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A noite que se seguiu surpreendeu Hermione. Em certo momento, quando pulou da cadeira da mesa de pôquer para comemorar uma vitória, sentiu as nádegas formigarem - e então se deu conta de que estava sentada jogando com mortos havia mais de uma hora.

- Incrível! - Jane disse quando as duas alcançaram o bar. - Desde quando joga pôquer?

Hermione deu de ombros, sentando-se na bancada do bar.

- Desde antes do câncer.

Jane abriu a boca em forma de O, surpresa.

- Oh - murmurou. - Perdoe-me pela minha indelicadeza.

Hermie sorriu. Jane era a única que a chamava de srta. King. Ou melhor, milady King.

Durante os minutos finais para a meia-noite - horário em que, segundo Kepler, todos se recolhiam -, alguns escreviam, outros tocavam, faziam contas ou dançavam. Hermione fazia parte do grupo dos matemáticos. De forma abrupta e repentina - e bastante inapropriada -, foi puxada para o meio dos pares que dançavam.

Ela bufou, irritada.

- Olá - Isaac sorriu.

Hermione congelou e a raiva começou a estremecer seu corpo.

Mas nada fez além de dizer:

- Você de novo?

Isaac franziu a testa, e apesar desse pequeno gesto, continuou inexpressivo.

- Eu insulto sua feminilinade?

Hermie abriu mais os olhos.

- Minha... o quê? - Em seguida, chacoalhou a cabeça. - Você não insulta nada.

- Então, eu ameaço?

- Não! - ela explodiu. - Vai à merda! Você não insulta e tampouco me ameaça! Você não passa de um morto!

Hermione interrompeu a dança enquanto quase gritava com Isaac. Suas bochechas começaram a esquentar e a ruborizar por ter atraído a atenção de algumas pessoas.

Isaac, por sua vez, checava seu relógio com a testa - de novo - franzida, alheio aos olhares que os cercavam.

- Vem!

O minuto - ou seria segundo? - seguinte foi preenchido por um borrão que se formou após Isaac ter dito "vem". Hermione gritava, socando-o, enquanto praticamente voava pelas ruas de Edimburgo. Não tinha ideia de onde ele a estava levando. Iria matá-la? Hermione revirou os olhos, que estavam ardendo por causa do vento que atingia todo seu corpo com força, institivamente. Era irônico alguém querer matá-la. O câncer já estava fazendo isso por ela. Tinha dois meses restantes de vida - e talvez menos.

Pensando nisso, berrou:

- É inútil!

Isaac a ignorou, mas estremeceu quando ela gritou. Olhou para o lado, onde Hermione tentava colocar sua mão esquerda sobre um corte no braço direito.

- Desculpe! - berrou de volta sobre o forte assobio do vento.

- Vai se foder! - devolveu Hermie.

Ele arregalou os olhos. Preferiu não dizer mais nada.

Os segundos que sucederam esse momento foram preenchidos por um vazio. Isaac e Hermione continuaram sentindo o vento contra o corpo todo. As ruas estavam silenciosas. O braço dela ardia enquanto o sangue secava no pulso e sobre o corte.

Até que tudo parou.

Hermione gritou novamente ao parar bruscamente. Isaac parou em perfeito equilíbrio, mas foi atropelado por ela, que não conseguia se manter sobre as pernas. Isaac foi ao chão, debaixo do fraco corpo de Hermie.

UM RÉQUIEM PARA HERMIONE KINGOnde histórias criam vida. Descubra agora