em busca da alma | prólogo

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Uma luz amarela reluzente invadiu o vazio, preenchendo o ar com uma intensidade quase insuportável. Era como se o próprio espaço ao redor pulsasse com vida. Diante dos olhos de Rio, a luz começou a moldar-se, revelando uma silhueta graciosa. Os cabelos longos da mulher brilhavam como fios dourados, fluindo além da cintura, enquanto seus pés pairavam sobre o chão inexistente, sem peso, sem forma definida.

Rio estreitou os olhos, mas a claridade era como fogo, queimando sua íris e forçando-a a cobrir o rosto com as mãos. Mesmo assim, pôde ver, entre os dedos, a figura descendo com uma calma quase cruel, até que sua presença preencheu o lugar com uma paz que Rio abominava.

— Vim em busca da alma... — disse a mulher. Sua voz era doce, mas carregava um peso que Rio conhecia bem. A luz ao seu redor esmaeceu, revelando um rosto gentil e olhos que pareciam conter o próprio cosmos.

Rio afastou as mãos do rosto, seu olhar inflamado de ódio. Cada músculo de seu corpo estava tenso, como uma corda prestes a arrebentar.

— Você não pode levar a alma dela. — As palavras saíram como um rosnado, carregadas de rancor.

A mulher flutuava à sua frente, serena e inabalável. Sua presença cintilante contrastava violentamente com o ambiente sombrio e sem forma, que parecia hesitar entre a existência e o nada.

— Por favor, Rio, não vamos dificultar as coisas. Você sempre soube que a alma dela precisa voltar para a terra.

— Depois de doze mil anos? — A voz de Rio tremeu, uma mistura de incredulidade e raiva. — Por que você ainda quer a alma?

A mulher suspirou, seu semblante inalterado. Ela respondeu com a mesma suavidade de antes:

— Você sabe, Rio...

— Não! — Rio interrompeu, seu grito ecoando pelo vazio, misturando-se ao som distante de algo indefinível. — Você não vai tirá-la de mim de novo.

— Você não tem escolha, minha querida. — A mulher inclinou a cabeça levemente, como uma mãe repreendendo uma criança teimosa. — Você é a Morte. E eu, sou a Vida.

As palavras caíram sobre Rio como uma sentença. Ela abaixou a cabeça, os pensamentos girando descontrolados em busca de uma solução. Mas a verdade era cruel, inescapável: não havia nada que pudesse fazer para impedir o ciclo que governava a existência.

— Onde está a alma dela, Rio? — perguntou a mulher, com uma calma implacável.

Rio demorou a responder, sua voz um fio rouco:

— Eu nunca sei exatamente... — Ela ergueu os olhos por um instante, antes de abaixá-los novamente. — Dei a ela a forma fantasma. Então... Ela vaga por aí.

A mulher esboçou um sorriso, mas não era cruel, apenas triste.

— Que lindo é o amor, não é? — Ela deixou as palavras pairarem, provocando.

Rio a encarou, seus olhos como brasas.

— Eu não a amo, Gaea.

— Não? — O sorriso da mulher se alargou levemente. — Não é o que me parece... Mas isso, agora, não importa. Preciso da alma dela. Traga-a. Ela volta comigo.

— Vai reencarná-la? — Rio avançou um passo, a voz tingida de desespero. — Me diga em quem. Só em quem. Eu... Não quero perdê-la.

— Agora não é a hora, Rio. — A mulher virou o rosto, olhando para o nada com olhos distantes. — Agora não é a hora.

Agatha A Todo CustoOnde histórias criam vida. Descubra agora