A manhã chegou envolta em uma névoa fria, como se refletisse o estado de espírito de Albafica. Era sua folga, mas não parecia importar. Passava das 08:30 quando, com relutância, ele deixou a cama, sentindo o peso das memórias recentes e o silêncio desconfortável do apartamento. Enquanto calçava os chinelos, seus olhos vagaram pelo apartamento silencioso. Não tinha certeza se Minos havia retornado durante a noite; o vazio era quase palpável.
As lembranças da conversa com Radamanthys ainda ecoavam em sua mente, trazendo um incômodo constante, como um peso alojado em seu estômago. "Desligar os aparelhos..." Aquelas palavras haviam ficado gravadas em sua memória, a expressão rígida, misturada a uma dor contida, permanecia viva na memória de Albafica, tornando impossível ignorar a gravidade da decisão. Era um destino que Albafica simplesmente não conseguia aceitar.
Suspirando, ele passou a mão pelos cabelos desalinhados e seguiu até a sala. O silêncio no apartamento o incomodava mais do que gostaria de admitir. Ao passar pela estante, Albafica notou que um dos livros de filosofia estava ligeiramente fora do alinhamento. Ele franziu a testa, aproximando-se para corrigir o objeto.
— Minos? — A voz de Albafica soou baixa, hesitante, ecoando pelo apartamento silencioso. O vazio parecia responder com uma indiferença cruel, amplificando a ausência que ele já sentia.
Albafica suspirou profundamente, sentindo a frustração crescer dentro de si. Sem mais o que fazer, se dirigiu de volta ao banheiro, tentando afastar os pensamentos sombrios que insistiam em lhe rondar.
Para sua felicidade, Kardia e Degel o convidaram para um almoço, e Albafica se viu grato por finalmente ter um tempo livre para aproveitar a companhia dos amigos, embora ainda estivesse relutante em se afastar das preocupações que o afligiam. Não conseguia se lembrar da última vez que havia desfrutado de um momento assim, longe das preocupações e da rotina pesada. Um sorriso genuíno surgiu em seu rosto ao recordar a última vez que saíram juntos, dias antes do encontro arranjado por seu irmão — um encontro que, para sua surpresa, terminou em um grande fiasco, com ele sendo deixado esperando pelo pretendente que jamais apareceu.
A memória, embora embaraçosa, trouxe-lhe um alívio temporário, como se aquele pequeno episódio de sua vida fosse uma lembrança distante, algo irrelevante diante do que se passava agora.
Suspirou, sentindo-se um tanto desmotivado. Embora gostasse de cozinhar, naquela manhã sua vontade de se tornar chef dentro de casa estava longe de ser a maior. O peso das preocupações sobre Minos ainda o acompanhava, tornando qualquer tarefa mais difícil de enfrentar.
Decidiu, então, tentar se entreter com o apartamento. Seus olhos passaram por cada canto, até que pararam no quadro que pintara de Minos. Por um momento, a ideia de pendurá-lo na parede não parecia tão ruim. A imagem que ele havia capturado, talvez sem intenção, refletia um lado de Minos que ele ainda não conseguia deixar ir.
Manteve-se, dedicado a trazer vida para a casa, tal como seu conhecido havia mencionado outrora. A ideia de Minos, com sua visão pragmática, de que o lar deveria refletir presença e calor, ecoou em sua mente. Albafica se moveu pela casa, ajustando pequenos detalhes, como se pudesse, de alguma forma, preencher o vazio que ele sentia
Ao perceber quanto tempo havia se perdido em devaneios, Albafica lançou um olhar rápido ao relógio—o horário combinado para o almoço se aproximava mais rápido do que esperava. Antes de se preparar, decidiu que um banho rápido o ajudaria a organizar os pensamentos. A sensação morna da água contra a pele talvez aliviasse o peso da inquietação que insistia em se acomodar dentro de si.
A água morna escorria por sua pele enquanto o vapor preenchia o banheiro, criando um ambiente abafado, mas curiosamente reconfortante. Ele fechou os olhos por um instante, permitindo-se afundar nos próprios pensamentos. Sua rotina já não era a mesma desde que Minos surgira de maneira tão inusitada, e a tentativa de equilibrar a estranheza daquela convivência com a crescente familiaridade que se instalava tornava-se, a cada dia, mais inevitável.
