1-Infância

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  Ali deume uma bofetada que me atirou ao chão, mas eu recuseime a entregarlhe a reluzente maçã vermelha que o cozinheiro paquistanês acabara de me dar. O rosto de Ali
começou a contorcerse de raiva ao verme levar a maçã à boca e engolir, rapidamente e sem
mastigar, os pedaços enormes que lhe ia arrancando. Ao recusarme a ceder à sua prerrogativa
superior de macho, cometera um acto grave e sabia que em breve
sofreria as consequências. Ali deume dois pontapés rápidos e correu em busca de Oniar, um egípcio que trabalhava como motorista para o nosso pai. As minhas irmãs tinham mais medo de
Omar do que de Ali ou do meu pai. Desapareceram no interior da villa, deixandome sozinha para enfrentar a ira dos homens da casa.
Momentos depois, Omar, seguido de Ali, entrava apressadamente pelo portão lateral. Eu sabia que sairiam vitoriosos, pois os poucos anos que ainda vivera estavam já cheios de precedentes. Aprendera, desde muito nova, que todos os desejos de Ali tinham de ser satisfeitos. Ainda assim, engoli o último pedaço da maçã e fitei o meu irmão com ar triunfante.
Debatendome, em vão, entre as mãos enormes de Ornar, fui erguida no ar e levada para o gabinete do meu pai. Este desvio relutantemente, os olhos do livro onde tinha
a sua contabilidade e lançou um olhar irritado à filha que, aparentemente, estava sempre a aparecerlhe pela frente, aborrecendo-o, ao mesmo tempo que, em contrapartida, abria os braços à sua jóia mais preciosa: o filho mais velho.
Ali foi autorizado a falar, enquanto a mim proibiram me que o fizesse. Dominada pelo desejo de conquistar o amor e a aprovação de meu pai, senti a coragem renascer em mim. Gritei o que, na verdade, se passara no incidente. Diante daquela explosão, o meu pai e o meu irmão ficaram a olhar para mim de boca aberta, pois no meu mundo, quem pertencia ao sexo feminino estava habituado a ficar resignadamente calado, sem exprimir opiniões. Todas as mulheres aprendem, desde muito cedo, a manipular as situações em vez de as enfrentar. O fogo que, outrora, ardia nos corações das orgulhosas e impetuosas mulheres beduínas extinguiu-se; no lugar delas vêemse hoje mulheres
submissas que poucas semelhanças apresentam já.
Quando me apercebi de que gritava, senti o medo convulsionarme as entranhas.
Quando o meu pai se levantou da cadeira, as pernas tremeramme e vi o movimento do seu
braço, porém não cheguei a sentir o golpe com que me agrediu o rosto.
Como castigo, todos os meus brinquedos foram dados a Ali. Para me ensinar que os homens eram os meus senhores, o meu pai decidiu que Ali seria a única pessoa a encherme o prato às
refeições. Ali, triunfante, davame as porções mais minúsculas e os piores pedaços de carne.
Todas as noites ia deitarme esfomeada, pois Ali colocara um guarda à minha porta e ordenaralhe que me proibisse de receber comida da minha mãe ou das minhas irmãs. Depois tentavame, entrando no meu quarto à meianoite, carregado de pratos fumegantes de galinha cozinhada e arroz quente.
Por fim, Ali cansouse da sua tortura, mas dessa altura em diante, ainda ele tinha apenas nove anos, passou a ser o meu inimigo mais ferrenho. Embora eu ainda só tivesse sete anos, "o
incidente da maçã" fez com que me desse conta, pela primeira vez, que eu não passava de uma fêmea ao sabor dos ímpetos masculinos. Via a submissão sofrida da minha mãe e das minhas irmãs, no entanto continuava a manterme optimista e nunca duvidei
de que, um dia, triunfaria e o meu sofrimento seria compensado pela justiça
autêntica. Esta determinação, que surgiu em tenra idade, tornoume a ovelhanegra da família.
