Capítulo 1: Sem chão

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Eu só conseguia chorar. Receber a notícia da morte dos meus pais, era como levar uma facada após a outra no peito. Uma facada de angústia, de sofrimento, de perda... Eu estava sem chão.
Minha tia Evelyn, me abraçava e fazia cafuné no meu cabelo, com o propósito de tentar me acalmar. Mal sabe ela que a tentativa foi em vão.
Minha dor era maior ainda por que eu era muito apegada aos meus pais. Éramos aquela família que se reunia na hora do café da manhã, do almoço e do jantar, aquela que se juntava no domingo para assistir um filme no sofá, aquela que viajava todo feriado em busca de sossego e de harmonia. Aquela era a família perfeita.

Acordei e ainda estava tudo escuro. Naquela semana eu ainda não havia conseguido ter uma noite inteira de sono. Olhei no relógio e eram ainda quatro e meia da manhã. Levantei, coloquei um jeans e uma regata preta, desci descalça para a cozinha, preparei um copo de Nescau e fiz algumas torradas.
Me sentei e olhei para as duas cadeiras ao meu lado. Para mim era estranho, sempre entrávamos juntos. Esperávamos todos se sentarem para comer, fazíamos uma pequena oração e nos servíamos. Tudo agora não passaria de uma lembrança. Coloquei o copo e o pratinho na pia e fui para a sala. Me sentei no sofá, e fiquei observando o nada. O cômodo estava todo escuro, ainda não estava pronta para ver a luz.
- Elena?
Não respondi, continuei fitando o escuro.
- Elena, meu amor, o que você está fazendo acordada a essa hora? Volta pra cama, vem. - Minha tia agora estava de frente pra mim.
- Não estou com sono. - Digo sem olhar em seus olhos, e logo percebo o quão minha voz estava rouca, e irreconhecível.
- Querida, você precisa dormir, acha que passar a noite em claro vai te ajudar? Vem, eu te levo.
- Tia, por favor... me deixa aqui, eu... eu preciso de um tempo sozinha, não quero dormir. Dormir me faz ter pesadelos, um pesadelo que é difícil de acordar.
Ela respirou fundo e assentiu.
Não perguntei o que ela veio fazer aqui em baixo a essa hora, mas logo obtive uma resposta quando viro a cabeça e olho ela indo em direção ao banheiro.

O relógio de parede batia 9h46min. Minha tia estava tomando café, em silêncio, eu permaneci intacta.
- Elena, precisamos conversar.
Não respondi.
- Elena, olhe para mim enquanto eu estiver falando com você, por favor.
Virei a cabeça devagar, como aqueles monstros em filmes de terror.
- Você está faltando as aulas desde aquele dia, sei que é difícil para você, mas se continuar assim, você irá repetir, e isso iria atrapalhar bastante. Você estava indo tão bem... sei que é uma notícia terrível e devastadora para qualquer pessoa, mas você não sai de casa mais, não fala nem uma palavra, só come uma vez por dia, eu estou ficando preocupada. Seu caso depressivo está me assustando.
- Tirou essas conclusões sozinhas? - Perguntei abaixando os olhos.
- Qualquer um pode perceber isso. Mas, sim, foi só eu, já que ninguém vem mais aqui em casa. Você nega todas as visitas, seus amigos querem te ver, e você simplesmente os ignora. Você não me deu outra escolha, Elena.
- O que quer dizer? - Perguntei olhando para ela novamente.
- Eu te matriculei em um colégio interno. Sei que um orfanato seria pior, não confio muito naquelas pessoas, e não quero você com outra família, então eu resolvi que um colégio interno seria melhor.
- Como melhor? - Perguntei me levantando num sobressalto, acabei ficando meio zonza pelo modo rápido que me levantei, minha tia logo estendeu a mão, e eu a ignorei, me apoiando na parede.
- Eu achei que lá você poderia começar uma vida nova, e...
- COMO PODE ACHAR QUE EU VOU COMEÇAR UMA VIDA NOVA ME INTERNANDO EM UM COLÉGIO? MINHA VIDA NUNCA VAI MUDAR! EU SEMPRE VOU SER UMA ÓRFÃ PERDIDA, COM UMA TIA QUE NÃO ME QUER. - Berrei, começando a chorar.
- Epa! Eu não disse que não te queria, Elena. Pelo contrário! Eu estou cuidando de você a semana inteira. Você sabe muito bem que eu não tenho condição de cuidar nem de mim mesma, quanto mais de nós duas. Acha que eu te mandaria para um orfanato? Eu procurei uma escola decente, e vou pagar com o dinheiro que restou dos seus pais esse colégio, para que você não fique sem onde morar.
- Você poderia usar esse dinheiro para nós duas, poderíamos morar aqui, poderíamos ser eu e você. Mas não, quer me mandar pra um colégio no qual eu vou morar até meu último ano no colegial.
- Elena, seus pais estão individados. O dinheiro deles acabará antes de você acabar o seu colegial, e quando acabar, você terá que fazer uma prova, para continuar.
- Podia ter pelo menos me consultado. Ver se eu queria ir mesmo para esse colégio. Mas não...
- Você não tem escolha, Elena. E eu não vou mandar você para um orfanato. Pelo menos nesse colégio eu vou ter notícias suas.
Não quis ouvir mais nada e saí em direção ao meu quarto. Me tranquei e fiquei lá pelo resto do dia.

