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Faziam trinta e oito graus naquele sábado de verão. O fim de tarde mais quente do ano e Candice estava aliviada por sua mãe não ter esquecido de comprar todos os ingredientes que mandara. Tecnicamente era Eva quem organizava um jantar para o pai, mas todos sabiam que seu avô conhecia a verdade, afinal era a filha dele. Eva era incapaz de ficar numa cozinha sem destruir alguma coisa e se ferir no processo. Não que sua mãe fosse uma retardada, ela apenas não tinha o jeito que Candice teve que aprender e aprimorar desde que seu pai caiu fora com sua secretária, há nove anos. 

Fingir era mesmo um talento para sua família e impressionar a palavra de ordem naquele dia, -um adjetivo frequentemente usado para definir sua mãe-, mas nunca, -Candice sentia em admitir-, no sentido positivo.

Porém, naquela noite, a intenção era impressionar George Richard II, de ambos sentidos. Porque precisavam de dinheiro mas era perigoso pedir empréstimos, -presentes, na cabeça da sua mãe-, para um velho Richard II de barriga vazia. E era mesmo, uma viagem longa do seu rancho até a cidade. E todos sabiam que o velho nunca comia comida que vinha de desconhecidos, algo haver com o seu tempo servindo ao exercito.

Por isso e por outras, Candice pôs seu melhor vestido, creme com alcinhas tão finas quanto seu cabelo e trancou Bartô, -seu gato-, em seu quarto. Um ato encarado com grande indignação segundo o felino, que arranhara sua perna ao vê-la partir.

Fervorosamente desejava que valesse a pena. Bartô tinha mais emoções a demostrar ao mundo do que ela mesma, muito parecido com sua mãe, aliás. Por isso se odiavam. Pelo menos sua mãe estaria feliz com algo.

Era um eufemismo dizer que estava nervosa.
Candice terminou de preparar a salada com cogumelos e fechou a janela de frente a pia pequena, por onde os amigos e namoradas de Bartô saltavam durante as refeições, em busca dos petiscos dados por Eva. Candice entendia e admirava o cuidado dela, mas precisava ser dentro da cozinha que sua filha sem coração tanto se esforçava para manter apresentável? Se perguntar quem era o adulto naquela casa era algo comum a Candice, mas não adiantava direcionar esse questionamento a mãe, que vivia mais no próprio mundo colorido, e geralmente não saia para ouvia ninguém. Nem os filhos, a coordenação da escola ou mesmo o pai.

Candice saltou ao som de saltos no linóleo manchado da cozinha. Aquela era sua mãe; incompreendida, um coração extra no lugar onde devia ter um cérebro e uma beleza exuberante.

"Não vi o Brendon." Ela se apoiou na geladeira, como se estivesse prestes a desmaiar, uma mão numa bochecha. "Você mencionou sobre o papai para ele." Uma afirmação duvidosa. Insultante. Eva e o filho mais velho não se falavam, o que tornava Candice uma espécie de serviço voluntário de comunicação familiar. Todas as armas devem ser usadas para evitar mais conflitos.

"Sim, mamãe. E ele me escutou e pareceu interessado." Candice esticou um sorriso e ergueu os dois polegares, enquanto se movia. "Procurou no telhado? Ele meio que esta analisando a carreira de pombo."

Eva ergueu o rosto numa carranca infantilizada, quase birrenta. "Por que ele me odeia? Eu faço tudo que ele quer. É espaço, tudo bem, é uma festa no meio da semana, sem problema, filho, então por..." Sua voz esganiçou e os olhos verdes cuidadosamente maquiados se afogaram e vazaram. Candice parou na porta e suspirando baixinho, puxou Eva para uma cadeira e buscou um copo com água. "Vou procurá-lo, enquanto isso pode retocar..." Candice fez um gesto para o próprio rosto. Eva fungou e apenas tomou a água, fitando a toalha azul da mesa. Ela não te escuta mais.

"Certo. Já volto." 

Apressou-se pela escada na pequena sala de entrada e então, no andar superior entrou no sótão minúsculo. Candice sorriu para os All Star com listrinhas e começou a escalar o tambor, que dava acesso a janela. Alisou a saia ao trombar com uma mão de vento na cara, que assoprou seu cabelo no rosto. Cabelo que não precisava de incentivos para armar. 

"Que merda," Ela disse, porque vendo-a ali, a única coisa que pensava era que  ele estava tão arrasado quanto sua mãe. E porque merda era o único palavrão permitido naquela casa. Andou até o irmão, segurando o cabelo. Violão na mão, sentado no pequeno espaço da varandinha, pernas estendidas. "ela está chorando, não que isso lhe cause algum sentimento, você..."

Ele suspirou alto e continuou a dedilhar uma música que soava como Summertime Sadness, olhos fechados virado para o vento. Candice o cutucou com a ponta do tênis. "Por favor."

"Candy..." Ele parou, os olhos ainda fechados, cabeça encostada na parede. Voz sussurrada. "Relaxa, pode ser?"

Torceu o cabelo num nó e deixou as mãos caírem. "Só não estregue isso."

Ele voltou a dedilhar, dessa vez outra melodia, uma desconhecida porém não menos depressiva. "Volte a brilhar Candy, não aguento ver você assim." Seu irmão sorriu e Candice se perguntou se ele tinha fumado algum. Mas não, aquele era o Brendon, tão parecido com Eva que ela chegava a se enojar. "Impressione aquele velho desgraçado."

"Só tome um banho." E dizendo isso, saiu de dentro da bolha alucinógena do irmão, que tinha a capacidade perturbadora de sugar qualquer traço de alegria. 

Ela tropeçou ao descer do tambor e pegou no quarto da mãe alguns utensílios de beleza, ciente que Eva não tinha nem sequer saído do lugar, ou largado o copo com água. Mas tudo bem, Candice não se importava em ter de cuidar de tudo.

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⏰ Son güncelleme: Mar 08, 2017 ⏰

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