Contudo, a minha infância também teve momentos agradáveis. Passei as minhas
horas mais felizes em casa da tia da minha mãe. Viúva, demasiado velha para despertar a atenção e consequentes complicações por parte dos homens, tornarase então uma pessoa alegre e cheia de histórias maravilhosas dos seus tempos de jovem, na época das batalhas tribais. Assistira ao nascimento da nossa nação, de modo que nos
encantava com as histórias de coragem do rei Abdul Aziz e dos seus seguidores. Sentadas, de pernas cruzadas, sobre tapeçarias orientais, as minhas irmãs e eu mordiscávamos pastéis de
tâmara e bolinhos de amêndoa enquanto mergulhávamos no drama das grandes vitórias
alcançadas pelos nossos antepassados. A minha tia, ao relatarme as grandes façanhas dos AISaud
em batalha, inspiroume um novo orgulho pela minha família.
Em 1891, a família da minha mãe acompanhara o clã AISaud na sua fuga de Riade, após a derrota sofrida diante do clã Rashid. Dez anos mais tarde, os homens da nossa
família regressaram com Abdul Aziz e reconquistaram a terra; o irmão de minha tia lutou ao lado de Abdul Aziz. Esta demonstração de lealdade valeu-lhe a entrada na família real através dos casamentos das suas filhas. Estava montado o cenário para o meu destino de princesa.
Na minha juventude, a minha família era privilegiada, embora não rica. Os rendimentos
provenientes da produção de petróleo asseguravam abundância de alimentos e toda a assistência médica disponível, a qual parecia ser, na altura, o maior dos luxos.
Vivíamos numa villa ampla, feita de blocos de cimento e toda pintada de branco. Todos os anos as tempestades de areia reduziam o branco a creme, mas os escravos do meu pai voltavam a pintar obedientemente as pedras, substituindo o tom de areia pelo branco. Os grossos muros de dez metros de altura que rodeavam o nosso espaço sofriam o mesmo tipo de manutenção. O lar infância a que me habituei era uma mansão segundo os padrões ocidentais, no entanto, hoje vejo que, comparada com as actuais exigências da realeza saudita, não passava de uma
habitação modesta.
Em criança, achava que a minha casa paterna era demasiado grande para ser acolhedora. Os corredores, compridos, eram escuros e ameaçadores. Destes partiam quartos de diversos
formatos e tamanhos, escondendo os segredos da nossa vida. Meu pai e Ali viviam nos aposentos destinados aos homens, no segundo piso. Eu tinha o costume de ir espreitá-los, para satisfazer a minha curiosidade infantil. Reposteiros de veludo vermelho escuro tapavam a luz do Sol. A atmosfera pesada cheirava a tabaco turco e a uísque.
Dava uma olhadela tímida e apressavame a voltar à área das mulheres, no andar térreo, onde as minhas irmãs e eu ocupávamos uma vasta ala. O quarto que eu partilhava com Sara dava para o jardim privado das mulheres. A minha mãe mandarao pintar de amarelovivo, tendo, por isso, o brilho de vida que tão ausente estava do resto da villa.
Os criados e servos da família viviam em quartos minúsculos e pouco arejados, que faziam parte de um edifício à parte, nas traseiras dojardim. Enquanto a nossa villa dispunha de ar condicionado, as instalações dos trabalhadores não se encontravam equipadas para suportar o clima quente do deserto. Lembrome de ouvir as criadas e os servos falarem do horror por que
passavam quando chegava a hora de se deitarem. O único alívio que tinham para o calor era a brisa gerada por pequenas ventoinhas eléctricas.
O meu pai dizia que se lhes pusesse ar condicionado nos quartos, dormiriam o dia inteiro.
Omar era o único que dormia num pequeno quarto situado na casa principal. à entrada da nossa villa estendiase um longo cordão dourado. Este encontravase ligado a um chocalho no quarto do motorista. Quando este era preciso, tocavam essa campainha a chamálo; o seu som pôloia imediatamente de pé, quer fosse dia ou noite, levandoo até à porta do quarto das minhas irmãs. Confesso que não foram poucas as vezes em que puxei pelo cordão em plena sesta de Omar e a meio da noite. Depois, a ofegar violentamente, precipitavame para a minha cama e ficava quieta, qual criança inocente profundamente adormecida. Uma noite encontrei a minha mãe à minha espera quando voltava a correr para a cama. Com uma expressão de desapontamento no rosto diante das maldades da filha mais nova, puxoume uma orelha e ameaçou contar ao meu pai. Mas nunca o fez.
