Efêmero

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- Você está com quantos anos rapaz? Uns vinte? - perguntou a voz - Caramba... Estou ficando velho...

- Onde você tá? APARECE! - Ivan ordenou.

Angélica estava atentamente calada, tentando localizar de onde vinha o dono da voz desconhecida.

Breu estava da mesma forma soltando um grunido raivoso.

- Calma pessoal, calma... - um velho gesticulando com as mãos apareceu do nada à uns 3 metros dos irmãos.

O desconhecido estava flutuando como se estivesse em cima de uma mesa invisível.

Percebeu a expressão assustada de todos e desceu o que pareciam escadas invisíveis que rangiam como madeira velha.

- Quem é você? - Ivan ficou confuso enquanto se aliviava de finalmente estar vendo o dono da voz rouca.

- Quem eu sou? - perguntou o velho para si mesmo - Ah sim! - lembrou - Eu não sou ninguém importante... Sou apenas um velho que faz misturas complicadas para jovens necessitados apenas por diversão - falou o barbudo olhando para os dois como se esperasse eles entenderem uma piada.

- O senhor da mistura! - Angélica adivinhou.

- Acabei de descobrir quem é o irmão mais esperto! - brincou o velho gesticulando com sua bengala da qual não usava para apoio.

- O boticário oficial do Horizonte dos Crisântemos - finalmente concluiu Ivan.

- Faz tempo... - lamentou o velho acariciando sua barda cheia.

- Mas... Onde está a sua casa? Era pra ela estar bem aqui, não era? - Ivan questionou.

O velho ia responder o rapaz quando Angélica arriscou com hesitação:

- Sua casa... está... invisível?

Um sorriso se abriu por trás dos bigodes espessos e ruivos do senhor.

- Eu realmente descobri quem é o mais esperto! - falou alto o barbudo - sim menina, a casa está invisível pra vocês.

- E para o senhor não? - Angélica perguntou.

- Não, eu consigo vê-la. Mas para que isso possa acontecer tenho que tomar esta porcaria... - estendeu o frasco com um líquido leitoso que estava pendurado no seu cinto por uma cordinha dourada. - para vocês entrarem precisam tomar um pouco também. Eu não quero ninguém esbarrando nos meus tubos de ensaio.

O senhor foi se aproximando enquanto Ivan e Lica cochichavam:

- Você acha que é seguro? - Ivan perguntou quase não mexendo os lábios para a irmã.

- Acho sim, gostei dele - Lica disse depois de receber aqueles elogios do barbudo.

Quando o velho se aproximou, Breu começou a latir, rosnando. Mas bastou uma ordem de Ivan para ele se acalmar.

- Aqui está, bebam um pequeno gole cada... Menos o cachorro, ele fica aqui fora.

- Ele é comportado, não se preocupe - Ivan defendeu.

- Ele fica. São meus termos garoto, com todo o respeito. Não quero gastar Visibelares... É meio complicado fazer esse suco, e como pode ver já está em menos da metade.

Ivan se conformou e foi o primeiro a pegar o frasco para beber:

"Visibelares... A receita contrária da Invisibelares... O pai já falou sobre eles." Ivan lembrou enquanto tirava o tampão do frasco.

- Ugh! - o rapaz tomou tentando disfarçar a careta e passou o frasco para a irmã.

- AHR QUE HORRÍVEL - Lica apoiou as mãos nos seus joelhos com ânsia.

- Não vomite! - pediu o velho - Não posso gastar mais desse frasco!

Angélica com grande esforço se segurou e engoliu o vômito com Ivan e Breu a consolando.

- Agora imaginem ter que tomar isso todo o dia... É horrível! - o velho se lamentou.

Ivan estava curvado junto com Angélica que estava lutando com o gosto de carniça na boca. E quando finalmente se recomporam, arregalaram os olhos para a casa que derrepente se tornava visível.

