Fechando os olhos, ele inspirou o cheiro da cidade como se fosse a primeira vez. Que saudade enorme sentia de Nova York. O rosto virou-se um pouco para a esquerda e a testa se franziu, enquanto os ouvidos captavam o som estridente das ruas movimentadas. Abriu um fino sorriso, quase sedutor, e seus dedos estralaram no ar. Não demorou muito para que os dois homens que se mantinham mais afastados aproximassem-se dele. Assim que chegaram, o homem de cabelos castanhos e olhos escuros pode analisá-los de canto, parecendo satisfeito com a postura defensiva e a cabeça baixa. Meros subordinados, pensou consigo mesmo, rindo em silêncio enquanto movia-se elegantemente pelo beco escuro.
Andou mas alguns metros até chegar onde queria. A porta de ferro se abriu e o aroma de cerveja e nicotina afetou suas narinas. Enrugou o nariz, contraindo-se ao forte ardor. Mas foi preciso apenas algumas mulheres passarem por seus olhos, usando nada mais do que uma fantasia, que sua atenção fora totalmente dispersa do que antes lhe incomodava.
- Achei que gostasse das morenas. – Uma voz conhecida lhe disse, fazendo o sorriso presunçoso que habitava seus lábios se alargar um pouco mais. Seu rosto se virou para encarar o velho homem, sentado em uma mesa isolada. George Leight não passava de um rato de esgoto, que ganhava a vida fazendo jogatinas e depois gastava o dinheiro com bebidas e mulheres, mas sabia ser útil.
- Posso abrir minhas exceções. – Respondeu solenemente, aproximando-se para se sentar em frente à ele.
- Pensei que estivesse aposentado, Gold. – Comentou, mexendo o copo de whisky que tinha nas mãos.
- Acho que não preciso dizer que estava enganado. – Gold sorriu de canto. – Aliás, pelo que eu soube, quem estava enganado era eu. Sobre você. – George olhou-o com a sobrancelha erguida, e então sentiu um frio passar por sua espinha quando reconheceu a expressão endurecida que o homem atribuirá.
- Ela só me fez algumas perguntas, Gold. Mas eu não disse nada.
- Isso não me importa mais, George. Eu tenho contas a acertar com ela, mas ainda estou em dúvida se quero sujar minhas mãos com um sangue tão imundo. – O tom cheio de malicia que usava causou outro arrepio no velho.
- Deixe-a em paz, Gold. É uma boa mulher. – De repente, os traços divertidos tornaram-se sérios novamente, e ele logo se arrependeu do que disse. – Além do mais, ela anda com Killian Jones. Você sabe o quanto ele é perigoso, especialmente se descobrir o que você fez. – Tentou concertar.
- Não me importo nem um pouco. – Gold deu de ombros. – Mas eu preciso de uma informação. – Endireitando a postura, ele entrelaçou os próprios dedos sobre a mesa de madeira, fixando o olhar não só no do homem, mas também na grande cicatriz que ele trazia consigo no lado esquerdo da testa. Uma cicatriz que ele mesmo causara alguns anos atrás. E como se pudesse ouvir seus pensamentos, Gold pode vê-lo passando os dedos sobre ela, quase que inconscientemente. – Regina sabe quem é ela?
- É claro que não, você soube esconde-la muito bem. E eu nunca entregaria minha própria filha. – Gold se permitiu rir em ironia.
- Mas a entregou para pagar sua dívidas comigo, não é mesmo? - George trincou o punho, mas não retrucou. Não tinha o que fazer, nem contra Gold, nem contra a verdade que ele fazia questão de esfregar em sua cara. - Ótimo, então. Soube que está vindo para Nova York tentar encontrar Zelena, será uma grande oportunidade de nos reencontrarmos.
- Eu ouvi. Parece que a ruivinha se deu muito mal, hein. Quase sinto pena. – O tom de desdém em sua voz era nítido. - Mas o que minha filha tem a ver com isso? Vai finalmente usá-la a seu favor? – A pergunta estúpida lhe causou uma breve risada.
