CHANYEOL
— Será que você pode olhar pra mim enquanto eu falo com você? – a voz de KyungSoo estava mais grave que o seu tom habitual. Ele estava irritado comigo de novo. E eu não podia realmente culpá-lo. Parcialmente a culpa era dos hormônios da gravidez, mas eu sabia bem que a outra parte era minha. Eu não estava no meu melhor humor naquela semana. E nem nas anteriores para ser muito sincero.
— O que você quer, KyungSoo? – minha voz saiu mais ríspida do que eu havia planejado. Era difícil controlar meu tom de voz quando eu estava quase explodindo por dentro. Tirei os olhos da tela do notebook e o encarei. Ele estava parado na porta do meu escritório com a mão na pequena elevação no ventre. KyungSoo estava em seu terceiro mês de gestação, tínhamos aguardado as 12 primeiras semanas antes de anunciar aos outros membros da alcateia que ele esperava um filhote. Não queríamos arriscar levantar esperanças para o povo e principalmente para o meu pai, visto que KyungSoo havia perdido a última criança que tinha começado a gerar. Isso tinha sido há 7 anos, desde então tentávamos em todos os cios dele e agora parecia que finalmente o nosso bebê viria. Eu queria estar mais feliz com esse acontecimento. Mas ao contrário disso, eu só me sentia incomodado com toda aquela situação.
— Quero saber se você vai estar presente na ultrassonografia de amanhã. – ele respondeu com um suspiro cansado.
— Vou estar lá. – respondi e voltei meus olhos novamente para o notebook. Na tela estavam os quadrinhos cuidadosamente pintados que contavam uma história. Era meu momento de relaxamento e eu odiava quando era interrompido.
KyungSoo logo notou que eu não daria mais nenhum tipo de atenção a ele naquele momento, então saiu do escritório fechando a porta atrás de si. Respirei fundo pelo nariz e soltei pela boca num exercício para acalmar. Era difícil manter meu lobo sob controle, ele sempre emanava para mim toda a raiva que sentia. E ele estava mais furioso a cada dia. O motivo de sua raiva? Eu.
Eu já tinha perdido as contas de quantas vezes eu tinha lido aquele último capítulo. Firefly tinha atualizado a história a algumas horas e eu estava ansioso e instigado para ler o capítulo final que infelizmente demoraria uma quinzena para ser publicado. Esse autor tinha um dom incrível de cativar os sentimentos dos leitores e colocá-los a flor da pele. Normalmente as histórias eram angst, cheias de melancolia e as dores de amores não correspondidos ou desfeitos. Mas os personagens principais sempre conseguiam dar a volta por cima e superar de alguma forma, mesmo que o final nunca fosse realmente feliz.
Era difícil admitir que eu me sentia muitas vezes representado pelos personagens, e ler aquelas histórias eram a minha única maneira de escapar dos deveres e da postura que eu deveria demonstrar em público, já que eu havia destruído meu violão e nunca mais tive vontade de tocar uma única nota. Não depois que ele foi embora. Agora eu era o líder da alcateia e devia ser visto com respeito, não havia lugar para eu demonstrar sentimentos que me enfraqueciam. Eu apenas tinha que seguir em frente, ser um bom líder, e um bom pai. Por mais que essas tarefas fossem extremamente difíceis. Eu estava fadado a viver na amargura das minhas próprias escolhas.
Eu ainda tinha pesadelos com olhos azuis muito expressivos, banhados em lágrimas cristalinas, cheiro de torta de maçã recém assada, um cheiro que ia se tornando amargo e salgado a cada minuto que se passava. As lágrimas dos pequenos olhos claros inundavam todo o ambiente e me afogava. Eu engolia cada gota daquelas lágrimas, deixando o amargor lavar meu paladar e o sal arder minha garganta, como se fosse uma grande ferida em aberto. E quando a respiração parecia ter cessado a tempo suficiente, eu acordava. Sabia que nessa altura do campeonato eu precisaria de uma ajuda profissional, que o que eu estava passando era pesado demais para carregar.