Desde o tempo do meu avô que tínhamos ao nosso serviço uma família de escravos sudaneses. A nossa população de escravos aumentava todos os anos, quando o meu pai voltava de Haj, a peregrinação anual que os muçulmanos fazem a Meca, trazendo mais
crianças. Os peregrinos que iam do Sudão e da Nigéria vendiam os filhos
a sauditas abastados, a fim de poderem arranjar dinheiro para regressar às respectivas pátrias.
Uma vez sob os cuidados de meu pai, os escravos não eram comprados e
vendidos à maneira dos que eram negociados pelos Americanos; participavam na vida domésticae nos negócios do meu pai como se fossem seus. As crianças eram nossas companheiras de brincadeira e não sentiam compulsão para a subserviência. Em 1962, quando o nosso Governo libertou os escravos, a família sudanesa que trabalhava para nós implorou ao meu pai que a deixasse continuar a servilo. Ainda hoje vive em sua casa.
O meu pai manteve viva a memória do nosso bemamado rei Abdul Aziz. Falava do grande
homem como se o visse todos os dias. Fiquei chocada, tinha então oito anos, ao saber que o velho rei morrera em 1953, três anos antes de eu nascer!
Após a morte do nosso primeiro rei, o reino ficou em grande perigo, pois o sucessor escolhido
pelo velho rei, o seu filho Saud, não possuía, para grande pesar de todos, qualidades de liderança,
tendo dissipado a maior parte das riquezas provenientes do petróleo em palácios, automóveis e
adornos para as suas esposas. Daí que o nosso país estivesse a resvalar para o caos político e económico.
Recordo uma ocasião, corria o ano de 1963, em que os homens da família reinante se reuniram em nossa casa. Na altura, eu era uma menina curiosa de sete anos. Omar, o motorista do meu pai, irrompeu pelo jardim com ares de grande importância e gritou às
mulheres para que subissem ao piso de cima. Agitou as mãos na nossa direcção como se exorcizasse a casa de monstros, empurrandonos escadaria acima qual rebanho, até uma
pequena sala de estar. Sara, a minha irmã mais velha, implorou à minha mãe permissão para se esconder no balcão cheio de arabescos, a fim de poder vislumbrar os nossos governantes a trabalhar, o que era raro. Embora víssemos os nossos poderosos tios e primos em ocasionais reuniões familiares, nunca estávamos presentes quando se tratava de assuntos de Estado
importantes. Claro que, por altura da menstruação de cada mulher e subsequente recolhimento, o afastamento de quaisquer membros do sexo masculino que não fossem os pais e irmãos era
repentino e total.
Levávamos uma vida de tal maneira enclausurada e entediante que até a nossa mãetinha pena de
nós. Nesse dia chegou mesmo a juntar-se às filhas no andar do corredor, para, através do balcão,
espreitar e ouvir os homens que se encontravam na ampla sala de estar, por baixo de nós. Eu, a
mais nova, fiquei no colo da minha mãe. Esta, como medida de precaução, tapoume suavemente
a boca com a mão. Se fôssemos apanhadas, o meu pai ficaria furioso. As minhas irmãs e eu
ficámos fascinadas pela imponente parada dos irmãos, filhos, netos e sobrinhos do falecido rei.
Eram homens enormes, de túnicas esvoaçantes, que se juntaram com calma, aparentando um ar
profundamente digno e grave. O rosto estóico de Faiçal, o príncipe herdeiro, chamounos a atenção.
Nem mesmo os meus olhos inexperientes deixaram de notar que parecia triste e
terrivelmente acabrunhado. Por volta de 1963, todos os sauditas tinham consciência de que o príncipe Faiçal geria o país com competência, enquanto o rei Saud falhava rotundamente nessa missão. Sussurravase que o reinado de Saud era apenas um símbolo da unidade da família tão ferozmente defendida.
