O cheiro metálico do sangue ainda estava fresco em sua mente, ele conseguia senti-lo nitidamente, era como se ainda estivesse dentro da casa, como se tivesse acabado de chegar na cena do crime, pois a cena havia fixado em sua memória. Era como se seus olhos fossem uma câmera fotográfica e seu cérebro um mural de fotografias e agora todos os momentos felizes e incríveis ao lado de sua amada e de sua filha foram substituídos por aquela cena horripilante e desesperadora. Sentia-se condenado a carregar aquela imagem de seus corpos mutilados pelo resto de sua vida e aquilo lhe era o suficiente para não quere-la mais, era o suficiente para querer sumir.
Ele, então, sentado na parte de trás da ambulância, dirige o seu olhar para a viatura da polícia que estava bem em sua frente, desviando completamente da casa ao lado que estava cheia de policiais. As luzes dançantes e silenciosas das sirenes refletiam em seus olhos, mas mesmo assim ele conseguia enxergar o homem que estava nos bancos de trás daquela viatura. Só então Antônio percebe que o homem, pela grade que o separava dos bancos da frente, o fitava maleficamente, com um sorriso largo e diabólico em seu rosto. Por mais torturante que fosse encarar aquele homem, Antônio não conseguis desviar-lhe o olhar, era como se estivesse hipnotizado e preso dentro daqueles olhos perversos e profundos, que te penetrava junto com um sorriso amarelado e desdentado.
- Antônio! - ele escuta o homem dizer, mesmo que estivesse um pouco distante e preso dentro da viatura. Seus lábios pronunciavam aquela palavra e ecoava dentro da mente perturbada de Antônio.
- ANTÔNIO ACORDA!!
Ele desperta assustado e o rosto de Catarina (sua parceira de trabalho) estava bem em sua frente. Antônio pisca diversas vezes até que seus olhos se acostumem com a claridade do ambiente que o cercava, ainda com os olhos pesados e sonolento.
- Já chegamos? - ele pergunta, bocejando logo em seguida
- Na cidade sim... - Catarina o responde, saindo de dentro do carro, permitindo que Antônio também saia - Bem-vindo à cidade de Ouro Preto.
O olhar de Antônio contempla o lugar onde eles haviam estacionado com o carro. Ao redor deles haviam várias casas geminadas, suas janelas eram grandes e bem esticadas e ao redor delas, ficavam arcos pintados de diversas cores, o que dava um charme extra para a vizinhança. Desviando seu olhar um pouco mais para frente, Antônio conseguia ver uma imensa e velha catedral. Eles haviam estacionado bem na Praça Tiradentes e aquele lugar o fascinava de tão harmonioso.
- Combinamos de nos encontrar com um Padre na igreja da Nossa Senhora do Carmo. - Catarina começa a lhe relatar, enquanto eles se dirigem até a catedral um pouco mais a frente. - Ele vai nos levar até o vilarejo onde tudo aconteceu.
- Só espero que tudo isso não seja uma perda de tempo. - Antônio murmura, mal-humorado e com sono.
- Um morto voltou à vida, Tom. - "Tom" era como Catarina o chamava. - Como isso pode ser perda de tempo?
- As pessoas inventam coisas, Catarina. - ele lhe responde, de maneira ríspida. - Não seria o primeiro trote que recebemos.
- Esse é o seu primeiro trabalho depois de tantos anos. - Catarina e Antônio param logo após subir os degraus, em frente à entrada da igreja - Tenta se animar um pouco, as pessoas daqui precisam de confiança.
Antônio revira os olhos depois do sermão de sua parceira, até iria responder, mas prefere relevar. Diferente dele, Catarina era uma pessoa que acreditava nas pessoas e por mais que a polícia recebesse diversos trotes, ela nunca deixou de ir a fundo em todos os casos em que ela trabalhou. Ela costumava dizer que não podíamos duvidar sempre de alguém, que isso nos coloca dentro de um caixa da qual fica bem difícil de sair depois. Até que se descobrisse se era fato ou não, Catarina entregava tudo de si em tudo o que se propunha. Completamente diferente de Antônio, claro que tinha o adendo de que ele era bem mais experiente do que ela no ramo e ele já havia visto de tudo um pouco nesse mundo. Mas ele já estava trabalhando com Catarina haviam três anos e ambos já presenciaram bastante coisa juntos e mesmo assim ela nunca deixou de acreditar.

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SECO
HorrorApós a perda de sua esposa e sua filha, Antônio acaba se afastando de todos, inclusive de seu trabalho, enfrentando a depressão e o processo do luto ao mesmo tempo. Depois de 2 anos isolado, Antônio volta, aceitando um trabalho peculiar em um vilare...