A capacidade de sorrir se esvaiu no decorrer de dez anos, junto com algumas informações cruciais sobre o seu passado. A vontade de rir até a barriga doer e a graça das coisas em geral pareciam não fazer sentido para Ana Alice, que esqueceu de muitas coisas, inclusive de como era fácil e bom sorrir.
O texto pontuado por uma caligrafia desconhecida, feita de um traço masculino, surtiu um efeito inesperado. Enquanto segurava com firmeza o guardanapo de papel, as paredes testemunhavam uma sutil descoberta, que gerou uma reação: a transformação do semblante da garota da avenida das flores.
Um rosto fêmeo expressava afeição enquanto seus músculos se movimentavam. Seus lábios eram dois polos divididos por uma reta flexível ou por uma curva instável, como duas ilhas separadas pelas águas de um oceano e ela agora estava descobrindo a sensação de se sorri, como se fosse a primeira vez.
Parecia ter pego gosto pela coisa até que, de repente, ao se dar conta de estar despindo sua alma em público, Ana Alice leva a mão ao rosto cobrindo os lábios em forma de concha, como quem é pega em flagrante, receosa em revelar qualquer sentimento.
Seus olhos ainda estavam incrédulos a respeito do que acabara de ler. Parecia bom demais para ser verdade e embora fosse difícil de acreditar, a vontade de confiar em palavras escritas por um estranho, era maior do que qualquer coisa.
Ela sabia pouco sobre Nicolas, mas para quem não sabe muito sobre si mesma, Alice não tinha nada a perder.
Aquele bilhete deixou seu ego tão elevado quanto o prédio do consultório de Maurício. Achou engraçada a ideia de se apaixonar por Nicolas. Mas logo a graça deu lugar a vergonha e Alice reprimiu seus sentimentos ao pensar naquela hipótese.
__(Ele é apenas um garoto! E eu já estou bem próxima da casa dos trinta! Pelo amor do céu! Isso é ridículo! Embora eu não tenha conhecimento de sobrinhos, já sou quase uma "tia"!)
__(Quanta bobagem Alice!)
Desde então, Ana Alice passou a ter um brilho permanente nos olhos e um sorriso estampado na cara. Dois sintomas de uma síndrome perigosa, mas por outro lado, isso definitivamente, muda as coisas de figura. Porém seu coração continuava tão instável quanto a posição do elevador e a sua vida era feita de altos e baixos, literalmente.
Ao se recompor, Alice melhora a postura e desfaz a tensão dos ombros. Por ora, decide encarar aquele acontecimento inusitado como uma injeção de ânimo. Porém mais uma vez, Ana Alice pôs de lado a possibilidade de criar expectativas. Pela primeira vez dando ouvidos aquela voz sensata, preferiu optar por se concentrar na procura pela sua caixinha, pois, agora mais do que nunca ela precisa de respostas.
__(Porque seus sonhos morreram?)
__(Onde estava sua autoestima?)
__(Sua autoconfiança?)
__(Onde foi que ela perdeu a alegria e a vontade de viver?)
__(O que faltou?)
__(Onde foi que ela errou?)
__(Será que a ausência de seu pai foi de fato significativa para que as coisas tivessem acontecido da maneira que aconteceram?)
Antes que o café esfrie Alice decide guardar o bilhete no bolso. Passados alguns minutos rememorando as palavras que acabara de ler, a taça de cappuccino volta a ficar transparente. Restaram apenas riscos de uma espuma cremosa misturada com canela em pó e um canudo de plástico.
Educada, a ruiva agradece a cortesia. Dona Maria por sua vez, olha para ela como quem espera uma resposta.
__(Será que eu esqueci alguma coisa... de novo?!)

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Princípios, Dezembros e Fins
RomanceLivro em revisão.♡ Início das postagens: 25/09/2016. ***Atenção: Essa é uma obra de ficção, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência. Sinopse: Sob o céu de Novo Horizonte, Ana Alice, uma jovem de vinte e cinco anos, sente-se desper...