Quando Heróis se Ferem

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ATENÇÃO: Os eventos citados neste capítulo aconteceram paralelamente aos acontecimentos do capitulo anterior, até a chegada dos gêmeos ao hospital.

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Habituado a estar de pé junto aos primeiros raios de sol da manhã, Keith Wilson costumava se levantar muito antes de seus sobrinhos saírem para a faculdade. Naquele dia, no entanto, ele caminhava apressado pelos corredores, irritado por ter dormido mais do que o normal. Culpava as malditas pilulas. Ao apertar um pouco mais o passo, ele sentiu as costelas reclamarem. Xingando baixinho no corredor vazio, ele entrou no elevador segundos antes de a porta se fechar. 

"Oh, mamãe, o moço falou uma palavra feia." A criança que ele nem se quer havia tido tempo de notar disse assim que ouviu o resmungo de frustração vindo dele. Summer sentiu todo ar lhe abandonar os pulmões e de repente, ela teve dificuldades em respirar. Se obrigando a mostrar uma falsa calma, ela direcionou um sorriso fraco ao terceiro ocupante do elevador. 

"Desculpe." Ela disse simples e ele apenas arqueou uma sobrancelha em resposta. Direcionando rapidamente o olhar à criança, ele assentiu na direção dela.

"Eu é quem peço perdão. Este tipo de vocabulário realmente não é apropriado na presença de damas tão delicadas." Ele disse com uma face séria, mas um floreio exagerado empregado às palavras, mostrava a intenção dele de divertir a criança. 

"Você é um príncipe, moço?"A criança perguntou abruptamente em meio as risadinhas causadas pela reposta dele. Keith não conseguiu esconder a surpresa que a pergunta o causou. 

"Por que acha isso, senhorita?" Ele perguntou com a mesma postura séria. Julliet pareceu o observar seriamente por alguns segundos até que ela voltou a se pronunciar.

"Cê' fala que nem um príncipe." Ela disse assentindo para si mesma como se para confirmar sua própria teoria.

"A senhorita costuma ter contato com a realeza, então? Sabe bem como príncipes se pronunciam?" Ele não sabia por que, mas manter um diálogo com a pequena criança não lhe era incomodo. Julliet riu alto da pergunta dele, colocando as mãos sobre a boca como se quisesse abafar o som da risada. 

"Não seja bobo." Ela disse ainda entre risinhos. "Eu só conheço o príncipe Eric, cê' sabe, o namorado da Ariel." Ela disse e ele demorou alguns segundos para entender que a garota se referia a um conto de fadas. "Tem também o Adam, mas só a Belle acha que ele é príncipe. Ele faz careta assim, o tempo todo, oh..." Ela terminou a frase juntando as sobrancelhas e franzido a testa de forma a imitar uma carranca zangada. Keith franziu a testa copiando o gesto da menina.

De repente, Julliet o encarou de olhos arregalados e pôs novamente uma pequenina mão sobre a boca, enquanto puxava a barra do vestido da mãe e apontava na direção dele. 

"Olha, mamãe, ele faz igual." Ela disse e aos poucos seu tom de voz foi ficando mais baixo, como se ela sussurrasse para evitar que ele ouvisse um segredo. "Será que ele é o príncipe Adam depois que a Belle beijou ele?

"Julliet, eu não acho que..." Mas Julliet não a deixou terminar. O elevador havia chegado ao térreo e os três saíram juntos. 

"Eu já sei. O senhor tá' disfarçado para ninguém notar que você é príncipe." Ela disse e Keith continuou a encarando. Ele queria dizer a ela que ser um príncipe era a ultima de suas qualidades. Mas vendo o brilho de excitação nos olhos azuis da criança, ele apenas sorriu.

"Acho que meu disfarce não está funcionando muito bem, não é, bela dama?" Ele disse e Julliet deu pulinhos de alegria enquanto sorria. 