- Eu a tenho usado desde que a peguei para mim, George. Você não faz ideia do que sua doce filinha tornou-se capaz. - O homem esticou o braço e pegou o copo coberto de whisky das mãos do mais velho, tomando um gole grande o suficiente para sorver todo o liquido de uma só vez. – Agora, se me der licença, tenho coisas a fazer. – Não fora preciso mencionar. Pelo tom mórbido que usou, George soube imediatamente o que era: Gold sairia para matar.
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Killian tinha os olhos voltados para a paisagem que passava do lado de fora do avião. Temia o que poderia acontecer em Nova York. Não só à Regina, mas com ele também. Havia uma parte de seu passado muito bem escondida naquela cidade, e ele sabia que teria de enfrenta-lo para ajudar Regina. Virou o rosto para a morena ao seu lado. Ela tinha arquivos do caso em mãos e fazia anotações em uma velha caderneta. Desde o dia em que se conheceram, Killian sentiu aquele impulso incontrolável de protege-la. Apesar de sempre demonstrar força e agilidade, sua alma era tão frágil quanto a de uma criança.
Lembrava-se do assombro que foi assisti-la lutar contra um criminoso pela primeira vez. Regina tinha movimentos precisos, tanto de defesa quanto de ataque, e sabia transformar qualquer objeto que estivesse ao seu alcance em uma arma. Por incontáveis vezes, quem o salvara a vida era ela, embora ele insistisse em dizer que precisava protegê-la, sabia que não. Mas então o sono chegava e com ele os pesadelos. Seus gritos, soluços e olhos amedrontados quando acordava mostravam uma versão de Regina que apenas ele conhecia. E era por essa parte que ele estava ali, para garantir que sua melhor amiga não sucumbisse a escuridão como um dia ele havia feito.
- A Detetive responsável pelo caso da minha irmã é muito incompetente, meu Deus. – Esbravejou Regina, irritada com alguma coisa que lia, despertando-o de seus pensamentos.
- O que houve, Rê?
- Ela não interrogou as pessoas certas, Killy. Não fez as perguntas certas. Parece que não queria descobrir nada, como se estivesse acobertando Robin.
- Será? Quem ela não interrogou?
- Mary Margareth, por exemplo. Ela é a melhor amiga e vizinha da minha irmã. Zelena a mencionou em várias de suas cartas. Mas seu nome não está na lista de depoimentos. Que tipo de Detetive não interroga a melhor amiga da vítima, a única pessoa que provavelmente saberia se algo estivesse errado? - Suspirou, indignada. - Acho que começarei por ela. Com certeza deve saber tudo o que Zelena escondeu de mim. – Regina anotou o nome da mulher em uma lista do que ele presumira ser a ordem dos passos que tomaria. Sua cautela também era uma das grandes características que a tornavam excelente no que fazia.
- Por que acha que Zelena não te contou sobre os abusos e tudo mais? Deveria estar acontecendo há um bom tempo, antes de sua última carta.
- Porque ela sabia que eu o mataria por erguer a mão para ela, sem pestanejar. - Virou-se para ele, suspirando outra vez. - Talvez ela ainda o amasse. Minha irmã sempre via o melhor nas pessoas. - Quando seus olhos ameaçaram umedecerem outra vez, ela mudou de assunto. - Preciso de uma parede para fazer um organograma e uma linha do tempo. - Refletiu.
- Aluguei um apartamento próximo ao bairro onde ele mora. Poderá deixar estas coisas por lá. – A frase trouxe aos pensamentos de Regina uma pergunta que havia deixado para depois, e seus olhos se voltaram para ele com curiosidade.
- Como conseguiu esses arquivos, a propósito?
- Com sexo, é obvio. - Killian sorriu de forma sugestiva, mas as íris azuis traziam uma centelha de dor.
- Killy...
- Digamos que eu conheço alguém dentro da polícia.
- Não a incompetente, eu espero. – Ele riu.
- Não, fica tranquila, Swan é uma das melhores detetives da cidade. – Regina empalideceu.
- Swan? Emma Swan? Aquela por quem você sofreu durante um bom tempo?
- A própria. – Ela suspirou, deveria ter sido extremamente doloroso para ele falar com ela outra vez. Ainda mais para pedir alguma coisa.
- Sinto muito que tenha que ter feito isso, mas obrigado. – Ele ergueu a mão e acariciou seu rosto, com um fino sorriso nos lábios.