2437 anos

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– Uma dose de tequila, por favor, cubra com cerveja e um toque de pimenta.

O homem gordinho no balcão olhava desconfiado. Era algo comum naqueles dias, estar desconfiado. Ainda mais quando entra um homem pálido com aparência cadavérica em seu bar e, impossível não notar, sua altura.

– Bom homem – a criatura fantasmagórica voltou a falar – só quero uma bebida e vou embora.

– Claro, mas sem pressa. O bar não fecha nos fins de semana – disse o barman, adotando os bons modos e perdendo o olhar surpreso graças à voz do ser em seu bar.

O homem deu alguns goles e tirou o capuz revelando um rosto mais novo que o esperado pelo barman, embora com barba longa e cabelo amarrado mais longo ainda, parecia um jovem nos seus 25 anos.

– Por favor, mais uma.

– Certo.

A bebida chegou e, quando a criatura levou o braço até o copo, o barman pôde notar cortes horrendos na pele daquela coisa, todas recentes, como se fossem de alguns minutos atrás.

– O que houve, pelos deuses?! – disse o barman.

– Ah, meu bom homem, não faça perguntas. Eu só vim aqui para beber e tentar perder o sentido um pouco. Não faça perguntas incômodas ao seu freguês – disse a coisa de pele pálida, mantendo uma postura relaxada.

– Mas, senhor, isso claramente precisa de cuidados médicos! – o barman disse enquanto ia em direção ao telefone.

A coisa, até então imóvel, se levantou e segurou o homem pelo braço:

– Olhe, amigo, – a criatura levantou as mangas do sobretudo – não tem nada aqui. Você deve ter visto errado, as luzes de neon aqui podem enganar.

– Ma... mas eu poderia jurar qu...

– Não faça juras, caro amigo. Você sabia o quanto o olho engana quem o usa? – disse cortando-o e sentando-se de volta – na verdade, pode ser simples de entender: a luz refletida pelos objetos atravessa a córnea, a pupila, o cristalino e chega à retina, onde células especializadas codificam a imagem e o nervo óptico leva o estímulo para o cérebro.

O barman continuou olhando para os braços peludos daquela coisa pálida sem nenhum resquício de ferida e se atentou a ouvi-lo.

– Essencialmente, a luz quando chega na retina estimula células especializadas, os fotorreceptores, em converter o impulso luminoso em estímulo elétrico. Existem 2 tipos: os cones, especializados em visão colorida e de detalhes, localizados especialmente na região central e os bastonetes, especializados na visão noturna, que se localizam na periferia da retina. O estimulo elétrico decodificado pelas células da retina e conduzido para o cérebro que interpreta as informações. Então trata-se, basicamente, de informação traduzida para o cérebro, o que faz o cérebro adaptar a imagem da forma que ele acha necessária. Vultos se explicam basicamente assim, o cérebro sempre quer completar a informação. Tudo que enxergamos é inventado e irreal.

O barman, agora mais pálido que a coisa, estava a olhando com surpresa. Não era mais um homem com mistérios, mas um papagaio, um professor, um filósofo... sim, um filósofo! – pensou o barman.

– Então entenda, amigo, o que os olhos veem não pode ser dado como verdade.

– Você quer dizer – disse enfim o barman, perdendo o receio – que não vemos o mundo? Quando o senhor coloca dessa forma, é possível, ao menos, termos certeza se algo é real? Tudo é informação do cérebro?

Uma faísca leve surgiu nos olhos da coisa.

Thánatos: Uma História EternaWhere stories live. Discover now