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"Eu sabia mamãe, viu?! E a senhora dizendo que príncipes só existem nos contos de fada." Julliet disse e Summer fez uma careta discreta ao ver a forma como Keith a encarava. Confie na criança para dizer a todos o quão cética ela é. Sem perceber, eles continuavam caminhando lado a lado pelas calçadas da rua que ficava em frente ao prédio onde moravam. Meio minuto depois da grande descoberta de Julliet, ela já tinha mais mil perguntas para fazer a ele. 

"Cadê o seu cavalo branco?" Ela perguntou e ele teria se forçado a responder, caso ele tivesse tido a chance. De repente, uma sirene alta soou e o barulho acompanhado de buzinas foi ficando mais alto. Mais próximo. Keith Wilson atribuiria a ao seu treinamento de anos a velocidade com que ele agiu. Uma motocicleta veio correndo pela contra mão, forçando vários carros a se desviar dela. Um carro colidiu com um poste, um segundo, atingiu o semáforo. O terceiro carro chamou sua atenção assim que mudou o seu curso, e em poucos segundos, subiu na calçada onde eles estavam. Pessoas correram, uma senhora caiu esbarrando em uma vitrine e alguém gritou quando o carro ainda tomado pela aceleração, continuou seu percurso. Keith empurrou Summer com toda a força que possuía a tirando do caminho de destruição que o carro vinha fazendo, mas o susto a fez soltar da mão de Julliet, que parada, apenas esperou que o carro chegasse até ela. Ele viu a criança o encarar com lágrimas de puro pavor nos olhos que antes brilhavam de alegria. Sem pensar nas consequências, ele se colocou diretamente na rota de colisão com o veículo e sem tempo para tirar a criança do caminho, ele apenas a tomou nos braços, envolvendo seu pequeno corpo de forma protetora, e virando as costas para o veiculo que estava agora a menos de cinco segundos de distância, ele esperou pelo impacto.

Tendo sido arremessado por alguns poucos metros, Keith apoiou os braços no chão quando caiu, livrando Julliet de um encontro direto com o cimento da calçada. A dor fora menor do que ele esperava. O motorista havia finalmente conseguido pisar no freio por tempo o suficiente para quebrar a aceleração do carro. Pessoas gritavam e mais sirenes soaram. Ele se deixou virar e deitou com as costas apoiadas no chão, mantendo Julliet em seu peito. A garotinha agora chorava descontroladamente e ele sentiu ela apertar as pequenas mãos no pano de sua camisa, se recusando a aceitar o consolo dos estranhos que se os rodeavam. 

"Julliet!" Summer gritou e se aproximou a passos rápidos dos dois. A dor em seu pé esquerdo era imensa devido à queda ao ser empurrada, mas a adrenalina a fez ignorar a dor. Deitado no chão, sem conseguir conter sofridos gemidos de dor estava Keith Wilson, o estranho tio dos gêmeos Jones, que a fazia ter ataques de panico. Nos braços dele, Julliet chorava, se recusando a se separar daquele que havia arriscado a própria vida para salvá-la. 

"Julliet, meu amor, mamãe está aqui." Summer disse quando a multidão finalmente deu espaço para ela se aproximar. "Vem com a mamãe, amor, vem."

Julliet levantou os olhos marejados e encarou a mãe por alguns segundos, antes de estender uma mãozinha suja de um sangue que Summer sabia não pertencer a ela. Sua filha estava intacta, segurando firme naquele que sangrava pelos machucados que sem dúvidas teriam levado a vida dela. Segurando na mão da filha, Summer se sentou para esperar pela ambulância que logo viria. Com lágrimas escorrendo no rosto, ela sussurrou repetidas vezes a palavra que ela sabia não significar muito, mas que era a única presente em sua mente naquele momento. 

"Obrigada." Keith ouviu a mulher sentada ao seu lado dizer repetidas vezes, com uma mão apoiada em seu ombro e a outra, segurando a mão livre de Julliet, até que um paramédico chegou. Ao notar que a criança em seus braços estava a salvo, ele se deixou fechar os olhos, só por um instante. Julliet ainda chorava por estar sendo levada para longe dele, Summer chorava pelo desespero da filha, e Keith Wilson apenas suspirou. Era bom poder fechar os olhos. 

Perception (Real #1)Onde histórias criam vida. Descubra agora