ele fala meu nome. - insegura de ter ultrapassado algum limite seu e eu entendo você ter recuado e - ele fala o meu nome novamente.- sinceramente eu não te julgo e espero que saiba que se por acaso quiser esquecer o que aconteceu ontem eu realmente compreendo...

   Ele me encara, um pouco mais acordado do que antes.

   - Terminou? - ele questiona.

   - Sim. - digo, envergonhada. 

   Miguel sai do marco da porta, dando alguns passos e parando bem na minha frente. Seu corpo estava quente. Sua mão repousa do meu rosto, e ele se inclina suavemente, encostando a sua testa na minha.

   - Anne... - ele começa. O interrompo, sem notar.

   - Eu só queria que soubesse que... - ele me beija. Sem aviso algum. Sem rodeios ou introduções. Ele me mantém no lugar, pressionando nossos corpos e deslizando suavemente a sua mão até a minha nuca, me arrancando o chão debaixo dos meus pés. Ele se afasta, me olhando enquanto permaneço em silêncio, quase ofegante.

   - Se eu soubesse que conseguiria te deixar sem palavras com um beijo, teria feito antes. - ele brinca, sorrindo.

   Eu não consigo conter um sorriso, mesmo com as bochechas ardendo. A leveza no ar se mistura à intensidade do momento, e por um instante, tudo o que importa é ele e a confusão deliciosa que se formou na minha mente assim que nossos lábios se tocaram de novo.

   - Como se alguma coisa conseguisse me deixar sem palavras. - retruco.

   Miguel ri, um som que ecoa suavemente pela noite silenciosa. Ele se inclina um pouco mais, como se estivesse querendo me beijar novamente.

   - Onde caralhos estão os seus sapatos? - ele pergunta, notando que meus pés estão perdidos na grama.

   - Ficaram do lado da cama. Na urgência, não me dei ao trabalho de calçá-los.

   - Cacete, Anne... - ele reclama. - Vem, deixa eu pegar um chinelo para você.

   Penso em ficar parada aguardando que ele retorne, mas desconsidero assim que ele entra pela porta. O acompanho de longe, olhando o interior da casa. Apesar do exterior realmente necessitar de uma pintura, o lado de dentro era extremamente aconchegante. Tudo estava devidamente em seu lugar, apesar de vê-lo correr para pegar algumas roupas q estavam dispostas em uma cadeira no canto da sala. Sorri. Era nítido que ele não esperava visita, principalmente agora. O vejo sumir em um dos corredores, mas agora evito segui-lo. Vejo uma parede com algumas fotografias de família, me aproximando devagar para observá-las de perto.

Sangue Sob A LãWhere stories live. Discover now