Sentiase que se tratava de uma situação estranha, injusta para o país e para o príncipe Faiçal, e que não deveria durar muito mais tempo.
O príncipe Faiçal mantinhase afastado do grupo. A sua voz habitualmente tranquila sobrepôsse ao
burburinho, a fim de pedir permissão para se pronunciar sobre questões que eram de grande
importância para a família e o país. O príncipe Faiçal receava que o trono, tão difícil de conquistar, em breve se perdesse. Afirmou que o povo estava farto dos excessos da família real e
que se falava não só em afastar o seu irmão devido à sua decadência, mas mesmo em desistir de todo do clã AISaud e escolher, em alternativa, um homem de Deus para a liderança.
O príncipe Faiçal fitou duramente os príncipes mais novos ao declarar, em voz clara e segura, que a indiferença destes pelo estilo de vida tradicional dos crentes beduínos faria cair o trono.
Disse que se sentia muito triste por serem tão poucos os membros mais jovens da família real dispostos a trabalhar, contentandose em viver com o montante
mensal que lhes vinha dos provendos do petróleo. Seguiuse uma pausa prolongada, enquanto
esperava que os irmãos e parentes se pronunciassem. Como nenhum tinha nada
a dizer, acrescentou que se ele, Faiçal, controlasse a riqueza petrolífera, o fluxo de dinheiro para os príncipes seria suspenso e arranjarselhesia trabalho. Dirigiu um aceno de cabeça a seu irmão Mohammed e sentouse com um suspiro. Reparei, do balcão, na agitação nervosa que percorreu os vários primos mais novos. Embora a mesada mais alta não ultrapassasse os dez mil dólares, os homens do clã AISaud estavam a enriquecer cada vez mais, graças à terra. A Arábia Saudita é um país grande e a maioria das propriedades pertence à nossa família. Além disso, os contratos
de construção não são assinados sem que tragam algum benefício aos nossos.
O príncipe Mohammed, o terceiro irmão mais velho vivo, tomou a palavra e, do que conseguimos perceber, o rei Saud insistia agora no retorno ao poder absoluto que lhe fora retirado
em 1958. Corriam rumores de que andaria pelo interior do país a falar contra seu irmão Faiçal.
Era um momento devastador para a família de AISaud, pois os seus membros tinham formado sempre urna frente unida diante dos cidadãos da Arábia Saudita.
Lembrome de meu pai ter contado a história que explicava o facto de o filho mais velho vivo, Mohammed, ter sido preterido, na sucessão ao trono, em favor de Faiçal.  

  O velho rei declarara que, se a propensão de Mohammed fosse apoiada pelo poder da coroa,
muitos homens morreriam, pois o seu temperamento violento era sobejamente conhecido.
A minha atenção foi de novo atraída pela reunião e ouvi o príncipe Mohammed dizer que era a monarquia em si que estava em perigo; abordou a possibilidade de se destronar o rei e colocar o
príncipe Faiçal no seu lugar. Este soltou uma exclamação tão sonora que o som paralisou Mohammed.
Faiçal falou calmamente, dando a impressão de que
o fazia chorando. Disse aos parentes que prometera ao seu adorado pai, no leito da morte, jamais se opor à governação do seu irmão. Em nenhuma circunstância poderia quebrar a sua promessa, nem mesmo que Saud levasse o país à bancarrota. Se o destronamento de Saud se tornasse o cerne da reunião, nesse caso ele, Faiçal, teria de se retirar.
Seguiuse um burburinho de vozes, enquanto os homens da nossa família concordavam que
Mohammed, o irmão mais velho a seguir a Faiçal, devia tentar chamar o nosso rei à razão.
Vimos os homens empunhar as xícaras de café e declarar o seu voto de lealdade ao desejo de seu pai de que todos os filhos de Abdul Aziz enfrentassem o mundo como uma força coesa.
Quando a tradicional troca de despedidas começou, vimos os homens sair ordeira e silenciosamente da sala, tal como tinham entrado.
Mal eu sabia que aquela reunião era o principio do fim da governação do rei Saud, meu tio.
