Capítulo Único

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Se essa história é verídica não temos como saber, pois ela aconteceu antes e depois do nosso tempo.

Daqui a uns cem anos a ciência vai estar no auge do progresso. Isso deve acontecer porque não haverá água (e consequentemente comida) bastante para permitir a prática saudável de exercícios físicos, e como opção todos terão o exercício mental. É isso ou o ócio. E vão se interessar pelas explorações dos mundos menores existentes em cada célula e em cada chip – e descobrir as coisas mais incríveis.

Descobrirão o funcionamento da dimensão tempo, e começarão a tentar mover-se nela. Então surgirá um Visionário.

O Visionário gostará muito de História, e será nostálgico com relação ao que ele nem mesmo viverá. Também terá muita raiva daqueles que acabaram com a natureza antes que ele pudesse aproveitá-la (nós e nossos pais, avós, etc.).

Como as notícias correrão na velocidade da luz (e com a precisão da luz, também), o Visionário saberá quase imediatamente quando descobrirem essa questão do tempo, e começará a ter ideias. Depois da ideia amadurecida, ele apresentará um projeto às autoridades, e após as providências burocráticas (que não acontecerão na velocidade da luz, porque isso só têm piorado ao longo do tempo) seu projeto será aprovado.

Um dia o reverendo Cartwright ouviu uma batida na porta. Abriu e, em meio ao fog, viu um homenzinho com chispas nos olhos que carregava alguma coisa enorme, que ele suspeitou por qualquer motivo que não gostaria de ver funcionar.

— Mr. Cartwright, precisamos ter uma conversa – disse o Visionário, com o ar mais severo e ameaçador de que foi capaz.

O homem mandou o Visionário entrar. Este ficou em dúvida: a tradição mandava dar cabo dele sem deixar ele fazer perguntas; mas o Visionário tinha a consciência cheia dos direitos humanos. Ninguém deve ser executado sem direito a defender-se. Ele entrou.

O clérigo serviu um chá feito na hora (sem desperdício de água, conforme notou o Visionário) para seu visitante, e enquanto este saboreava a iguaria, tão rara em seu tempo, perguntou que bons ventos traziam o rapaz. E de onde o traziam.

— Daqui a alguns anos o senhor inventará o tear mecânico. Isso dará um impulso brutal ao "progresso", na produção e no consumo de coisas, e vão tirar tanta, mas tanta coisa da natureza que em menos de meio milênio não restará praticamente mais nada. Eu vim evitar que isso aconteça – explicou o Visionário, articulando muito bem seu discurso ensaiado, apesar da língua queimada pelo chá.

Uma coisa gelada parecia estar descendo pelas costas de Cartwright. Cheirava a loucura. Logo agora que não tinha ninguém em casa. Dia ruim para uma partida de bridge na aldeia! Mas ele era um vigário, já lidara com casos difíceis antes. O principal era não contrariar. E dar corda pra ele falar até que chegasse alguém.

— Mas não há chance de que isso aconteça! – ele protestou. – É verdade que tenho estudos sobre máquinas e faço minhas experiências. Contudo, não tenho realmente muita esperança. É mais um hobby.

O Visionário, como de costume, não perdia a chance de impor suas ideias em uma discussão, e começou a dar argumentos, explicar tudo o que sabia sobre os princípios das primeiras máquinas, as descobertas de outras pessoas, enfim, o que seus estudos históricos lhe tinham revelado.

A conversa estendeu-se por um bom tempo. Por fim, Cartwright disse calmamente:

— Olhe, não é a mim que você quer. Já fizeram melhoramentos nos teares antes. Com o combustível de carvão mineral de Derby aí à disposição, era improvável que isso não acontecesse, em todos os ramos da indústria. De que adiantaria você fazer algo contra mim se logo pode aparecer outra pessoa que fez os mesmos raciocínios científicos que você me atribui e chegou à mesma conclusão? – o homem entrara na história do outro. "Não se pode convencer um louco a não ser usando seu próprio raciocínio", pensava.

O Exterminador do Aquecimento GlobalUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum