A Graça de Lúcifer - Leticia Rovaris (Completo)

DEZENOVE - GRACE

Eu dormia tranquilamente quando raios de luz começaram a invadir minhas pálpebras. Era uma luz contínua e intensa, e que começara a incomodar. Abrir os olhos para a realidade nunca fora tão difícil. Eu, realmente, me encontrava exausta. Pesados e relutantes, meus olhos se abriram e o que vi foi assustador.
Estava eu, deitada de lado, quando por cima da fronha do travesseiro repousava uma pluma longa, leve e rosada. Fechei os olhos para me livrar da luz e virei-me para o lado oposto. Mais duas plumas. Desta vez, duas douradas com um fundo alaranjado. Sentei-me sobre a cama e...

- Mas que merda é essa?

Duas figuras majestosas, com armaduras reluzentes, estão aos pés da minha cama.
Suas posturas perfeitas pareciam de defesa. Uma mulher e um homem.
Olho para cima e a chuva de plumas cai pelo quarto.
Anjos... ? Mas por quê?

- O que estão fazendo? - questiono, esfregando os olhos, enquanto tentava enxergar suas fisionomias e pensar em algo justificável para aquilo.

Uma tensão quase material instala no ambiente, assim que eles trocam um olhar e, em seguida, pousam os olhos em mim, de um jeito assustador e sem dizer uma palavra.
Sinto algo negativo e estranho exalando dos mesmos. E confusão.
Meus olhos se acostumam à claridade e focam algo em seus olhos tão dourados e angelicais. Eu vejo uma culpa evidente, mas desvio os olhos ao notar uma espada reluzente em suas mãos. Mordo o lábio em aflição, sentindo um gosto metálico de sangue e fico em pé na cama.
Eles são anjos, não vão me machucar... CERTO?
Errado. Afinal, também pensei que um demônio jamais entraria em uma igreja...
Quase morri por isso... se não fosse por ele...
Onde esta Lúcifer?
Foi embora. Claro...
Começo a ficar desesperada, porém tento não transparecer fraqueza.
Preciso ser forte, mesmo não me sentindo assim.
Coloco os braços a minha frente, tentando mostrar calma.
Ambos se aproximam ao notar a preocupação em meus olhos e, em uma fração de segundos, eu estava sendo presa com os pulsos contra as costas pela mulher e o outro estava parado à minha frente com os olhos baixos, me examinando enquanto encosta uma espada MUITO fina em minha jugular.

- Me perdoe - ele disse com uma voz serena, tencionando as sobrancelhas claras, mareando os olhos acinzentados.

- O quê? Pelo o quê? O que está acontecendo? - tento lutar, mas estou fraca demais para resistir - O que vocês querem? Quem são vocês?

Noto visível apreensão, que logo era substituída por uma malícia estranha.

- Devemos seguir as ordens - disse-me a mulher.

- Ordens de quem? Para o quê? ESPERA! Vocês vieram á ordem de Miguel, não é?

Tudo fica claro em minha mente... Achei que teria tempo de me preparar para esse momento...
O anjo me olhou surpreso e assustado.

- LAVE A BOCA PARA FALAR DE UM ANJO! - disse com rispidez. - Você não é nada para um ser que tem Graça... mas é bonita. Dá para ver porque o outro amoleceu...

Não ouso abrir os lábios para falar, por medo de que a lâmina rasgue minha pele fina, que já está doendo pela fricção do aço frio contra minha garganta.
Lúcifer...
Estou a beira da morte, mas só consigo pensar em seu nome. Grito em minha mente.

- Prometemos que não vai sentir dor, está bem? - a mulher fala de forma nervosa.

O anjo assente com a cabeça, e então tudo acabaria em algum momento.
Fecho os olhos com força e me preparo mentalmente para dor.
Ouço a lâmina bater em algo. Bater em mim. Mas por que não sinto dor?
Abro os olhos e uma luz, tão intensa que ardeu meus olhos, irradiava de mim.
Os anjos estavam caídos...
NÃO!
Um grito desesperado corta minha garganta.
COMO?
Seus corpos estão inteiros mas... suas cabeças... um vazio assustador habita onde deveria haver olhos.
Um cansaço maior ainda queima meus ossos. Tremo.
NÃO! NÃO!

- NÃAAAO! NÃO. NÃOOOOO!

A porta do quarto escancara com força e lá estão meus pais, com as faces assustadas, me observando como se não me conhecessem mais.
Philip. Philip está brilhando?
Começo a cair e antes de chocar a cabeça contra o chão, algo me segura.