𝐁𝐈𝐋𝐋𝐈𝐄
A volta ao trabalho sempre parecia um castigo. Eu odiava a ideia de encarar as mesmas pessoas, as mesmas perguntas que nunca significavam nada. Depois de três dias fora, com o atestado médico que consegui mais para fugir do ambiente do que por necessidade real, a ideia de enfrentar as horas sufocantes naquele escritório me fazia querer voltar para a cama.
Mas eu sabia que não podia. Precisava manter as aparências.
O escritório era como uma gaiola pintada de dourado. Moderno o suficiente para parecer acolhedor, mas frio de uma maneira que nenhum sofá de couro ou luminária de designer conseguiria disfarçar. Trabalhar em marketing digital tinha seus atrativos no papel – flexibilidade, criatividade, um ambiente descolado –, mas na prática, era só um monte de pessoas fingindo que o próximo post de Instagram mudaria o mundo.
— O'connell Finalmente de volta!
A voz aguda e exagerada de Katty me recebeu antes mesmo que eu passasse pela porta. Ela era a gerente de projetos, sempre a primeira a perceber quem estava ou não no escritório. Não por preocupação, claro, mas porque adorava manter tudo sob controle.
— Como você está? Melhor?
Eu forcei um sorriso. — Melhor, sim. Obrigada.
Katty parecia satisfeita com minha resposta, mas não o suficiente para não seguir com mais perguntas.
— Foi algo sério? Você parecia tão... cansada na semana passada.
— Foi só um resfriado. Nada grave.
Ela assentiu, mas seus olhos ainda analisavam meu rosto, provavelmente tentando decidir se eu estava sendo honesta. Não que importasse. Ela logo se distraiu com outra coisa, como sempre fazia, e me deixou passar para minha mesa.
Eu me sentei, olhando para a pilha de tarefas que acumulavam na minha ausência. Emails não respondidos, campanhas atrasadas, e um calendário de reuniões que parecia uma punição cruel.
— Você sobreviveu à Katty. – Disse Noel, meu colega de mesa. Ele era o único ali que eu suportava de verdade. Com seu humor seco e sua habilidade de não levar nada a sério, ele tornava os dias um pouco menos insuportáveis.
— Ela é implacável. – Respondi, tirando meu laptop da bolsa.
— Você perdeu o caos que foi segunda-feira! – Ele continuou. — O cliente da Elegance Cosmetics enlouqueceu porque achou que o tom de azul no post do Dia Mundial da Água não era... 'calmante' o suficiente.
— Isso soa... típico.
— Bem-vinda de volta ao circo!
Eu ri baixo, mas o som não era de alegria genuína. Meu trabalho era uma distração, algo para ocupar minha mente enquanto esperava o próximo momento em que pudesse vê-la. Lilith.
Eu não tinha contado a ninguém sobre ela. Não porque não queria, mas porque sabia que ninguém entenderia. Eles ririam, chamariam de obsessão ou diriam que era algo doentio. Talvez fosse, mas isso não mudava o fato de que ela ocupava cada pensamento meu.
~
O dia passou lentamente, como sempre acontecia. Entre reuniões e pequenas discussões sobre design e conteúdo, eu me escondia nos intervalos, bebendo café no canto da sala enquanto tentava controlar minha mente inquieta.
Foi quando a vi.
𝑳𝒊𝒍𝒊𝒕𝒉.
Ela estava lá. No meu escritório.
Por um momento, achei que estava imaginando coisas. Talvez fosse o cansaço, ou talvez a obsessão estivesse finalmente me consumindo. Mas não, era real. Ela estava lá, conversando com Katty.
— Quem é aquela? – Perguntei a Noel, tentando manter minha voz calma enquanto meu coração martelava no peito.
— Ah, ela? Lilith alguma coisa. Cantora. Katty disse que a contrataram para uma campanha nova. Ela é a garota-propaganda do projeto de um dos clientes.
𝐋𝐢𝐥𝐢𝐭𝐡 𝐞𝐫𝐚 𝐚 𝐠𝐚𝐫𝐨𝐭𝐚-𝐩𝐫𝐨𝐩𝐚𝐠𝐚𝐧𝐝𝐚.
Ela estava no meu escritório.
— Você conhece ela? – Noel perguntou, olhando para mim com curiosidade.
— Não... só parece familiar.
Eu me virei antes que ele pudesse continuar me analisando, tentando não parecer tão afetada pela situação.
Lilith parecia completamente à vontade. Ela estava usando uma jaqueta de couro preta, os cabelos curtos bagunçados de forma calculada. A maneira como ela sorria para Katty – um sorriso educado, mas que não chegava aos olhos – me fez perceber o quanto ela sabia controlar a situação ao seu redor.
Mas o que ela estava fazendo aqui?
Eu tentei me concentrar no que estava fazendo, mas meus olhos continuavam sendo puxados na direção dela, como se fossem ímãs.
— Billie!
A voz de Katty me fez pular na cadeira.
— Sim?
— Pode vir aqui por um minuto? Quero te apresentar alguém.
Não.
𝐍𝐚𝐨, 𝐧𝐚𝐨, 𝐧𝐚𝐨. Mas não havia como recusar.
Eu me levantei, tentando parecer despreocupada enquanto me aproximava das duas.
— Esta é Billie. – Disse Katty, sorrindo como se estivesse apresentando algo precioso. — Ela vai ajudar com a parte digital da campanha.
Lilith virou a cabeça na minha direção, e por um segundo, seus olhos se estreitaram.
— Ah, claro! – Ela disse, um sorriso surgindo no canto dos lábios. — Você estava no bar outro dia, não estava?
Katty olhou para mim, surpresa. — Vocês se conhecem?
Eu forcei um sorriso. — Nos vimos brevemente.
— Que coincidência! – Disse Katty, rindo.
— Coincidência ... – Lilith repetiu, sua voz carregada de algo que eu não conseguia identificar.
A interação foi breve, mas intensa. Eu podia sentir o peso do olhar dela, como se estivesse tentando me entender, como se soubesse que havia mais por trás do que eu deixava transparecer.
Quando Katty se afastou para atender uma ligação, Lilith deu um passo na minha direção.
— Então ... – Ela disse, sua voz baixa. — Coincidência?
— Sim. – Respondi rapidamente.
Ela inclinou a cabeça, estudando meu rosto. — Você me segue ou algo assim?