Acordei com batidas na porta.
- Elena, por favor, abre a porta. - Evelyn insiste.
- Me deixa em paz. - Digo, irritada já.
Ela não fala mais nada. Deve ter ido embora. Ótimo.
Passei o resto do dia no quarto. Tive que levantar para ir ao banheiro. Que droga!
Abro a porta e vejo um copo de leite com pratinho de biscoitos do lado.
- Fala sério. - Digo passando por cima do lanche.
Vou ao banheiro olhando para os lados a procura da minha tia, ela não estava mais lá.
Volto para o meu quarto pegando o pratinho e o copo. Enquanto como, vejo um papel entre os biscoitos ali. Desdobrei, e comecei a ler.

Elena, eu te peço, te imploro, vá para o colégio, ele é seu novo lar agora. Tive que sair urgente daí, por que tive uns problemas aqui em casa. Nada com o que se preocupar. Arrume as malas, irão te buscar aí em casa amanhã. Não se preocupe em relação ao endereço, eles que irão te levar.

Eu não acredito, se ela teve que sair urgente, como ela teve tempo de escrever uma carta? Isso está bastante estranho. Decidi depois de algumas horas que seria melhor eu ir para esse colégio. Queria sair dessa casa, as lembranças estavam me matando.
Comecei a fazer as malas, coloquei todas as minhas roupas, já que ia morar lá. Acabei que fiquei com três malas, e duas necessaires.
Peguei um porta-retrato em que estava eu e meus pais, sentados na areia da praia.
Saudades. Pensei.
Coloquei o porta-retrato na mala também e me deitei. Enquanto pensava no que minha vida se transformaria indo para esse colégio, eu adormeci.
Minha primeira boa noite de sono.
Olhei no relógio e eram 10h48.
Fiz minhas higienes e desci para tomar um café.
A campainha toca.
- Posso ajudar? Digo para dois homens de roupa social, preta parados na minha porta.
- Elena Castro? - Diz um deles.
- Eu mesma.
- Viemos buscá-la. Suponho que alguém tenha lhe informado sobre a nossa vinda.
- Sim. Eu já vou, deixa só eu pegar minhas malas.
Saí em direção ao quarto e busquei elas, com a maior dificuldade.
- Com licença. - Disse um deles entrando e pegando as três malas e me deixando só com a necessaire.
- Hã... obrigada.
Entrei no carro e aguardei o fim viagem em silêncio.

Acordo com batidas no vidro.
Um dos caras que vieram me buscar abre a porta.
O colégio era enorme, a cor de um azul escuro, com detalhes cinzas.
Segui pelo jardim, com os dois caras de preto ao meu lado.
Passamos pelo enorme saguão, pelo refeitório e alguns corredores com várias portas que indicavam ser os quartos dos alunos.
Paramos de frente a uma porta, com uma plaquinha em cima que estava escrito Secretaria.
Adentramos a sala.
- Posso ajudar, querida? - Diz uma mulher alta, roupa formalmente elegante, com cabelos ruivos e presos em um coque. Ela olhou para as malas e sorriu. - Ah! Você é a aluna nova. Elena Castro, correto?
Balancei a cabeça em afirmativo.
- Podem levar as malas dela ao quarto 356. - Ela disse se referindo aos dois homens.
Eles assentiram e saíram do cômodo. Me deixando a sós com aquela mulher que pelos meus conhecimentos, deveria ser a diretora.
- Sente-se, querida.
Obdecei.
- Sou a diretora Sarah. Pois bem, Evelyn me disse que viria, e explicou tudo. Sinto muito pelos seus pais.
- Não sinta. - Respondi no automático.
- Mas enfim, ela me disse sobre as dificuldades financeiras de seus pais, e eu permiti que você fizesse uma prova, caso Evelyn não tivesse mais condições de pagar a escola.
- Ela já me explicou tudo. - Digo mexendo em uma joaninha de plástico que tinha em cima de sua mesa.
- Tudo bem. Deixa eu explicar as regras agora. Você deve acordar no horário certo, não será permitido atrasos, há não ser que tenha acontecido um problema sério que tenha resultado no mesmo. Não é permitido brigas aqui. Você deverá usar o uniforme em horário de aula. Depois disso, não terá problema usar suas roupas normais. A escola oferece uma sala de jogos, para a diversão do aluno, uma enfermaria, caso não esteja se sentindo bem, um espaçoso refeitório para todos se aconchegarem, com todos os tipos de comida, da mais saudável até as besteirinhas que vocês comem. Será perdoada a falta nas aulas de educação física quando estiver em seus dias. A escola tenta se manter confortável o bastante para o aluno. Espero que você goste daqui.
- Obrigada pelas informações.
- Aqui, vou entregar o seu uniforme. - Ela disse se levantando e indo em direção a uma gaveta. - Seu tamanho é?
- P.
- Aqui está. - Ela fechou a gaveta e me entregou um saco transparente.
- Obrigada.
- Seu quarto é no terceiro andar, número 356. Suas malas já estão lá. E sua companheira de quarto também. Sua aula começa amanhã. Toma o horário. - Ela disse me entregando um papel de tamanho médio.
- Obrigada. - Disse, saindo de sua sala e indo em direção ao terceiro andar.

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