O som ritmado das gotas d'água contra o azulejo parecia ecoar sua confusão—constante, envolvente, quase hipnótico. E, no fundo, ele sabia: algo entre eles já havia mudado, de um jeito que nem mesmo o fluxo do tempo conseguiria apagar.
Albafica não demorou a terminar o banho, quase esquecendo brevemente da presença de seu peculiar inquilino. Um leve arrepio percorreu sua nuca enquanto desligava o chuveiro, aquela sensação inconfundível que Minos sempre provocava, como se sua presença fosse capaz de tocar um ponto invisível em sua alma. Enrolado na toalha, ele saiu do banheiro ainda distraído, mas foi surpreendido ao abrir a porta e se deparar com o belo juiz sentado em sua cama. Os olhos penetrantes de Minos estavam fixos nele, como se o aguardasse pacientemente. O susto foi tão grande que Albafica não conseguiu evitar um grito abafado, tomado por uma onda repentina de choque.
— Minos! — Albafica exclamou, o coração disparando. Ele deu um passo atrás, quase tropeçando no tapete, a surpresa ainda estampada em seu rosto.
Minos, com seu semblante sereno, pareceu quase divertido com a reação de Albafica, seu sorriso tênue iluminando o ambiente.
— Bom dia, Petit Soil.- a voz suave de Minos ecoou no ambiente, quebrando o silêncio tenso.- Não esperava que minha presença fosse tão impactante.
Albafica se recuperou rapidamente, tentando disfarçar o choque, mas sua expressão ainda traía a surpresa.
— Pelo amor dos deuses, Minos! Precisa mesmo ficar em silêncio assim, feito um fantasma? — exclamou Albafica, indignado, enquanto levava a mão ao peito, numa tentativa de conter o coração que pulsava descontrolado.
Minos esboçou um sorriso irônico, os olhos brilhando com aquele toque característico de sarcasmo enquanto inclinava levemente a cabeça para o lado, como se estivesse se divertindo com a situação.
— Tecnicamente, eu sou um, não é mesmo? — retrucou, a voz carregada de uma suavidade desconcertante que parecia intensificar o desconforto de Albafica.
Ele permaneceu ali, tranquilo, sentado na cama, observando Albafica com um olhar calmo, quase desafiador.
— Aonde vamos hoje, petit Soil? — perguntou Minos,a expressão suavemente esboçada em um sorriso, uma mistura de humor e curiosidade. Parecia ter em mente algum plano, algo que ele próprio se divertia em manter misterioso, deixando Albafica no limbo da dúvida.
Albafica fez uma leve careta ao pegar o roupão, seus dedos apertando o tecido com mais força do que o necessário, tentando evitar os olhares intensos de Minos. O juiz permanecia ali, observando-o com um sorriso discreto, como se cada gesto de Albafica fosse uma dança que ele conhecia bem demais. Uma tensão sutil preenchia o espaço, mas impossível de ignorar. Albafica se encolheu ligeiramente, a sensação de estar sendo observado de maneira tão atenta fazendo seu corpo reagir de forma inesperada, deixando-o inquieto. Minos, com aquele sorriso quase imperceptível nos lábios, parecia estar se divertindo com o desconforto de Albafica.
— Tenho um almoço marcado com os meus amigos para daqui a 30 minutos — respondeu Albafica, tentando se concentrar na simples tarefa de se vestir, como se a normalidade daquela ação pudesse afastar a estranha tensão que pairava no ar.
Minos, no entanto, parecia indiferente a qualquer pressa. Seu sorriso se alargou de forma quase contagiante, e, num movimento ágil, ele se levantou de um salto, claramente animado com a ideia de interromper a rotina de Albafica.
— Ah, é mesmo?- disse com a expressão de surpresa rapidamente substituída por uma empolgação marota. — Em qual restaurante, mon chéri? Se ainda não decidiram, eu conheço alguns lugares ótimos aqui por perto!