Capítulo 160

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Max

Minha mente girava, como se estivesse presa em um redemoinho de desespero. As palavras dela ecoavam como um grito abafado no fundo da minha alma. O que ela estava dizendo parecia impossível. Cruel demais para ser verdade.

Se realmente o aborto não foi espontâneo, o que tinha acontecido? A gravidez já estava tão avançada…

— Como assim? — Minha voz saiu trêmula, quase inaudível, enquanto eu dava um passo à frente, tentando encontrar alguma explicação nos olhos dela.

Mas os olhos da Priscila só devolveram dor. Uma dor tão crua e avassaladora que me deixou sem ar. O silêncio dela foi como um soco, uma pancada que tirava qualquer resquício de chão sob meus pés.

Quando finalmente falou, cada palavra foi uma lâmina afiada rasgando meu peito.

Ela caminhou até o sofá e sentou-se, meio tonta, ao lado do cercadinho onde Nina dormia tranquila, alheia à tempestade que nos envolvia. Priscila fechou os olhos por um momento, como se precisasse reunir forças para continuar. E quando os abriu, sua dor veio direto para mim, como uma avalanche impossível de conter.

— Sua mãe matou nossa filha.

A voz dela foi firme, cortante. Clara. Não houve hesitação.

Meu corpo vacilou. Tudo ao meu redor parecia girar, o mundo fora de foco. Era como se o ar tivesse se tornado pesado demais para respirar. Minhas mãos buscaram apoio na parede, mas nem isso parecia suficiente para me manter de pé.

— Não... Não pode ser... — Balbuciei, minha mente negando com todas as forças a verdade que meu coração começava a aceitar. — Minha mãe? Ela... ela nunca faria isso.

As palavras saíram fracas, desamparadas, como um pedido desesperado para que aquilo fosse mentira. Mas eu sabia. No fundo, sabia que Priscila não mentia.

Eu desabei no chão.

— Ela fez, Max. — A voz dela tremia, mas estava repleta de uma convicção dolorosa. — Você sabe que eu tenho um deslocamento no útero. Não é fácil eu engravidar. Quando descobri, foi uma surpresa, e muito assustada. Eu queria tanto essa nossa filha…

Ela pausou, respirando fundo, tentando controlar o choro que parecia prestes a dominá-la.

— Josefa me acompanhou na maioria das consultas. A gravidez era delicada, mas estava tudo bem… até que comecei a me sentir pior. O médico registrou como aborto não especificado. Mas foi a sua mãe, Max. Ela...

Priscila engasgou nas próprias palavras, e os olhos dela transbordaram lágrimas. Ela tentou limpar o rosto, mas era inútil.

— Ela começou a colocar remédios nos meus alimentos, aos poucos, para causar o aborto. Eu passava mal quase sempre depois de comer, mas achei que era normal, já que a médica tinha me avisado que o final da gravidez poderia ser mais cansativo e cheio de enjoos.

A voz dela falhou, e quando voltou, era um sussurro cheio de dor e rancor.

— Ela assistiu tudo, Max. Assistiu cada momento do meu sofrimento. E não fez nada além de esperar. Esperar que a nossa filha morresse.

Meu coração parou. A realidade que ela descrevia era insuportável. Como isso era possível? Por quê?

— Por que você nunca me disse nada? — perguntei, quase em desespero, minha voz embargada.

Ela soltou uma risada amarga, carregada de uma dor que parecia infinita.

— Porque você não estava aqui, Max! — gritou, a voz rasgando o ar como um trovão. — Como eu ia te contar isso por uma ligação?

          

Eu engoli em seco. Não havia como rebater aquela verdade. Eu tinha ido fazer o pós graduação que os meus pais me infernizaram para fazer.

— Eu sabia que algo estava errado... — murmurei, lembrando das videochamadas. — Você estava tão feliz, a gente conversava todos os dias, aí você parou de me atender, e quando eu votei você era outra pessoa comigo uma mulher fria, que nem parecia ter um coração.

— Porque eu morri, Max! — A voz dela quebrou, carregada de lágrimas que escorriam sem controle.

A Nina começou a reclamar e a Priscila pegou ela no colo a apertando  contra o peito, como se a filha fosse a única coisa que a mantinha de pé.

— Quando perdi a Mavie, perdi tudo o que eu era.

Meu coração parecia ser esmagado por cada palavra dela.

— Eu... — tentei, mas as palavras não vinham.

Ela me olhou, os olhos brilhando com uma acusação que eu não podia negar.

— Você sabia, não sabia? — O tom dela era um fio de voz, mas a emoção por trás dele era devastadora. — No fundo, você sempre soube que algo estava errado. Mas preferiu fingir que estava tudo bem.

Eu desviei o olhar. Não podia encarar aquilo. Não podia encarar a mim mesmo.

— Eu te mandei embora, Max, porque não podia carregar a sua dor junto com a minha.

Aquelas palavras me rasgaram por dentro. A verdade delas era um golpe do qual eu sabia que nunca me recuperaria.

Ela virou o rosto, as lágrimas caindo silenciosas agora, e se perdeu em um carinho distraído nos cabelos de Nina. Eu fiquei ali, sentado no chão, encarando o vazio. Tentando assimilar tudo.

O silêncio entre nós era tão denso que parecia ter peso. Nada que eu dissesse consertaria o passado. Não havia desculpas, justificativas ou palavras mágicas que amenizassem a dor dela — ou a minha.

Tudo o que restava agora era o peso insuportável dessa verdade. Uma dor que eu sabia que carregaria pelo resto da minha vida.

Ajoelhei-me na frente dela, minha visão borrada pelas lágrimas.

— Eu teria largado tudo, Priscila. Eu teria voltado para você, para a nossa filha.

— E você teria largado tudo por uma luta que não podia vencer. Contra a sua própria mãe.

As palavras dela me acertaram como uma martelada. Minha mãe... A mulher que me criou... como ela poderia ter feito isso?

— Ela não tinha o direito! — explodi, sentindo a raiva crescer dentro de mim.

O choro de Nina interrompeu minha revolta, e Priscila a acalmou, balançando-a nos braços antes de, finalmente, entregá-la para mim.

— Me dá minha filha — pedi, sentindo uma necessidade incontrolável de segurá-la.

Nina encaixou-se no meu ombro como se aquele fosse o lugar mais seguro do mundo, e, por um momento, meu coração se apertou.

— O papai te ama muito, minha princesa — sussurrei, minhas lágrimas caindo enquanto a embalava.

Olhei para Priscila, e, apesar de tudo, percebi o quanto ela estava ferida. Mas eu não podia deixar isso assim.

— Ela vai pagar pelo que fez com a gente.

Ela balançou a cabeça, exausta.

— Max, ela é sua mãe... Você não pode...

— Ela deixou de ser minha mãe no momento em que destruiu a nossa família.

O babá Where stories live. Discover now