Traças

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Há dias em que chego moribundo a casa...

Sinto-me corroído, a minha alma roída por mil traças invisíveis. Espírito abatido, corpo abalado, feições cansadas. O sol queima-me a pele, a calçada é dura, o calcário parece aguçado, abafado pelas imensas casas, na minha caminhada diária, regular...

Quando chego às escadas do meu prédio, quase que rastejo pelas escadas frias de mármore, vítima da tortura surda diurna, avassaladora. Entro no meu apartamento e deito-me na minha cama dura...

Não sei o que me cansa mais: se é o dia quente, que nos tira a alma, se são essas mil traças que me roem até ao tutano, se são as caras fechadas das gentes que palmilham as ruas. Caras levadas de intrigas, caras levadas de maldade, caras levadas de sofridão, caras que esquecem a vida para se concentrarem na morte, apenas. Entristece-me essas geladas faces. Mas aterroriza-me que a minha seja uma delas...

O que resta às pessoas? A crise, a morte, a tristeza amargurada, cativa no peito. Maldita invenção, a morte... Maldita a vida tão curta para os desejos dos Homens... Todavia, porque não pensam elas em coisas felizes? Porque não pensam no rio, tão ao pé de nós, lambendo-nos os pés? Porque não pensam no sol que nunca cessa, mantendo-se firme, a favor da luz? Porque não pensam eles que respiram, que andam,que vivem?

Porque a felicidade é tão mais complexa que a tristeza amarga?

Tenho de mergulhar em algo que tape as covas do meu peito, vítimas das mil traças invisíveis, vítimas da frieza da gente.

Mergulho em estórias diversas, tão profundas, tão desconhecidas, julgando-se amadoras, mas tão úteis para sonhar... Sou engolido por essas estórias, bom refúgio! Engolido pelo Wattpad...
Escrevo, leio, conheço pessoas novas. Pessoas como eu, roídas até à alma, outras felizes, fazendo divertimento as tão diversas histórias...

Conheço personagens corajosos, habitantes de Fantasias esplendorosas. Revejo os tão amados ídolos, apaixonando-se por personagens tristes ou batalhadoras. Mundos diversos, coexistindo em harmonia; um rio enorme correndo em todas as páginas...

Verdadeiras aventuras neste mundo fantástico... Vilões imensos também há... Pessoas que copiam esses mundos fantásticos, copiando cada letra, ou fazendo uma reles réplica. Adicionam pessoas para depois descartarem-nas. Fingem que são críticos para humilhar alguém numa história. Não entendem a felicidade de escrever e ler. Pensam que o Wattpad é formado por incivilizados.

Porém não o destroem. Porque é preciso muito mais para abater essa multidão de gente que todos os dias se preocupa com o seu mundo, com as pessoas que criou, que se mobiliza a preservar os outros universos. É um mudo cheio de risos... Enquanto uns vivem roidos por traças, sentindo os buracos no espírito, pessoas tampam-nos ou não deixam que nenhuma maldita traça roa o seu corpo são. É a minha fábrica de sonhos...

Emirjo desse universo completo, saiu dele. Uma tristeza temporária. Adormeço... E os meus sonhos já são formados...

Num embalar de uma vez de uma sereia navego, sob um mar vasto, imenso. Mar azul, mais profundo que o próprio céu limpo. Um alaranjado invade esse azul profundo, provindo do sol. Nas bermas desse mar, uma praia quente, onde pequenos seres aquecem os corpos frágeis, de cristal. Sou levado nesse mar adentro, conduzido por imensos peixes para uma história qualquer, um lugar nenhum. A paisagem após a viagem varia todas as noites, dependente das estrelas que escoltam o meu corpo, enquanto a minha alma navega. Um árido deserto, com um sábio velho para me contar um conto breve, levado pelo sono. Um relvado infinito, cheio de crianças, caçando borboletas de mil cores. Um bosque formado por rouxinois, que voam por entre mil amendoeiras florindo em flores rosa, imaculadas...
Sempre um sorriso no rosto. Um único sorriso para imensos lugares! Graças àquelas histórias, tão belas! Tão profundas... Tão em perigo porém tão protegidas. Faço a jornada de regresso, vou no meu frágil veleiro penetrando o mar. No caminho de regresso, a jornada é fria. Os peixes são tristes. Nuvens cercam o céu. Tubarões rodeando o meu barco...

Até que os peixes ganham asas e se transformam em traças, os tubarões saltam e o meu barco encalha com uma pedra gelada, gelada pela noite sem luar e estrelas, surgida entretanto...

Deparo-me desperto, escorrendo pingos sa minha testa, fundindo-se com o lençol encardido...

Levanto-me e preparo. Triste como a noite que me trouxe...
Mas relembro as estórias que mergulhei... Os belos contos de bravos guerreiros, de raparigas fortes, de gays sem preconceitos, de pessoas de raças distintas amando qualquer um que traga amor. Mergulhadas muitas no desconhecido, da tristeza do anónimo. Mas prontas para aquecer corações gelados de quem é vítima das pessoas que ignoram o sonhar. Os sonhos libertam-me, o mergulho diário noturno neles é agora eterno. Porque as histórias pousaram nos buracos feitas por traças malditas, e se instalaram no meu coração.

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