Assim, a nossa família e os cidadãos do país viram, entristecidos, os filhos de
Abdul Aziz serem forçados a afastar um dos seus da sua terra. O tio Saud ficara tão desesperado que, no fim, enviara uma mensagem ameaçadora ao irmão, o príncipe Faiçal.
Este último acto determinara o seu destino, pois era impensável um irmão insultar ou ameaçar
outro. Não estava escrito em parte nenhuma, mas o certo é que uma das regras
de ouro dos beduínos era um irmão jamais virarse contra o outro.
Gerouse uma crise febril no seio da família e no país. Mais tarde, porem, viemos a saber que a atitude ponderada do príncipe Faiçal é que sustivera a revolução pretendida pelo tio Saud.
Afastouse e deixou que fossem os seus irmãos e os religiosos a decidir qual o melhor programa de acção a seguir pelo nosso jovem país.
Ao fazêlo, retirou o
dramatismo pessoal ao movimento, de maneira a que o facto de serem homens de Estado a tomar as decisões apropriadas se tornasse menos transitório.
Dois dias mais tarde, soubemos da abdicação de uma das mulheres do tio Saud, pois o nosso pai
encontravase ausente na altura, juntamente com os seus irmãos e primos.
Uma das nossas tias preferidas, casada com o tio Saud, veio até nossa casa presa de grande agitação. Fiquei chocada ao vêla arrancar o véu do rosto em frente dos nossos criados do sexo masculino. Acabara de chegar do palácio de Nasriyah, a casa do deserto do tio Saud (um edifício
que, na minha mente, mostrava bem as maravilhas que o dinheiro pode comprar, sendo um
exemplo ruinoso do que estava errado no nosso país).
As minhas irmãs e eu juntámonos à volta da minha mãe, pois a minha tia descontrolarase
completamente e gritava acusações contra a família. Estava particularmente furiosa com o príncipe herdeiro Faiçal, culpandoo pelo dilema em que o marido se encontrava. Contounos que os cunhados tinham conspirado para tirar o trono que fora dado pelo pai ao escolhido, Saud.
Disse, chorosa, que o ulemá, o conselho religioso, fora até ao palácio naquela mesma manhã e informara o seu marido de que devia abdicar da coroa.
Fiquei quase em estado de choque pela cena desenrolada diante de mim, pois raramente
assistíamos a situações de confronto na nossa sociedade. Temos o hábito de falar suavemente e
concordar com quem está diante de nós, enfrentando depois as dificuldades de maneira secreta.
Quando a nossa tia, que era uma linda mulher, de longos caracóis negros, começou a puxar pelos cabelos e a arrancar as dispendiosas pérolas que trazia ao pescoço, percebi que o assunto era sério. Por fim, a minha mãe conseguiu acalmá-la, levandoa até à sala de estar para tomar um
chá calmante. As minhas irmãs juntaramse em frente da porta fechada e tentaram ouvir o que sussurravam. Eu afastei as mãoscheias de cabelo com o dedo grande do pé e baixeime para apanhar as pérolas enormes e macias. Deparei com uma quantidade razoável, que, à cautela, fui guardar dentro de um vasovazio que estava no corredor.
A minha mãe acompanhou a nossa tia em lágrimas até ao Mercedes preto que a aguardava.
Todas nós vimos o motorista ganhar velocidade, levando a sua inconsolável
passageira. Nunca mais voltámos a ver a nossa tia, pois esta acompanhou o tio Saud e o seu séquito até ao exílio. Mas a nossa mãe aconselhounos a não pensar menos bem do nosso tio
Faiçal. Dissenos que a tia falara daquela maneira por estar apaixonada por um homem bom e generoso, o problema era que um homem assim não tinha de ser, obrigatoriamente, um bom governante. Contounos que o tio Faiçal estava a conduzir o país para uma era estável e próspera e que, ao fazêlo, provocara a ira dos menos capazes.
A minha mãe, apesar de não ser uma pessoa culta, pelos padrões ocidentais, mostrava grande
sabedoria e ponderação.

A Vida Secreta das Princesas ÁrabesWhere stories live. Discover now