A Cadeirada Fatal

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Era o fim da linha para Pablo Marcial. As eleições municipais estavam perdidas, mas a longo prazo, representavam apenas o começo para sua vindoura ascensão política, que era o principal. Passara por todos os revezes e desgastes que ser um candidato altamente midiático trazia, poderia agora alçar carreira ao senado federal? Sua trajetória desde atendente de call center, passando por técnico de informática até coach empreendedor da direita reforçava sua grandeza como influencer digital. Apesar dos dissabores da campanha, a única coisa em sua rotina que fugia do banal era seu pensamento no candidato da esquerda que concorria ao segundo turno. Ele mesmo, seu rival.

Passava a mão pela própria barba, assistindo a ele em sua live, com aquele sorriso jovial. Seu coração bater assim, e seu rosto corar, aquilo não era normal. Seria Guilherme Bollos, o comunista radical, o verdadeiro motivo de sua queda? Sua cadeirada mais brutal?

Se perdia naquela reflexão, tal qual Ricardo Lunes, o candidato restante da direita no embate. Não era intencional; foi tudo por conta daquele debate, o da cadeirada derradeira. Verdade, verdadeira, não sabia como aquele sentimento se instaurara, nem seu gatilho inicial. Mas um calafrio e aquele misto de desejo e vergonha o invadiam como um vendaval, só de olhar para o tal.

- Quando voltasse a São Paulo, eu gostaria muito que você apertasse o 50 na urna eleitoral. - Era esse o pedido de Bollos, seu golpe fatal: se antes o chamava de criminoso e bandido, agora, mesmo com o orgulho ferido, sentia ser inevitável não aceitar um convite, assim, tão amável. Pois apesar de ser um sujeito tão insuportável, ele até que lhe parecia bastante confiável, até gostável, num nível além do superficial. Quando lhe dava aquele olhar sensual, tão gostoso de encarar, era como se o despisse e aí o visse, completamente nu. Um arrepio cruzava sua espinha até o meio do seu... orifício mais virginal.

Não, não podia ser que nem seu colega, o Serjão! Outro coach, integral para o bolsonarismo, que passara meses desaparecido para retornar como drag, rendido ao homossexualismo! E ainda por cima, doutrinado por um comunista trans, um anormal! Uma putaria sem igual!

Pois Pablo pensava que nessa vida poderia ser de tudo: um bandido, um assassino, um palhaço, até cabo eleitoral! Tudo menos isso: homossexual!

E por dessa forma pensar foi que mal conseguia falar: - Não te digo meu voto, Bollos, por que é secreto, mas cá entre nós, te dando um percentual: fica 0% de chance, no total.

- É seu direito constitucional.

- Sim, mas e o comunismo, e o PT e o Lula? Quero a prova cabal!

- Tem uma só resposta: todo mundo com oportunidade igual. É o que eu defendo, sem prejuízo intelectual. Porque subir em montanha atrás de coach motivacional, bom, aí a seleção é completamente natural!

Sem graça, procurava a presença de Lunes em seu convite emergencial, mas nem sinal daquele zé mané sem-sal... Estava sozinho com Bollos, o que era quase um terror existencial.

A cadeirada não havia sido apenas um evento conjuntural, mas também transcendental para Marcial: pois nela, descobrira um prazer acidental, no rush de adrenalina em seu sistema nervoso central. Ser ferido e humilhado era excitante, de uma forma paradoxal. Seria essa a programação neurolinguística que faltava em seu córtex cerebral?

Lembrava-se bem daquele dia casual: contornando sua gagueira, Lunes afirmava:

- Na Praça da Sé, as crianças brincam à noite inteira, lá não tem marginal!

- Só se for na sua fantasia, um monte de aparição espectral! - comentou Bollos: - E o apagão em São Paulo, continua usual?

Assim que teve espaço, Marcial atacou os candidatos, como de praxe: Da Pena e Thalita Amaral, qualquer um poderia ser sua vítima preferencial, a depender da ocasião e do momento. E como vingança pelos seus crimes mencionados e listados, tocou até na morte do pai da candidata, sem menor respeito por seu sentimento filial: - Você o deixou para morrer, e fará com São Paulo coisa igual!

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