Reencontro no Kaffebar - Parte I

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MELLQVIST KAFFEBAR - Rörstrandsgatan 4, 113 40 Stockholm, Suécia



Lá estava ela bebericando o café. A fumaça que saia do copo descartável se confundia com a de seu hálito. Quase não conseguia ver seu semblante, nem mesmo o formato de seu corpo. As roupas típicas do inverno lhe cobriam quase por inteira. Mesmo assim eu sabia que era ela, dificilmente me confundiria. Uma moça solitária, a única ali fora, todos os outros clientes estavam aclimatados no interior da cafeteria. Não estava nevando, mas o vento era cortante. Passeei com meu binóculo por toda a extensão da rua e do enorme calçamento, praticamente uma praça. Nenhuma viva alma. Tudo tão tranquilo que fiquei amedrontado. Minha experiência sabia que aquilo não era um bom sinal.

"Andreas, alguma notícia? Câmbio." Disse a voz do chefe da missão no rádio.

Peguei o rádio sobre a mesinha ao meu lado.

"Nada ainda. Câmbio."

Tentei manter a calma. Eles em breve descobririam a mentira. Tinha que me planejar, antecipar tudo que poderia acontecer. Quem acreditaria naquilo? Como ela podia estar ali? Coincidência? Não existe isso no meu ramo. Levantei e peguei a caixa com o rifle. Montei todo o aparato com a habilidade que sempre impressionou meus superiores. Posicionei-me e agora a mira do rifle me trazia uma melhor visualização. Era ela sem dúvida. Procurei ver algum rosto conhecido dentro do local, algo suspeito, mas todos agiam dentro da normalidade, tomando seus cafés e desfrutando de doces e pães. Uma legião de gente loira acomodada no local. A única coisa estranha era que todos pareciam muito felizes, quase um comercial de margarina.

O tempo nublado fazia a manhã parecer um final de tarde cinzento. Mesmo assim o povo sueco era feliz de manhã. Pelo menos era o que parecia. Nem lembrava mais como era exatamente o povo de meu país de manhã. Que importância tinha isso? Eu tinha alguma nacionalidade que realmente me identificasse? Senti que não, eu não tinha casa, não tinha para onde voltar. Por isso ela era importante para mim.

Minha pulsação começou acelerar. Eu odiava aquilo. Respirei fundo. Busquei os olhos dela com a mira. Lindos, profundos. No semblante havia tensão. Ela não estava ali à toa. Os olhos se viraram na minha direção, olhando diretamente à janela do edifício que eu me encontrava. Será que a mira reluziu e ela percebeu? Não, impossível, nem sol tinha. Não durou muito e ela mudou o rumo de seu olhar.

Eu estava ali para cumprir uma missão. Defender os interesses do Brasil. Tinha que me lembrar disso a todo o momento, apesar de não fazer mais sentido. As ordens quase sempre vinham desconexas, às vezes tenebrosas. Não conseguia ver a importância global do meu trabalho, apenas a imediata. Minha presença ali poderia reduzir riscos, diminuir mortes. Mas qual era o sentido real daquilo tudo? As entranhas políticas tão desalinhadas, desconhecidas. Talvez o cumprimento de minhas ordens provocasse mais desordem no futuro. A imagem da moça agora me sinalizava um novo caminho, talvez fosse um aviso místico. Um sinal que só eu entenderia. Eu queria acreditar nisso. Algo que sustentasse tudo que eu estava prestes a fazer. Seria traição à pátria? Seria à busca do amor? Seria egoísmo?

"Andreas, está confirmado. Um dos terrorista já está posicionado, provavelmente muito próximo do local, talvez até dentro. Fato é que um deles está aí. Algum suspeito? Câmbio."

"Nenhum, senhor. Câmbio."

"Prepare o rifle, teremos de agir. Câmbio."

"Positivo. Câmbio."

Fiquei apreensivo, talvez alguém estivesse me vigiando. Talvez aquilo tivesse sido um teste e eles já soubessem que eu estava vendo ela. Não conseguia entender por que somente a agência brasileira estava ciente daquele risco. Não podia ser. Com tanta tecnologia os americanos, ingleses, russos, chineses não seguiriam aquela pista? Vasculhei com a mira para achar outros agentes, mas só ela continuava ali fora, ainda bebericando o café. Não podia ver as janelas dos outros prédios dali. Outro atirador poderia estar por lá.

"Andreas, vai acontecer. Não podemos permitir. Infelizmente só depende de você, não temos outro apoio no local. Qualquer sinal estranho dispare no suspeito. Câmbio."

"Positivo. Câmbio."


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Em breve continuação...

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