LIBBY

9 0 0
                                    

   A tinta acabou duas horas depois, metade do quarto estava pronto. Meu rosto estava sujo e minhas roupas também, mas eu não me importava. Tudo estava perfeito. Luccas e eu nos sentamos, abraçados, ao pé da parede que já estava com a tinta seca.
   Ele tirou uma mecha do meu cabelo para trás da orelha. Eu deveria estar como o incrível Huck, já que meu rosto estava verde. Eu já esperava que Luccas fizesse alguma piada, mas ele apenas beijou o alto de minha cabeça.
   Sammy, o cachorro dele, entrou no quarto e veio em nossa direção, com as orelhas abaixadas e o rabo balançando de um lado a outro. Luccas afagou o pelo dele.
   - Qual o problema, garoto? Aqueles dois estão fazendo muito barulho lá embaixo?
   Sammy latiu duas vezes, como se estivesse respondendo. Fiz carinho em sua cabeça e ele deitou a cabeça em meu colo.
   - Acho que ele gostou de mim – digo.
   - Ele deve estar te confundindo com o duende verde.
   Luccas sorri e dou um empurrão nele. Deitei a cabeça em seu ombro e ficamos os três ao pé da parede. Até mesmo Sammy parecia contemplar nossa pintura mal feita.
   Jenna colocou a cabeça para dentro do quarto e Ray estava logo atrás dela.
   - Oh, vocês parecem uma família feliz – ela sorriu do próprio comentario e puxou Ray pelo braço, juntando-se a nós. – O que estamos admirando?
   Apontei para a parede. Ela fez uma careta e Ray sorriu um pouco.
   - Isso está péssimo. – ele falou em meio a um sorriso. A cor verde da tinta estava ótima, mas realmente Luccas e eu somos péssimos pintores.
   - Se você acha isso ruim, espere até ouvir um dos improvissos do Luccas – falei.
   - Ei... – reclamou-se ele.
   - Desculpe, amor – falei beijando seu rosto. – Mas você sabe que é verdade.
   Jen bateu a mão na coxa, fazendo uma melodia musical. Ela começou a murmurar um ritmo e Ray a acompanhou, fazendo murmúrios, procurando palavras que rimassem. Luccas entrou na brincadeira. Ele batia palmas devagar e murmurava junto dos outros dois.
   - Vamos, Libby – disse Jen. – Ajude-nos a montar uma canção. Nos dê um tema.
   Parecia ridículo, mas falei o primeiro nome que veio em minha cabeça.
   - Encantado.
   Luccas parou de murmurar e olhou para mim. Suas sobrancelhas se juntaram e ele abriu a boca para dizer algo, mas Jenna o interrompeu.
   - Eu quero ser...
   - Seu principe encantado... – completou Ray. – Seu eterno, namorado. Te... Acordar. Com um...
   - Beijo meu. – terminou Jen. Luccas continuava com os olhos fixos em mim. Ele respirou fundo e, como se entrasse no ritmo da canção, disse:
   - Eu quero ser seu principe perfeito. Se não for eu dou um jeito. Você sabe... Eu sempre dou um jeito.
   Ele pronunciava cada palavra muito seriamente, parecia mais uma promessa e não uma letra de música. Segurei seu queixo com a ponta do dedo e o beijei. Ele gorgeou, com os lábios ainda nos meus. Jen pigarreou e Ray tossiu, avisando-nos que deveríamos parar enquanto ainda estávamos só no beijo.
   - Ok... – Luccas sussurrou ofegante. – Esse improvisso ficou bem melhor que o outro.
   Concordei com um balanço de cabeça. Se eles trabalhassem na canção, poderiam até usá-la no primeiro CD da banda que seria gravado logo, logo. Luccas se tornaria um cantor super conhecido e eu faria o teste para a Academia de Dança em menos de uma semana e realizaria meu sonho. Nossas vidas estavam em completa harmonia.
   - Sabe o que seria ótimo? – perguntou Jen.
   - O que, linda? – Ray beijou a testa dela.
   - Comida mexicana.
   Todos nós fizemos uma careta e até mesmo Sammy rosnou.
   - Tem uma barraquinha de tacos bem perto daqui – ela continuou. – Por favor, galera. Estou faminta.
   Ray começou a reconsiderar a ideia, mas quem se voluntariaria para ir até lá? O sol já estava começando a se pôr.
   - Ok, eu vou. – Luccas levantou e limpou as mãos no jeans.
   Me coloquei de pé e segurei sua mão.
   - Eu vou com você.
   - Tem certeza? – ele perguntou apertando forte minha mão.
   - Sim. Eu tenho certeza.

