C'est la vie

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Paris, 13 de Junho de um ano qualquer. Uma manhã florida de Primavera. Sento-me onde posso olhar a multidão de turistas que invadem a cidade: Champ de Mars. Todos sorrindo, tirando fotos e se deliciando com o enorme símbolo fálico que ornamenta como um pingente de ouro uma dama da cidade, não as puras, as que valem a pena, essas só se encontra andando nos lugares certos e no horário certo e nessas horas as puras estão na cama.
Nessa cidade já fui de tudo, inclusive um homem amado, ou ao menos gosto de pensar que eu o era. Paris é a cidade das luzes, onde pensamento, arte e baixinhos com muita alto confiança fazem o que querem. Esse não é meu caso. Sou o que pode ser chamado de normal, não consigo pensar em nenhum detalhe físico que possa ser destacado em mim. Como já disse já fiz de tudo nessa cidade, e de nem tudo me orgulho, cheguei aqui junto com um circo itinerante. Romenos adoráveis. Não sou romeno ou francês, nasci ao sul do mundo nas terras Brasilis. Não sou um grande artista então ajudava no circo em trabalhos manuais, o que me preparou para ser capaz de me virar por aqui... Como fui parar num circo de romenos? Como aprendi aqui c'est la vie...
Acredito em destino e acredito que tinha que estar aqui, os fatos me fizeram crer nisso mais ainda, que me perdoem os céticos, mas uma força maior que eu me trouxe para cá.
Tenho desenvolvido um grande vocabulário francês. Bonjour. Oui. Bonsoir. Merci. E os números até 10, e mais alguns suficientes para dar trocos na bilheteria , fui encarregado do trabalho de recepção e cobrança do entretenimento das noites parisienses.
O dia 12 de Junho na minha pátria mãe é "comemorado" o dia dos namorados, isso torna curioso o fato que no dia 13 de Junho de um ano qualquer eu conheci Gabrielle, ok essa não é a parte interessante, seu sobrenome era Valentine. Gabrielle Valentine. Claro que o sobrenome só descobri depois, mas como tudo na vida essas coisas só fazem sentido quando olhadas do futuro.
Gabrielle, filha de Deus. Aprendi isso depois também, aprendi muita coisa depois que me converti à religião de Gabrielle. Dizem que quem viaja para Paris se apaixona pela cidade, e ela realmente tem um "quê " de mágico, difícil de explicar, mas a paixão maior são as parisienses. Impossível não se enamorar pelas femmes fatales. Dizem que as mulheres daqui são intensas. Você que deve acompanha-las. Sempre com uma arma ou um lenço na mão, nunca meio termo. A religião de Gabrielle era intensa. Valentine, a mulher do dia de São Valentim. Como não cair de amores quando o destino te impede de viver de qualquer maneira diferente do que um amor roleta russa? Joga-se para viver ou morrer. Mas sempre se joga para amar.
A papisa Gabrielle era uma deusa invasora de Paris, sua pele negra era proveniente de uma colônia francesa, nunca me importei de qual, com a flecha no peito difícil se concentrar nos detalhes pequenos.
Noite. Calor. Ainda sem flores. Sua pele negra refletindo o luar. Roupas leves, ela vinha da aula de dança. Mambo. Que pernas. Se Deus criou algo mais excitante que pernas de dançarina negou a humanidade. MinhaLilith, a Lolita divina devia dançar maravilhosamente. Ela compra seu ingresso, gostaria de dizer que disse algo interessante, que fui um gentleman, sedutor, caliente como se espera de um latino. Não. Me confundi com tudo e agi como um idiota. Mesmo visivelmente irritada sua misericórdia era tamanha que me perdoou com um sorriso, até perguntou meu nome. Desse dia me lembro de dois números: un e trois. Um centímetro por três segundos. Esse foi o tempo que senti sua pele junto a minha, até hoje esse toque me é familiar, sinto-o de tempos em tempos. Ela entrou. Ela riu, eu sorri. Ao sair pedi para falar com ela, me desculpei. Conversamos. Quando uma francesa te escolhe, e sim, é ela quem te escolhe, você não sabe de mais nada, apenas viaja cada vez mais longe ao som de cada palavra.
Passamos num café, mas a noite estava quente, então iniciou-se um ciclo que fecho hoje, fomos ao Champ de Mars. Noite quente, estrelada, Torre iluminada e conheci finalmente os lábios de minha parisiense de criação. Os dois maiores venenos do homem: pele negra e um sotaque francês.
Gostaria de dizer que tudo são flores e que fomos felizes, mas não foi assim. Ela vai ao circo, mas não sempre. Eu dizia que ela entrava de graça e que o show mudava, mas não sou eu quem dita ordens na criação. Ambos éramos pessoas da noite. Circo. Dança. A diferença era que eu reverenciava e ela era ovacionada.
A dona do circo, uma mulher meio velha, esperta e com mais marcas da vida que você conseguiria lembrar, percebeu meu tormento. A idade da sabedoria. A "idade" sofrida dá mais sabedoria ainda. Não queria imaginar o que era a mente dessa mulher. As tempestades que minha mente mal concebe, ela enfrentou antes dos 6. Velha esperta. Me chamou num canto. Falava um romeno cheio de sotaque. Tenho certeza que era o mesmo falado por Conde Vlad. Se me perguntarem ela foi a única cigana a trazer vergonha à casa de Stoker. Sábia mulher me disse, ao pé do ouvido: vou lhe ensinar algo e te livro do circo. Nesse dia meu francês ganhou mais uma palavra: pâtisserie. Claro, estava em Paris, meus trabalhos não eram uma obra de arte, mas me garantiu a vaga de aprendiz. Beijei as mãos enrugadas e calejadas da vida em forma de uma velha romena pela última vez. Trabalhava na madrugada. Conseguia ver Gabrielle dançar, acompanhá-la até em casa depois trabalhar junto ao Sol até o momento onírico com Gabrielle e depois o momento desperto com Valentine.
Gabrielle amava com intensidade. Dançava com paixão. Ela sempre dizia que o amor é para ser intenso e não bonito. Beleza era a dança. Seus cachos suados movem-se em direção distintas a cada segundo. Cinco ... seis... sete... oito...
Como uma ordem divina nos mudamos de Paris.   

LáskoWhere stories live. Discover now