A princesa ainda dava gargalhadas com o "piadista" do grupo, que não media esforços para entretê-la. Nem perceberam a reação dos outros dois.
— Boa tarde, senhores.
E a voz grave parecia emergir das trevas, fazendo-a congelar no mesmo segundo.
— Vejo que a tarde está muito animada por aqui... — insinua, no habitual e sarcástico tom ríspido, demonstrando toda a insatisfação com o que presenciava.
Até para Laila, que o conhecia pouco, o comentário soara ameaçador por demais. Ficou preocupada por ela e pelos três — ótimas companhias até então...
Eis que resolve se aproveitar da sua cômoda posição de Alteza Real daquele lugar para, ao menos, tenta se impor. Estava receosa também, mas não haveria outra forma de defender "os novos amigos".
— Boa tarde para o senhor também. — e levanta-se de pronto, virando-se para Matheo, sem deixar de abrir um largo e perturbador sorriso. O mesmo que distribuiu aos montes naquela tarde.
E ele não conseguia resistir...
"Desarmou-se" no mesmo instante da ira por "não ter sido convidado para festa" e aproximou-se para saudá-la.
— Boa tarde, Alteza. Que surpresa vê-la aqui.
Laila forçou outro sorriso, o que para ele era mais que suficiente, e voltou a a se sentar ao lado de Pablo.
Nem foi preciso nada para acalmá-lo... Parece tão... "manso"... Constatou.
Herbert também retomou o embate contra Patrick, já que o amigo parecia ter se controlado. Ainda mais na presença de quem...
Pablo, por sua vez, continuava acuado, engolindo seco, desconfortável em ser "pego" ali, ao lado de Sua Alteza, evidentemente a paixão de seu líder, o que não era surpresa para nenhum deles. À exceção da própria, que não via ou não queria enxergar aquilo que era o óbvio.
Matheo estava ao lado do tronco, quieto, mas nitidamente incomodado, andando de um lado para o outro como um animal na espreita à espera de uma brecha para atacar.
Herbert não demorou a reparar o comportamento indócil.
— Encontramos Sua Alteza por acaso... — explica, enquanto manejava as espadas.
Maldito acaso! Matheo pensou na hora. Como o odiava e adorava ao mesmo tempo, quando lhe era favorável.
Laila estava incomodada com a reação de Pablo, que calou-se, não dizendo uma só palavra depois que Matheo chegou.
É impressionante a habilidade do pior ser do mundo em desestabilizar qualquer ambiente... Constatou, ao dar-se conta em que se transformara aquela tarde.
— Gostaria de se sentar aqui, senhor? — e surge com a proposta, tentando fazer sua parte para que Matheo se inteirasse a ocasião, deixando os demais, quem sabe, menos desconfortáveis à sua presença.
Uma coisa é certa... Não é única a ficar perturbada na presença dele...
Matheo era orgulhoso... Mas, àquela altura, era muito mais apaixonado.
Engoliu o orgulho a seco e nem pensou duas vezes para aceitar o convite.
Laila puxou seu volumoso vestido e aproximou-se de Pablo, deixando-o ainda mais sem graça, para que o ser desproporcionalmente grande coubesse ali, junto a eles. E lá ficou, espremida entre aqueles dois homens, um enorme e outro gigantesco, mas nem se importou.
— O que me dizia mesmo, senhor Pablo, sobre a luta em Porto Luna, que o invasor não conseguia erguer a arma do chão...? — e procurou retomar o assunto com seu novo amigo, que ainda estava retraído.
Pablo recomeçou a história, não com o entusiasmo de antes, mas a conversa pelo menos voltava a ocupar o lugar de honra naquela alegre e inusitada tarde.
— Essa certamente seria eu...! — e solta uma gargalhada deliciosa, movimentando o corpo para trás, inevitavelmente sentido pelos dois que a "encurralavam".
E Matheo não conseguia atinar para aquilo. Como podia, a única pessoa que importava no mundo, ali, com eles, parecendo mais à vontade que nunca...?
— Me empreste a sua arma. — e Laila surge com o inesperado pedido.
— Como?
— A espada... Me passe aqui.
Matheo, encafifado, não entende o pedido de primeira.
— Permita-me mostrar do que estamos falando.
E lá foi ele, atender o inegável pedido de "sua mulher". Por precaução, encostou a ponta da espada no chão e foi transferindo devagar para as mãos dela.
Nem bem começou a largá-la e Laila solta outro grito:
— Não acredito!! Mas isso... Isso é impossível... — e provoca gargalhas nos demais e um inevitável sorriso em Matheo.
Herbert pegou o amigo no pulo, com o semblante apaixonado e o olhar enfeitiçado para ela. Se alguém lhe descrevesse tal cena, ele jamais acreditaria... Até testemunhá-la ali, bem diante dos olhos.
É um fato que Matheo havia nascido só para esperá-la chegar à Terra... E não teria outra capaz de tal proeza, nem se procurassem por mil anos.
— Como faz para portar esta arma, senhor...?
Matheo sorri, desconcertado e surpreso com o assunto que não fazia ideia que pudesse interessá-la.
— Bem... Espadas geralmente são forjadas sob medida... — explica, paciente.
— Eu sei, mas... Me parece impossível tirar isso do chão. Como pode?
Para ele nada é impossível... E Laila responde com tristeza a sua própria pergunta.
— Ela realmente é apropriada pra mim. — Matheo segue, bem humilde até.
— Nossa... Não posso imaginar... dos infelizes que estão em seu caminho. — e suspira, agoniada, desviando o olhar para o chão.
Matheo farejava com primazia o odor do medo a dominar o corpo dela gradualmente. Os olhos lindos, agora amedrontados, eram companhia para um silêncio perturbador.
De novo, o sentimento absurdo de que eu a considero um inimigo... Por que não consegue relevar isso...? Perguntava-se, indignado, enquanto a via encolher-se como um bichinho ameaçado.
Por sorte, lá estava Pablo para salvar o momento, caprichosamente providenciado pelo acaso:
— Imagine, Alteza!! Isso aí não serve nem pra limpar a caça...! — caçoou, provocando riso nos demais e um sem graça nela que o fez especialmente para premiar o esforço de seu novo amigo. — Veja só essa lâmina... Completamente cega. Até parece que usou pra cortar a lenha do fogão. — os outros riam para dar uma força, mas Laila já estava cabisbaixa. Talvez não fosse mais possível recuperar aquele riso fácil de minutos atrás.
Herbert ficou até com pena do amigo. Sendo ele, o que deveria ser o maior contemplado, sempre acabava sendo o que afugentava toda a espontaneidade da princesa.
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(COMPLETO) Laila Dómini - Livro 2
Historical FictionE nossa história continua... Derrotada de todas as formas por Matheo, só resta a Laila conformar-se com o inevitável e aceitar o seu infame destino. E depois de cumprir a desonrosa missão, tudo estará perdido? Para ela, com certeza sim, mas...