                                                                    ***

   Luccas fecha o cinto de segurânça ao redor do corpo e me olha de canto de olho.
   - Você deveria usar o cinto – ele observa, mas apenas dou de ombros.
   - Nós só vamos até a outra rua. Não preciso disso.
   Ele balançou a cabeça de um lado a outro, discordando.
   - Coloque o cinto, Libby. É segurança.
   - É bobagem, Luccas. Nada vai acontecer.
   - Então coloque o cinto, só pra prevenir.
   Não entendi porque tanta preocupação, mas só para vê-lo contente eu o obedeci. Fechei o cinto ao redor do corpo e ele sorriu para mim.
   - Bem melhor. – disse ele.
   Luccas dá a partida e coloco uma música para tocar. Ele diminuiu a velocidade quando paramos em um sinal vermelho.
   - Por que você disse aquilo? – ele mantém a atenção a nossa frente. – Quando Jenna pediu um tema. Por que você disse encantado.
   Mesmo que ele não possa ver, dou de ombros. Não vou contar o motivo verdadeiro. E mesmo que eu quisesse, como eu poderia ser sincera dizendo a ele que ainda penso em alguém que me pegou nos braços uma única vez, quase dois meses atrás, mas que ainda não consegui tirar da cabeça? Nem mesmo sei qual seria o nome dele; a única coisa que tenho é um apelido. Um que acabou de virar música.
   - Foi à primeira coisa em que pensei – falei vagamente.
   - Tenho algo para contar a você – disse ele, olhando para mim. Luccas parecia hesitar. – Escute, Libby, sei que pode parecer loucura, mas acho que já nos conhecíamos.
   - Tipo, vidas passadas? – falei com sarcasmo.
   - Não. – ele disse seriamente. – Acho que nos conhecemos, tipo, há quase dois meses atrás. Em uma festa. 
   - Totalmente impossível – discordei. – Se já nos conhecêssemos, eu saberia. Nunca esqueço um rosto.
   - E se você não tivesse visto meu rosto?
   Minha testa fica franzida voluntariamente. Há boas chances de ele estar certo. Olho para Luccas como nunca antes. Imagino as maçãs do seu rosto encobertas por uma máscara veneziana e tudo o que sobra é seus olhos castanho-claros. Meu coração dispara e engulo em seco. Ele é cantor! É claro. Como posso ter me esquecido de sua voz? De como ele me segurara e me protegera? É ele. Sempre foi.
   O meu namorado é a pessoa por quem me apaixonei muito antes de descobrir o seu nome verdadeiro.
   Estendo a mão e toco delicadamente sua barba mal feita.
   - Tenho pensado em você desde o instante em que saí daquela festa sem dizer o meu nome.
   Sorrio para ele e ele prende meus dedos nos seus com delicadeza.
   - Eu pedi para você não sair de lá. Por que você foi embora?
   - Jen, ela apareceu...
   Algum motorista apressado buzina atrás de nós. Olhamos para frente ao mesmo tempo e vejo que o sinal abriu. Luccas pisa no acelerador.
   - Continuamos essa conversa depois.
   Estou rindo, mas paro instantaneamente ao ver que algo se aproxima de nós.
   - Oh, meu Deus. – foi tudo o que consegui dizer, segundos antes de um carro deslizar pela estrada e atingir em cheio a trassseira do veículo onde estávamos. Tudo aconteceu muito rápido.
   Nosso carro rodopiou. Luccas segurou o volante com força, enquanto seu corpo balançava de um lado a outro. Minha cabeça atingiu a porta e minha perna bateu contra o painel. Uma dor aguda percorreu cada membro do meu corpo. Tudo pareceu silenciar e ficar em câmera lenta. Um zunido em meu ouvido deixava-me entorpecida. Eu queria gritar, mas minha voz estava presa na garganta. O carro derrapou até bater em um poste. Do meu lado. Minha cabeça girou de um lado outro; bateu no enosto do banco, no painel e depois no que havia sobrado da porta.
   Eu desmaiei um segundo depois.

Príncipe EncantadoOnde histórias criam vida. Descubra agora