Contudo, a culpa me fazia sentir que merecia me sentir o pior dos piores, porque em toda a minha imbecilidade, eu tinha rejeitado a minha própria alma gêmea. Tudo por que eu não conseguia ser corajoso o suficiente para fazer o que eu realmente queria e enfrentar meu pai. A vida toda eu quis impressioná-lo e meu maior medo era deixá-lo decepcionado. Sou mesmo um covarde de merda.
Fechei o notebook sem muito cuidado e me direcionei para o banheiro onde realizei minha higiene noturna e em seguida me dirigi ao quarto de hóspedes, que hoje em dia só tinha esse título por pura conveniência. Seria mais fácil chamá-lo de meu, já que passei a maior parte do tempo em que moro nessa casa dormindo aqui. Exceto é claro pelos 2 primeiros anos de meu casamento e depois nos cios de KyungSoo, quando tentávamos fazer um herdeiro. Em todas as outras milhares de noites eu dormia sozinho no outro quarto.
Meu violão, em pedaços, estava guardado em uma capa preta de couro e estava acumulando poeira em cima da estante do quarto. Olhei para ele refletindo em como aquilo representava a minha vida. Toda a felicidade que eu tinha e todas as coisas boas sobre mim estavam naquele mesmo estado. Esquecidas, arruinadas e cobertas de poeira, já que eu não remexia ali fazia anos.Refleti por um momento do por que eu guardava aquilo se já estava inutilizável. Provavelmente por apego, ou como um lembrete de mais um dos meus erros. Me deitei na cama, sobre as cobertas escuras. Perdi vários minutos fitando o teto, a lâmpada do quarto estava apagada e a única iluminação vinha do pequeno abajur sobre a mesa de cabeceira, e não soube dizer em qual momento eu tinha pegado no sono.
Acordei pela manhã com o som do despertador do celular. Deslizei o dedo pela tela a fim de encerrar o barulho estridente e iniciei minha rotina. Eu me sentia cansado, os pesadelos não me deixaram dormir bem durante a noite, mas eu tinha muito trabalho a fazer.
Minha manhã foi ocupada no escritório da alcateia, onde organizei os papeis da contabilidade e também li algumas petições e solicitações de moradores. Como líder era meu dever cuidar do bem-estar de todos. Estava distraído com a papelada quando ouvi a voz suave e macia de meu irmão que estava na porta do escritório. Durante a tarde JongIn costumava me ajudar com as burocracias da alcateia, e a noite ele ia para seu pub. Franzi a testa estranhando a presença dele naquele horário e foi quando eu percebi que já eram 15h.
— Você não vai acompanhar KyungSoo na consulta hoje?
— Por Lupa! – me levantei da mesa recolhendo as chaves, o celular e a carteira e as colocando no bolso. – Eu quase me esqueci.
— Percebi. - JongIn soltou uma risada – Se eu fosse você, eu corria, porque seu marido saiu daqui agora mesmo bufando nervosinho.
— Obrigado, Kai! Você cuida das coisas por aqui?
— Claro. E quando terminar aqui entrego a chave para SeHun. Fica tranquilo. Vai lá ver seu bebê. Me mostre a ultrassom depois, quero ver se ele vai ser feio como o pai.
— Ele só seria feio caso fosse filho seu! – respondi à brincadeira no mesmo tom e JongIn soltou uma risadinha debochada. Era típico dele responder assim a uma brincadeira nossa.
Caminhei pela avenida principal, tentando a todo custo encontrar KyungSoo pelo caminho, mas parecia que o ômega tinha criado rodinhas nos pés. O encontrei sentado na recepção do hospital. Ele tinha uma ficha nas mãos e quando me viu soltou uma lufada de ar pela boca de maneira irritada. Tentei não me irritar com isso, mas era um esforço contínuo.
Sentei ao seu lado, e permaneci em silêncio por todo o período que se estendeu. Quando a senha de KyungSoo foi chamada pela médica, seguimos juntos pelo corredor iluminado excessivamente por lâmpadas fluorescentes e entramos em uma sala com cheiro forte de álcool e de produtos químicos para limpeza. A médica guiou KyungSoo até a maca, pediu que ele levantasse a blusa e espalhou sobre sua barriga um gel transparente. Em seguida posicionou o leitor de ultrassonografia sobre o ventre dele, e logo uma imagem distorcida em preto e branco apareceu na tela junto ao som abafado de um coração batendo um pouco mais acelerado que o comum.