Uma casinha rústica feita das tripas das árvores da redondeza, cor-de-abacate, com varanda, e com telhado de argila bem vermelha apareceu.

- Vamos entrando! - o senhor convidou educadamente - Podem deixar suas mochilas neste cabideiro! Não se preocupem, ele é muito resistente.

A casa era aconchegante por dentro. O papel de parede da sala, o primeiro cômodo que viram quando entraram, hipnotizou Ivan com seus desenhos complexos que pareciam se encaixar da mesma forma que se completavam alternando entre vermelho bordô e azul brasilis.

Nas paredes também estavam pendurados muitos quadros com retrados antigos. Provavelmente familiares do velho.

- Sentem-se, fiquem à vontade! Vou preparar um chá para nós!

Eles sentaram.

Ivan se sentou em uma poltrona grande que parecia ter sido feita com pedaços de almofadas bem macias.

E Lica encostou em um sofá de couro ressecado preto-acinzentado.

- Qual o nome do senhor? - Angélica perguntou.

- Podem me chamar de Sr. Efêmero - respondeu concentrado na preparação do chá.

- Porquê o senhor deixou sua casa invisível? - Angélica perguntou denovo virando seu dorso para as costas do velho que estava na cozinha à uns dois metros da sala.

- Para proteção garota. Vale a pena tomar esse suco horrível pra me manter fora de problemas - disse Sr. Efêmero enchendo de água um bule negro e depois colocando-o no fogo - como vai o pai de vocês? Faz muito tempo que não o vejo...

- Ele está bem... - Angélica economizou palavras - Como conheceu nosso pai?

Sr. Efêmero parou imediatamente depois que ouviu a pergunta e começou a lembrar, nostálgico:

- Nos conhecemos há muito tempo... Raul sempre foi um homem complexo repleto de princípios. Infelizmente não fomos amigos... Então... a primeira vez que eu o ví foi no Reino dos Crisântemos. Nós estavamos disputando a vaga de Boticário Oficial do Rei... Se eu não me engano foi no 135° ano...

Nós eramos os melhores boticarios do nosso tempo. Criamos várias receitas, salvamos várias vidas...

E naturalmente, como só havia uma vaga para dois profissionais muito interessados, nos tornamos rivais.

Mas no fim - Sr. Efêmero se apoiou na mureta que separava a sala da cozinha - ele ganhou e recusou a vaga... Então eu assumi. E por todos os anos que fiquei naquele posto tão desejado, eu não sentia que merecia estar lá... Então... Digamos que me aposentei mais cedo. - o senhor tirou os cotovelos da mureta e voltou a trabalhar no chá.

Angélica franziu a testa e perguntou:

- Por que ele recusou?

- Como eu disse, seu pai é um homem complexo garota... Algo deve ter ferido seus princípios - concluiu Sr. Efêmero que, mesmo de costas, aparentava estar escondendo alguma coisa.

Durante a conversa, Ivan não fez nenhuma pergunta. Mas ouviu cada palavra olhando para o papel de parede e para os quadros.

- Aqui está o chá! - Sr. Efêmero anunciou colocando a bandeja de prata na mesinha do centro da sala feita totalmente de madeira maciça - bebam e quando terminarmos mostrarei para vocês a mistura.

Os irmãos beberam o chá que finalmente tirou o gosto horrível do Visibelares de suas bocas.

- Então vamos lá? - sugeriu Sr. Efêmero.

- Vamos! - Angélica respondeu ao mesmo tempo que saltou do sofá.

- Lica você não pode entrar, é só pra boticários - Ivan a desanimou consolando.

- Não não, tudo bem, ela pode ir conosco! Vamos abrir uma excessão para sua irmã, ela é esperta - liberou o senhor.

Ivan percebeu a felicidade da irmã e também ficou feliz. Finalmente essa tradição desnecessária seria quebrada e Angélica iria conhecer o laboratório de um boticário.

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